Ofício nº 026/2012 CEAQF
Brasília, 22 de setembro de 2012
Excelentíssimo Senhor Senador José Sarney
Digníssimo Presidente do Senado Federal
Em aditamento ao Relatório Parcial encaminhado por meio do Ofício nº 025/2012 CEAQF, estamos submetendo à elevada consideração de Vossa Excelência este Relatório Suplementar, que apresenta o anteprojeto de Proposta de Emenda Constitucional dispondo sobre as bases do federalismo fiscal brasileiro e sua integração por meio do proposto Código do Federalismo Fiscal e outras leis complementares específicas.
Trata-se de questão da mais alta relevância, pelo que pode contribuir para conferir efetividade ao federalismo fiscal, cujos parâmetros se encontram dispersos e desarticulados em inúmeros dispositivos constitucionais, conforme se esclarece na Justificação da Proposta.
É indispensável assinalar que, no prazo estipulado para conclusão dos trabalhos da Comissão, seria pretensão impossível esgotar o tema, considerado o largo espectro do federalismo fiscal.
Nada obstante, decidiu-se por elencar algumas questões que não foram examinadas, conquanto sejam igualmente importantes, não podendo, por isso, ser negligenciadas na agenda do federalismo fiscal:
a) a legislação voltada para coibir a guerra fiscal no âmbito do imposto sobre serviços de qualquer natureza ISS (art. 156, § 3º inciso III da CF);
b) a fixação de novos critérios de rateio do Fundo de Participação dos Municípios FPM (art. 161, inciso II, in fine, da CF);
c) a revisão da legislação aplicável à Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais CFEM;
d) a revisão do Código Tributário Nacional CTN (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966), especialmente no tocante à legislação sobre os tributos e sobre a repartição de receitas tributárias, que se encontra completamente ultrapassada em virtude da Constituição de 1988 e de normas infraconstitucionais subsequentes;
e) a elaboração de leis complementares relativas à cooperação intergovernamental setorial, a que se refere o parágrafo único do art. 23 da Constituição;
f) a elaboração do Código do Federalismo Fiscal, caso prospere o anteprojeto encaminhado por meio deste Relatório Suplementar.
Por fim, ao concluir os trabalhos da Comissão Especial Externa do Senado Federal criada pelo RQS nº 25, de 2012, com a finalidade de analisar e propor soluções para questões relacionadas ao Sistema Federativo, agradecemos a distinção pela honrosa missão que nos foi confiada por essa Casa Legislativa e aproveitamos a oportunidade para consignar os agradecimentos pelo apoio técnico da Consultoria Legislativa do Senado Federal, sob a coordenação dos Consultores Marcos José Mendes e Paulo Springer de Freitas, e pelo apoio administrativo da Subsecretaria de Apoio às Comissões Especiais e Parlamentares de Inquérito, sob a coordenação da Senhora Keny Cristina Rodrigues Martins.
Respeitosamente
Nelson Jobim
Presidente
Everardo Maciel
Relator
PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO
Introduz o art. 251 na Constituição, para dispor sobre as bases do federalismo fiscal, estruturado por meio do Código do Federalismo Fiscal e outras leis complementares específicas.
Art. 1º Fica acrescido o seguinte art. 251 à Constituição:
Art. 251. A estrutura do federalismo fiscal se assenta nas seguintes bases:
I discriminação das rendas tributárias, nos termos dos arts. 149, 149-A e 153 a 156;
II especificação das receitas de tributos pertencentes a entes federativos, embora a competência para instituí-los seja de outro, nos termos do arts. 157 e 158;
III transferências intergovernamentais de receitas públicas;
IV harmonização das políticas tributárias dos entes federativos, incidentes sobre uma mesma base imponível;
V prevenção dos litígios tributários entre os entes federativos;
VI cooperação intergovernamental na formulação e execução das políticas públicas relativas às competências comuns dos entes federativos, nos termos do parágrafo único do art. 23;
VII integração regional e sub-regional;
VIII - integração das administrações tributárias dos entes federativos.
