18/01/2008
Viúvas da CPMF - Governo faz pressão contra sigilo bancário e fiscal

Viúvas da CPMF
Governo faz pressão contra sigilo bancário e fiscal
por Lilian Matsuura

O sigilo bancário e fiscal não é absoluto. Ele pode ser quebrado por ordem do Poder Judiciário ou a partir de solicitação de Comissões Parlamentares de Inquérito, exceto as municipais. Isso é o que prevê a Constituição e diz o Supremo Tribunal Federal. Na prática, contudo, o sigilo de dados fiscais e bancários do cidadão parece-se cada vez mais com uma ficção jurídica ameaçada a cada dia por medidas tomadas pelo Estado sem maiores cerimônias.

Uma onda de ataques ao sigilo econômico do cidadão ganhou força a partir do fim da CPMF no final do ano passado. O motivador desta onda é justamente buscar substitutos para o controle de contas e gastos dos contribuintes que era possível ser feito através do imposto ao cheque.

Foi esta também a intenção do Tribunal de Contas da União ao determinar à Receita Federal que lhe facultasse, sob pena de multa diária, o acesso amplo e irrestrito, no prazo de 15 dias, aos dados que ela armazena dos contribuintes. No caso do TCU, a onda foi quebrada pelo ministro Gilmar Mendes, presidente em exercício do Supremo Tribunal Federal.

Julgando liminar em Mandado de Segurança apresentado pelo secretário da Receita Federal do Brasil, Jorge Rachid, o ministro suspendeu a decisão do TCU. No Mandado de Segurança, a Receita sustenta que compartilhar seu banco de dados com o TCU contraria a proteção constitucional à privacidade e à intimidade dos contribuintes. Afirma ainda que as informações requeridas têm o condão de revelar a situação econômico-financeira dos contribuintes que não manipulam verbas públicas, nem se encontram submetidos à fiscalização do TCU.

Mudança de posição

Em 2002, o então secretário adjunto e atual titular da Receita defendia a edição de decreto que autorizasse a Receita a ter acesso às informações bancárias dos contribuintes que mantinham contas ou aplicações, que usavam cartões de crédito e movimentassem valores acima de R$ 5 mil.

À época, argumentava que a quebra do sigilo se justificava pela necessidade de combater a sonegação. Na verdade, entendia que não se tratava propriamente de quebra de sigilo. O sigilo bancário não está sendo quebrado, ele só está sendo transferido para a Receita Federal, declarou. O Decreto 4.489/2002 foi editado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, mas no final do mesmo ano, com a reabilitação da CPMF, foi revogado.

Com o fim do imposto do cheque agora, Lula já havia substituído FHC na presidência, mas a solução para manter os contribuintes sob vigilância foi semelhante: a Receita Federal publicou a Instrução Normativa 802, que determina que os bancos devem prestar informações sobre movimentação de seus correntistas para o Fisco.

Pela instrução, as instituições financeiras devem repassar informações dos correntistas cuja movimentação semestral global chegue a R$ 5 mil no caso de pessoas físicas, e R$ 10 mil no caso de pessoas jurídicas.

A nova norma tem a mesma função do revogado Decreto 4.489/2002. Ele nasceu para regulamentar a Lei Complementar 105/2001, que diz quais são as instituições que detêm sigilo de dados dos cidadãos e como ele deve ser tratado.

Ives Gandra Martins, na ocasião da promulgação da lei, declarou: entendo que a Lei Complementar 105/2001 não foi endereçada ao sonegador, mas exclusivamente contra o Poder Judiciário para afastá-lo como julgador moderado, abrindo campo para uma certa dose de arbítrio, que o governo deseja ter para cobrir sua incapacidade (...) e em que as autoridades não primam pela boa gestão da coisa pública.

Sobre o decreto afirmou que ele punia os bons contribuintes deles retirando qualquer garantia, visto que sempre dependerão de humores da fiscalização, pródiga em ofertar à lei distorcida interpretação.

Controvérsia

Nessa discussão, há a corrente dos que comemoram o despacho do ministro Gilmar Mendes, baseado no inciso X do artigo 5º da Constituição. O dispositivo diz que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. O inciso XII é mais específico: é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (...)

Em casos excepcionais, o sigilo pode ser requerido no interesse de investigação criminal, em suspeita de fraude, que tragam mínimos indícios de autoria da pessoa que terá os seus dados abertos a instituições a que não pertencem.

