29/12/2007
Sem CPMF, Receita cria "vigilância" de contas - Para a OAB, método fere a Constituição

Sem CPMF, Receita cria "vigilância" de contas
Para substituir fiscalização após o fim do tributo, fisco decide obrigar bancos a repassar dados sobre transações financeiras

Pessoas físicas que tenham movimentação superior a R$ 5.000 por semestre terão informações comparadas com a declaração do IR
JULIANA ROCHA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA  FOLHA DE S. PAULO

O governo federal elaborou um novo mecanismo para flagrar sonegadores e substituir o efeito fiscalizador da CPMF, que vai deixar de ser cobrada a partir de 2008. A partir de 1º de janeiro, os bancos serão obrigados a repassar à Receita Federal os dados de todas as pessoas físicas que movimentam mais de R$ 5.000 por semestre em conta corrente ou poupança. Serão listados os contribuintes com movimentação média de R$ 833 por mês. As empresas que movimentarem mais de R$ 10 mil a cada seis meses, ou R$ 1.666 em média por mês, também serão alvo da fiscalização.
Nos próximos meses, a Receita Federal deverá pedir informações também sobre operações no mercado financeiro, aplicações em fundos de investimento e compra de moeda estrangeira. As administradoras de cartões de crédito já são obrigadas a informar gastos superiores a R$ 5.000 por mês. Com o decreto, o valor passou a ser de R$ 5.000 a cada seis meses, ou seja, caiu para R$ 833 por mês em média.
O coordenador-geral de Fiscalização da Receita Federal, Marcelo Fisch, explicou que a Receita escolheu um valor baixo de movimentação mensal para evitar que sonegadores usem contas bancárias em diversas instituições financeiras para driblar a fiscalização.
A nova estratégia de fiscalização, adotada ontem com a edição de um decreto, mostrou que o fim da CPMF não deve facilitar a sonegação do Imposto de Renda, como havia ameaçado o ministro Guido Mantega (Fazenda) durante as negociações para tentar prorrogar o imposto do cheque até 2011. Mas juristas alertam que o mecanismo de fiscalização poderá ser considerado quebra de sigilo bancário e, portanto, questionado na Justiça.
Fisch negou que a informação sobre movimentações financeiras seja quebra de sigilo bancário dos contribuintes. Ele argumentou que a Receita pedirá aos bancos o volume total movimentado no período de seis meses, e não o extrato detalhado das operações bancárias.
O contribuinte só será intimado a fornecer o extrato detalhado quando houver divergência entre a movimentação em conta e a declaração do IR. Nesse caso, é aberto processo de fiscalização. É o mesmo processo usado hoje com o cruzamento de dados da CPMF.
Fisch afirmou que o novo método é tão eficiente quanto a CPMF, mas evitou comentar as ameaças da equipe econômica de que o governo perderia dinheiro ao deixar de fiscalizar os contribuintes. Ele lembrou que, com cruzamento de informações entre a CPMF e a declaração do IR, o fisco conseguiu autuar 20 mil contribuintes (pessoas físicas e jurídicas), que tinham sonegado IR nos últimos seis anos. Neste período, foram recuperados para os cofres públicos R$ 43 bilhões.
O decreto da Receita determina que os bancos passem as informações sobre movimentação em conta corrente e poupança a cada seis meses. Todas as operações de depósito, saques, pagamentos e transferências serão consideradas, inclusive o uso de cheques, cartões de débito e DOCs. A Receita espera receber, no mínimo, informações sobre 25 milhões de pessoas físicas -esse é número de contribuintes que declarou IR neste ano.
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Para a OAB, método fere a Constituição

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) considerou inconstitucional o novo método de fiscalização da Receita contra sonegadores de tributos. O vice-presidente nacional da OAB e especialista em direito tributário, Vladimir Rossi Lourenço, disse que, ao pedir informações sobre a movimentação bancária dos contribuintes, a Receita promove quebra de sigilo bancário. A OAB estuda entrar com uma ação coletiva contra o decreto ou com uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade).
Segundo Ives Gandra Martins, advogado especialista em direito tributário, "hoje, a Receita usa a CPMF para inferir quanto as pessoas físicas e jurídicas movimentaram, mas com o fim do imposto, ela perde o direito a essa informação. O sigilo dos dados deve prevalecer".
Martins disse que existem três Adins questionando a legalidade da lei complementar 105 no STF. Se o Supremo Tribunal Federal considerar a lei inconstitucional, o decreto deixa de valer.
A Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) evitou comentar o aspecto jurídico do decreto e apenas informou que vai cumprir a determinação da Receita Federal.
Ademiro Vian, assessor técnico da Febraban, disse que o programa usado para informar o valor pago em CPMF, que incide apenas sobre saques, pode ser adaptado às outras movimentações.
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Instrução Normativa RFB nº 802, de 27 de dezembro de 2007 DOU de 28.12.2007

Dispõe sobre a prestação de informações de que trata o art. 5º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001.

O SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL, no uso da atribuição conferida pelo art. 224, inciso III, do Regimento Interno da Secretaria da Receita Federal do Brasil, aprovado pela Portaria MF nº 95, de 30 de abril de 2007, e tendo em vista o disposto no art. 5º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, e no art. 5º do Decreto nº 4.489, de 28 de novembro de 2002, resolve:

Art. 1º As instituições financeiras, assim consideradas ou equiparadas nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, devem prestar informações semestrais, na forma e prazos estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), relativas a cada modalidade de operação financeira de que trata o art. 3º do Decreto nº 4.489, de 2002, em que o montante global movimentado em cada semestre seja superior aos seguintes limites:

I  para pessoas físicas, R$ 5.000,00 (cinco mil reais);

II  para pessoas jurídicas, R$ 10.000,00 (dez mil reais).

§ 1º As operações financeiras de que tratam os incisos II, III e IV do art. 3º do Decreto nº 4.489, de 2002, deverão ser consideradas de forma conjunta pelas instituições financeiras, para fins de aplicação dos limites de que tratam os incisos I e II do caput.

§ 2º As informações sobre as operações financeiras de que trata o caput compreendem a identificação dos titulares das operações ou dos usuários dos serviços, pelo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), e os montantes globais mensalmente movimentados.

Art. 2º Na hipótese em que o montante global movimentado no semestre referente a uma modalidade de operação financeira seja superior aos limites de que tratam os incisos I e II do art. 1º, as instituições financeiras deverão prestar as informações relativas às demais modalidades de operações ou conjunto de operações daquele titular ou usuário de seus serviços, ainda que os respectivos montantes globais movimentados sejam inferiores aos limites estabelecidos.

Art. 3º Esta Instrução Normativa entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir de 1º de janeiro de 2008.

JORGE ANTONIO DEHER RACHID



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