§ 1º As transferências intergovernamentais, a que se refere o inciso III do caput, serão:
I compulsórias quando decorrentes de:
a) entrega de recursos aos entes federativos, nos termos do art. 159;
b) participação nos resultados da exploração ou compensação financeira, nas hipóteses de que trata o § 1º do art. 20;
c) norma constante do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;
d) leis complementares, a que se refere o parágrafo único do art. 23; e
e) leis ordinárias.
II voluntárias quando decorrentes de previsão específica na lei orçamentária anual.
§ 2º Lei complementar (Código do Federalismo Fiscal) disporá, de forma integrada, sobre:
I as normas gerais aplicáveis:
a) ao crédito de valores, ao acompanhamento pelos beneficiários e, se for o caso, ao cálculo das quotas de recursos pertencentes ou transferidos aos entes federativos, a que se referem, respectivamente, os incisos II e III do caput;
b) às concessões, por lei, de incentivos regionais, a que se refere o § 2º do art. 43, e de incentivos fiscais relativos às zonas econômicas com tratamento tributário diferenciado;
c) à harmonização das políticas tributárias, a que se refere o inciso IV do caput;
d) às regiões metropolitanas, a que se refere o § 3º do art. 25, especialmente no tocante à sua delimitação territorial e à cooperação intergovernamental, em termos de organização, planejamento e execução de funções públicas de interesse comum;
e) aos consórcios públicos e aos convênios de cooperação intergovernamental, a que se refere o art. 241;
f) à integração das administrações tributárias dos entes federativos, inclusive unificação cadastral, compartilhamento de informações fiscais, execução de procedimentos conjuntos de fiscalização e delegação de competência, observado que as atividades relativas àquelas administrações terão caráter essencial para o funcionamento do Estado e prioridade na alocação de recursos, sendo exercidas por meio de servidores de carreiras específicas.
II os critérios de rateio das transferências intergovernamentais compulsórias, observado que:
a) os critérios de rateio dos fundos, de que tratam as alíneas a, b e d do inciso I do art. 159, em conformidade com o que estabelece o inciso II do art. 161, terão, por base, metodologia tendente à equalização da capacidade fiscal per capita das entidades beneficiárias, com especificação das receitas a serem equalizadas;
b) em relação às demais transferências compulsórias, serão adotados critérios específicos;
III a vinculação das transferências intergovernamentais compulsórias a fundo ou despesa, observado o disposto na alínea c do inciso II do § 4º do art. 177;
IV - o sistema nacional de contas públicas, especialmente no que se refere às seguintes matérias:
a) padrões de contabilidade pública;
b) administração do sistema nacional de contas públicas;
c) obrigatoriedade de apresentação de informações relativas às contas públicas;
d) sanções aplicáveis nos casos de descumprimento da obrigação de apresentar informações ou de apresentação de informações incompletas, intempestivas ou falsas;
V o disciplinamento das transferências voluntárias, observada a exigência de vinculação a fundo ou a despesa, integrante de programas elaborados em conformidade com as leis complementares de que trata o parágrafo único do art. 23, salvo nos casos de despesas para atendimento de situações emergenciais imprevistas, como guerra, comoção interna ou calamidade pública;
VI os casos em que os Estados ficam autorizados a legislar sobre as questões específicas das matérias relacionadas no art. 22, em conformidade com o disposto no parágrafo único daquele artigo;
VII as condições para integração das regiões em desenvolvimento, a que se refere o § 1º do art. 43, que informarão leis decenais relativas às diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado de que trata o § 1º do art. 174.
§ 3º O disposto no inciso II do § 2º não se aplica quando os critérios de rateio estiverem especificados na Constituição ou nas leis complementares, a que se refere o parágrafo único do art. 23.
§ 4º O disposto no inciso III do § 2º não se aplica em relação aos incisos I e II do art. 159 e ao § 1º do art. 20.