Mas há os que entendem que o sigilo fiscal e bancário não têm garantia constitucional. Para Fábio Wanderley Reis, cientista político e professor da Universidade Federal de Minas Gerais, é evidente o interesse público da fiscalização exercida pela Receita e, portanto, os direitos fundamentais dos cidadãos têm de ser entendidos como relativos.

Em artigo publicado no jornal Valor Econômico, escreve que não há na Constituição qualquer norma que garanta expressamente o sigilo bancário, apesar da garantia genérica, no artigo 5º, da inviolabilidade da intimidade e do sigilo de dados. Ao invés disso, diz, o artigo 145, em seu parágrafo 1º, diz que a administração tributária deve cumprir os objetivos, nos termos da lei e respeitando os direitos individuais, podendo identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Guerra ao crime

Em nome do combate à violência, o governo federal defende que todos os seus órgãos possam trocar informações disponíveis sobre o contribuinte. Foi o que defendeu o advogado-geral da União José Antônio Dias Toffoli em parecer preliminar apresentado em encontro do Enccla (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro), em dezembro de 2007.

Segundo o advogado-geral, essa troca de dados não configura quebra de sigilo, mas transferência dele. E elas não aconteceriam de forma imotivada. Toffoli esclarece ainda que a controvérsia existe porque a Constituição Federal não tratou explicitamente do sigilo bancário ou fiscal em seu texto. Ela fala sobre sigilo de dados. E por isso dá margem a vários tipos de interpretação.

O parecer elaborado pela AGU está sendo analisado por diversos órgãos públicos que enviarão as suas sugestões e opiniões. A partir deles é que será feito um parecer definitivo. No primeiro trimestre de 2008 ele estará pronto, pelos cálculos do ministro Toffoli.

Um segredo que todo mundo conhece não é mais segredo, constata o tributarista Igor Mauler ao comentar o parecer da AGU. Para ele, não se pode ferir o sigilo dos dados dos contribuintes como forma de combate à criminalidade. Essa forma de abertura dos dados não trará ganho nenhum para a sociedade, critica.

Mauler não tem dúvidas de que a Constituição Federal defende o sigilo bancário e fiscal do cidadão. Ressalta que este não é absoluto, mas a quebra deve depender de fortes indícios, justificativas e um bom fundamento apresentado por um membro do Judiciário.

Segundo o tributarista, a LC 105/2001 nunca entrou de fato em vigor porque ficava encostada na CPMF. Com a extinção do imposto, ele acha que as duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade que a contestam devem entrar na pauta de julgamento.

O criminalista Luís Guilherme Vieira concorda. Diz que todas as solicitações de quebra de sigilo devem passar pelo Judiciário e recordou que há diversas decisões do Supremo Tribunal Federal nesse sentido. Muitas delas, inclusive, citadas pelo ministro Gilmar Mendes na liminar contra acórdão do Tribunal de Contas da União.

Um dos emblemáticos julgamentos da Corte aconteceu em 1992. O delegado da Polícia Federal Aparecido Lopes Feltrin pedia a quebra do sigilo bancário do ex-ministro Antonio Rogério Magri e de sua mulher, porque, no lixo da mansão do casal, foram encontradas duas cintas usadas pelos bancos para prender dinheiro no valor de CR$ 5 milhões e CR$ 1 milhão.

Na ocasião, o ministro Carlos Velloso sustentou que o sigilo bancário somente pode ser afastado no curso de um procedimento criminal ou de um inquérito policial formalmente instaurado, em que haja indiciamento do acusado, com a indicação do delito praticado, com pelo menos, um indício de prova relativamente à autoria e a materialidade. Para ele, o artigo 5º da CF funciona como uma garantia do direito à privacidade.

O ministro Celso de Mello votou no mesmo sentido. Segundo o ministro, o artigo 5º, X, da CF é uma proteção em favor do indivíduo e contra a ação expansiva do arbítrio do Estado  uma esfera de autonomia intangível e indevassável pela atividade persecutória do poder Público, apta a inibir e a vedar o próprio acesso dos agentes governamentais.

Leia a decisão de Gilmar Mendes e o acórdão do TCU

MED. CAUT. EM MANDADO DE SEGURANÇA 27.091-8 DISTRITO FEDERAL

IMPETRANTE(S) : SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL

DO BRASIL

ADVOGADO(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

IMPETRADO(A/S) : PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TC Nº 02568620067)

Despacho: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado contra ato do Presidente do Tribunal de Contas da União consubstanciado no Acórdão n.° 1.835/2007, prolatado pelo Plenário daquela Corte nos autos do Processo TC n.° 025.686/2006-7, em 05.09.2007 (fls. 23/33).

O acórdão apontado determinou que o titular da Secretaria da Receita Federal do Brasil, em 15 dias úteis, apresente os documentos e informações já requeridas pela equipe de auditoria, alertando-o que o descumprimento da deliberação sujeita-o à aplicação da multa prevista no art. 58, inc. VI, da Lei n.° 8.443/92, nos termos do art. 42, § 2.°, da mesma Lei; e esclarecendo-o que os presentes autos terão tramitação sigilosa, bem como os analistas encarregados da auditoria e das demais instruções processuais estão obrigados ao sigilo pertinente às informações disponibilizadas (fl. 24)

Após justificar a sua legitimidade e seu interesse de agir, sustenta o impetrante que o ato coator contraria a proteção constitucional à privacidade e à intimidade dos contribuintes, na forma prevista no art. 5.°, inc. X e XII da Constituição Federal, pois os dados requeridos pelo Tribunal de Contas da União têm o condão de revelar a situação econômico-financeira dos contribuintes que não manipulam verbas públicas, nem se encontram submetidos à fiscalização do TCU (fl. 06).

Entende que a exigência contida no Acórdão n.° 1.835/2007 do Tribunal de Contas da União viola seu direito líquido e certo de preservar o sigilo das informações prestadas pelo contribuinte à Fazenda Pública. Ademais, aduz que o acesso irrestrito às informações registradas no SISCOMEX não se subsume às hipóteses excepcionais contidas no art. 58, § 3.°, da Constituição Federal, tão pouco à nova redação conferida pela Lei Complementar n.° 104/2001 aos arts. 198 e 199 do Código Tributário Nacional (fls. 07/11).

Insurge-se, portanto, contra determinação da autoridade impetrada que, sem amparo constitucional e infraconstitucional, requisita acesso amplo e irrestrito ao banco de dados em que constam informações de contribuintes que não manipularam verbas públicas ou estão submetidos à fiscalização da Corte de Contas (fl. 13). Ressalta, ainda, a existência de precedentes do Supremo Tribunal Federal favoráveis à sua tese, em casos similares ao presente (MS 22.801, rel. Min. Menezes Direito, Plenário, unânime, julgado em 17.12.2007 e MS 22.617, rel. Min. Francisco Rezek, DJ 22.10.1996).

Diante da ocorrência do perigo na demora, consubstanciado no fato de que a decisão impugnada determina o fornecimento das informações no prazo de quinze dias úteis contados do recebimento do Ofício nº 460/2007 TCU/SEMAG  Gabinete, em 06.09.2007 (fl. 23), requer a suspensão dos efeitos do Acórdão do TCU n.° 1.835/2007, de modo que não seja aplicada qualquer sanção pela não-apresentação das informações constantes do SISCOMEX (fl. 20).

Constato, inicialmente, a competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar, originariamente, o presente feito, nos termos do art. 102, I, d, da Constituição Federal, redação dada pela EC 45/2004.

Verifico que o acórdão n.° 1.835/2007, proferido pelo egrégio Tribunal de Contas da União, decorre de representação formulada pela equipe de auditoria da Secretaria de Macroavaliação Governamental (Semag), em face da negativa da Receita Federal do Brasil (SRFB) em conceder pleno acesso às informações registradas no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), em especial aos processos de habilitação de importadores, exportadores e internadores da Zona Franca de Manaus (fl. 30).

Em sede de cognição sumária, evidencia-se a plausibilidade jurídica no pedido, tendo em vista que, para proceder a verificação dos procedimentos adotados para habilitação de pessoas físicas no Siscomex, pretende-se o acesso amplo e irrestrito às informações gerenciais e operacionais que envolvem aquele órgão da Secretaria da Receita Federal do Brasil. Cumpre salientar que o Plenário desta Suprema Corte, em 17.12.2007, abordou questão em tudo similar ao da presente impetração, quando do julgamento do MS 22.801/DF, rel. Min. Menezes Direito, pronunciando-se pela impossibilidade de se proceder a quebra de sigilo dos contribuintes, por ser medida excepcional de afastamento dessa garantia constitucional, que só pode ser elidida, fundamentadamente, nas hipóteses constitucionalmente autorizadas ao Poder Legislativo ou, ainda, por ordem emanada do Poder Judiciário.