§ 5º Não integram o Código do Federalismo Fiscal, a que se refere o § 2º, sem prejuízo, quando for o caso, da observância de suas normas gerais, as leis complementares relativas às seguintes matérias:
I cooperação intergovernamental, nos termos do parágrafo único do art. 23, nela incluída o disposto nos incisos VI e VII do art. 30 e no art. 211;
II prevenção de litígios tributários entre os entes federativos, especialmente em relação aos impostos de que tratam:
a) o inciso II do art. 155, nos termos da alínea g do inciso XII do § 2º daquele artigo;
b) o inciso III do art. 155;
c) o inciso III do art. 156, nos termos do inciso III do § 3º daquele artigo;
III composição dos organismos regionais de que trata o inciso II do § 1º do art. 43.
§ 6º O disposto no inciso II do § 5º:
I - não elide o estabelecimento de sanções administrativas e penais à prática da competição tributária ilícita, em legislação própria;
II não abrange os conflitos de competência, de que trata o inciso I do art.146.
Art. 2º Acrescente-se a seguinte alínea j ao inciso XII do § 2º do art. 155:
Art. 155...................................................................................................
................................................................................................................
§ 2º .........................................................................................................
................................................................................................................
XII - .........................................................................................................
.................................................................................................................
j) definir o valor adicionado para fins do disposto no inciso I do parágrafo único do art. 158.
Art. 3º Esta Emenda à Constituição entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir de 2018 em relação ao disposto nos incisos II e III do § 2º do art. 251 da Constituição, introduzido por esta Emenda.
Art. 4º Revogam-se:
I o inciso I do caput do art.161;
II a partir de 2018, o inciso XXII do art.37, sem prejuízo da eficácia de leis e convênios, celebrados com fundamento naquela norma, desde que não colidam com o disposto na lei complementar de que trata o § 2º do art. 251, introduzido por esta Emenda à Constituição.
JUSTIFICAÇÃO
O federalismo fiscal, traduzido na repartição das rendas públicas, na fixação das competências dos entes federados e na cooperação intergovernamental relativamente à execução das competências comuns, é fundamento essencial do pacto federativo cláusula pétrea da Constituição.
Sem ele, qualquer pretensão de organização federativa resultaria inócua, por fragilizar sobremaneira o comando constitucional relativo à autonomia dos entes federativos, estabelecido no art. 18 da Carta Maior.
A matéria, todavia, se encontra dispersa no texto constitucional, sem que se vislumbre qualquer tipo de articulação entre seus elementos constitutivos, o que, ao fim e ao cabo, compromete sua eficácia.
Esta Proposta de Emenda à Constituição (PEC) pretende sanar a assinalada lacuna do texto constitucional, esclarecendo, sistematizando e integrando as bases do federalismo fiscal, que se desdobram nos campos da tributação (discriminação das rendas tributárias; especificação das receitas pertencentes a entes federativos, embora a titularidade seja de outro; transferências intergovernamentais; harmonização das políticas tributárias incidentes sobre uma mesma base imponível e prevenção dos litígios tributários), dos gastos públicos (cooperação intergovernamental e integração regional e sub-regional) e da integração da administração tributária.
O assinalado propósito estruturante não altera, todavia, os vigentes parâmetros constitucionais do federalismo fiscal, que se expressam por meio de inúmeras disposições esparsas na Lei Maior. Por essa razão, a PEC incide justamente no Título IX da Constituição (Das Disposições Constitucionais Gerais), mediante acréscimo do art. 251.
O vetor dessa estruturação, entretanto, será uma lei complementar, a que se propõe a denominação de Código do Federalismo Fiscal. Portanto, o perfil jurídico real da proposição, em boa medida, é cometido à produção legislativa infraordenada, ancorada na previsão constitucional da integração em conformidade com esta PEC.
Constrói-se, desse modo, uma arquitetura jurídica que preserva os parâmetros constitucionais vigentes do federalismo fiscal e prescreve sua integração pela mediação do legislador infraconstitucional.
A codificação do federalismo fiscal não representa, em si, uma novidade, porquanto o Código Tributário Nacional - CTN (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966) já tratava da matéria nos arts. 83 a 95, constantes do Título VI (Distribuições de Receitas Tributárias).
O disciplinamento estabelecido no CTN se encontra, todavia, completamente ultrapassado, em virtude de alterações constitucionais e infraconstitucionais posteriores. De mais a mais, o conceito do federalismo fiscal tornou-se muito mais abrangente que a simples normatização de transferências intergovernamentais, de que cuidava o CTN.
A Constituição de 1988 demonstra, à saciedade, esse novo espectro do federalismo fiscal, ainda que de forma difusa, como assinalado, evidenciando, por conseguinte, a necessidade de uma integração que estruture as disposições em direção a objetivos maiores, como a correção das desigualdades inter-regionais de renda e o equilíbrio vertical e horizontal das rendas públicas.
O proposto Código do Federalismo Fiscal disporá sobre normas gerais aplicáveis: aos procedimentos relativos à entrega, acompanhamento e cálculo de quotas de recursos pertencentes ou repassados aos entes federativos; aos incentivos fiscais regionais e das zonas econômicas com tratamento tributário privilegiado; à harmonização das políticas tributárias comuns dos entes federativos; à cooperação intergovernamental, inclusive nas regiões metropolitanas, e aos consórcios públicos; e à integração das administrações tributárias.
Além disso, cuidará de normas específicas relacionadas com os critérios de rateio e vinculação das transferências compulsórias, o disciplinamento das transferências voluntárias, o sistema nacional de contas públicas, os casos em que os Estados ficam autorizados a legislar em matéria privativa da União, conforme previsão constitucional, e as condições para implementação da integração regional, que informarão as leis decenais relativas ao do desenvolvimento regional.
De ressaltar que a existência de um sistema nacional de contas públicas é condição indispensável à consecução das regras de equalização das receitas per capita das entidades beneficiárias do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal e do Fundo de Participação dos Municípios, recepcionadas expressamente nesta PEC como metodologia capaz de dar concretude à promoção do equilíbrio socioeconômico entre os Estados e entre os Municípios, conforme preconizado no inciso II do art. 161, in fine, da CF/88.
A previsão de leis decenais de desenvolvimento regional, informadas pelas condições preestabelecidas no Código do Federalismo Fiscal, milita em favor da reafirmação do planejamento como ferramenta indispensável à formulação de políticas públicas de médio e longo prazos.
A PEC estabelece que o Código de Federalismo Fiscal não contemplará as leis complementares disciplinadoras da cooperação intergovernamental setorial, de que trata o parágrafo único do art.23 da CF, e as que dispõem sobre a competição fiscal, no tocante ao ICMS, ao ISS e ao IPVA, e sobre a composição dos organismos regionais.
Essas matérias serão tratadas em leis complementares específicas, evitando sobrecarga normativa do referido Código, conquanto se sujeitem à observância, quando cabível, das normas gerais nele contidas.
As sanções administrativas e penais às práticas de competição fiscal ilícita poderão ser inscritas em estatutos legais próprios.
Propõe-se a revogação, a partir de 2018, do inciso XXII do art. 37 da CF, que dispõe sobre a integração das administrações tributárias, para inserir a matéria no âmbito da estruturação federativa de que trata esta PEC, sem prejuízo da eficácia de leis e convênios celebrados sob a égide daquela norma, desde que não colidam com o disposto no Código do Federalismo Fiscal.
Por fim, a PEC esclarece que o conceito de valor adicionado, utilizado como critério de rateio da quota-parte municipal do ICMS, é a base de cálculo desse imposto, estabelecida na lei complementar de que trata o inciso XII do § 2º do art. 155 da CF.
A fim de permitir uma elaboração cuidadosa dos critérios relativos ao rateio e à vinculação das transferências intergovernamentais compulsórias é que se propõe postergar, para 2018, a eficácia dessas regras.
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