Nesse sentido: MS 26.895-MC/DF, rel. Min. Celso de Mello, DJ 12.09.2007; MS 25.812-MC/DF, rel. Min. Nelson Jobim, DJ 27.01.2006; MS 25.361-MC/DF, DJ 23.05.2005 e MS 24.750/DF, DJ 02.02.2004, de minha relatoria; MS 25.298-MC/DF, rel. Min. Cezar Peluso, DJ 21.03.2005 e MS 23.956/DF, rel. Min. Ellen Gracie, DJ 18.05.2001; dentre outros.

Ante o exposto, defiro o pedido de medida liminar, para suspender a exigência contida no item 9.2 do Acórdão n.° 1.835/2007, resultante do julgamento realizado nos autos do Processo TC n.° 025.686/2006-7, pelo Plenário do Tribunal de Contas da União.

Comunique-se com urgência.

Requisitem-se informações ao Tribunal de Contas da União.

Após, dê-se vista dos autos à Procuradoria-Geral da República.

Publique-se.

Brasília, 04 de janeiro de 2008.

Ministro Gilmar Mendes

Vice-Presidente

Leia o Acórdão do TCU

Identificação

Acórdão 1835/2007 - Plenário

Número Interno do Documento

AC-1835-37/07-P

Grupo/Classe/Colegiado

Grupo I / Classe VII / Plenário

Processo

025.686/2006-7

Natureza

Representação

Entidade

Órgão: Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB)

Interessados

Interessado: Tribunal de Contas da União

Sumário

REPRESENTAÇÃO. AUDITORIA NOS PROCEDIMENTOS DE IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO GERIDOS PELA SRFB. NECESSIDADE DE ACESSO A DADOS E INFORMAÇÕES. SONEGAÇÃO. SIGILO FISCAL.

1. O sigilo fiscal não pode ser alegado perante o Tribunal de Contas da União para negar dados e informações necessários aos trabalhos de auditoria.

Assunto

Representação

Ministro Relator

MARCOS VINICIOS VILAÇA

Representante do Ministério Público

MARINUS EDUARDO DE VRIES MARSICO

Unidade Técnica

SEMAG - Sec. de Macroavaliação Governamental

Relatório do Ministro Relator

Trata-se de representação formulada pela equipe de auditoria da Secretaria de Macroavaliação Governamental (Semag) em face da negativa da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB) em conceder pleno acesso às informações registradas no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex).

2. Reproduzo, a seguir, o inteiro teor da representação, onde se encontram descritas as limitações impostas ao trabalhos conduzidos pela equipe de auditoria do Tribunal:

Em decorrência de determinação exarada no Acórdão nº 3.036/2005-Plenário, a Secretaria de Macroavaliação Governamental (Semag) iniciou, no final do segundo semestre de 2006, auditoria de conformidade voltada à verificação dos procedimentos de importação e exportação, notadamente com relação à parametrização das Declarações de Importação (DI) para os canais de fiscalização: verde, amarelo, vermelho e cinza, objeto do processo TC 025.686/2006-7.

Durante a fase de planejamento, verificou-se que, antes mesmo da realização dos procedimentos ligados ao comércio exterior, há a necessidade de habilitação da pessoa física responsável pela pessoa jurídica importadora, exportadora, ou internadora da Zona Franca de Manaus, no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), bem como o credenciamento dos respectivos representantes para a prática de atividades relacionadas com o despacho aduaneiro, perante a Secretaria da Receita Federal do Brasil. Esse procedimento iniciou-se em 2002, com a edição da Instrução Normativa SRF nº 229/2002, estando desde maio de 2006 disciplinado pela Instrução Normativa SRF nº 650.

O objetivo patente desse procedimento no sistema é criar uma primeira barreira às operações inidôneas envolvendo o comércio exterior, como interposição fraudulenta, contrabando, descaminho, dentre outras. São estabelecidas diferentes modalidades de habilitação, aplicáveis a cada tipo de importador, de acordo com as características de suas operações de importação.

Assim, as empresas e seus representantes devem apresentar uma série de documentos (elencados nas INs citadas), que são analisados pelos servidores da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB). As empresas que não conseguirem comprovar uma situação idônea, ou que não possuem capacidade econômico-financeira para realizar as operações pretendidas, têm negada sua solicitação de habilitação, sem prejuízo de eventual reapresentação. Nessa etapa é avaliado também o risco que determinadas empresas apresentam, e que será levado em conta quando da parametrização das DIs para os canais de fiscalização.

Tendo em vista a importância dessa etapa, a equipe entende que é necessário que se faça uma verificação, amostral, nos processos de habilitação, de molde a verificar se os procedimentos insculpidos na IN/SRF nº 650 estão sendo fielmente seguidos pelos servidores da SRFB encarregados da análise. Para tal, foi solicitado, por intermédio do Ofício nº 221/2007 TCU/Semag (fl. 3), que fosse providenciado à equipe de auditoria acesso aos processos de habilitação no Siscomex situados em Brasília.

Em resposta, o Sr. Secretário da Receita Federal do Brasil, por intermédio do Ofício/RFB/GAB/nº 1.433/2007 (fls. 4/5), negou o acesso solicitado, com base na argumentação apresentada na Nota Coana/Cofia nº 2007/0180. As alegações para a negativa estão lastreadas no mandamus estabelecido no artigo 198, caput, do Código Tributário Nacional, o qual impede a divulgação, precisamente, de informações sobre a circunstância econômico-financeira do contribuinte e que se configuram no objeto específico de análise dos processos em questão.

O instituto do sigilo fiscal está positivado no artigo 198 da Lei nº 5.172/66, Código Tributário Nacional, transcrito a seguir, já com as alterações realizadas pela Lei Complementar nº 104/2001:

Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades. (Redação dada pela LCp nº 104, de 10.1.2001)

§ 1º Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes: (Redação dada pela LCp nº 104, de 10.1.2001)

I - requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça; (Inciso incluído pela LCp nº 104, de 10.1.2001)

II - solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa. (Inciso incluído pela LCp nº 104, de 10.1.2001

§ 2º O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo. (Parágrafo incluído pela LCp nº 104, de 10.1.2001)

§ 3º Não é vedada a divulgação de informações relativas a: (Redação dada pela LCp nº 104, de 10.1.2001)

I - representações fiscais para fins penais; (Inciso incluído pela LCp nº 104, de 10.1.2001)

II - inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública; (Inciso incluído pela LCp nº 104, de 10.1.2001)

III - parcelamento ou moratória. (Inciso incluído pela LCp nº 104, de 10.1.2001)

Da leitura do artigo, deve-se ressaltar, preliminarmente, que as atividades auditoriais no presente trabalho não se encaixam em nenhuma das exceções previstas no §1º. Não há requisição por parte de autoridade judiciária e também não se trata de investigação relativa a prática de infração administrativa cometida por sujeito passivo. O que se deseja é verificar se os procedimentos normativados estão sendo seguidos. Também não há como negar que os processos cujo acesso foi solicitado contêm realmente documentos fiscais individuais relativos aos contribuintes, estando protegidos pelo sigilo fiscal previsto na norma.

Porém, é entendimento apodíctico desta equipe de auditoria que há necessidade de verificação da adequação dos procedimentos de habilitação por parte do Controle Externo. Metaforicamente, a habilitação é a porta de entrada para o comércio exterior, sendo uma etapa de vital importância para uma primeira tentativa de bloquear o acesso das operações a indivíduos inidôneos. Dada essa condição, é imperativo que um trabalho de auditoria na área aduaneira se inicie por ali, de molde a avaliar se as atividades nessa primeira barreira estão sendo realizadas a contento.

A necessidade de franquear o acesso de quaisquer documentos/informações necessárias aos trabalhos já se encontra prevista na Constituição Federal de 1988, lei fundamental que normatizou os contornos do controle externo exercido pelo Congresso, com auxílio do Tribunal, contidos nos artigos 70 e 71, transcritos a seguir, destacando-se o disposto no parágrafo único do art. 70, no qual se estabeleceu às pessoas públicas que administram recursos públicos a obrigatoriedade de prestarem contas de suas atividades, bem como o inciso IV do art. 71, que deixa claro as atribuições do Tribunal com relação a realização das auditorias.

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (grifos nossos)

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

Revista Consultor Jurídico, 12 de janeiro de 2008
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