04/02/2013
Importação não tributada - Se não rodou, carro importado duas vezes continua novo

fevereiro 2013

Importação não tributada - Se não rodou, carro importado duas vezes continua novo

Por Livia Scocuglia


Se o veículo já teve outro dono, mas nunca foi usado, deve ser considerado novo. Com esse entendimento, a 1ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal não enquadrou a importação de um automóvel Porsche dos Estados Unidos por um consumidor na proibição da legislação brasileira que veda a compra de automóveis usados do exterior. A sentença confirma liminar noticiada pela ConJur em outubro.

Para o juiz federal substituto da 1ª Vara do Distrito Federal Gabriel José Queiroz Neto, a Receita se baseou apenas no fato de que houve uma primeira importação do veículo para os Estados Unidos e, só depois, outra importação para o Brasil  essa última feita pelo autor da ação. O juiz discordou da posição da União, de que se o veículo já teve um primeiro proprietário, ainda que no exterior, será tido como usado.

Não podemos dar prevalência às questões formais sobre as materiais, porque, em última análise, é o direito material que é fim buscado pelo cidadão, disse o juiz na decisão. Para ele, mesmo que o veículo tenha sido objeto de uma transferência no exterior, se não foi utilizado para o fim a que se destina, ainda deve ser considerado novo.

O consumidor, autor da ação contra a União Federal, foi defendido pelo advogado Augusto Fauvel de Moraes, presidente da Comissão de Direito Aduaneiro da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo. Moraes alegou que a emissão de Certificate of Title  ou Certificado de Propriedade  não pode ser critério de avaliação para caraterizar o carro como novo ou usado, e sim se a venda foi ou não feita para o consumidor final.

O Certificado de Propriedade é emitido nos Estados Unidos em nome das exportadoras por opção de algumas fabricantes, como Porsche, BMW, Mercedez Benz, Ferrari e Maseratti. A ideia é proteger agentes autorizados que vendem produtos dessas marcas na região  a chamada proteção de território de venda. Para o fisco, porém, a relação é direta: se o veículo tem um certificado de propriedade, qualquer transação caracteriza revenda.

A União defendeu que o auto de infração traz informações que evidenciam a importação irregular. Afirmou que o Código Brasileiro de Trânsito considera que o veículo passa a ser usado a partir do momento em que é registrado e licenciado para circulação e que a legislação norteamericana traz conceito semelhante de veículo usado. Além disso, União afirmou que apenas os revendedores franqueados ou revendedores por atacado podem negociar veículos novos.

O juiz não entrou nas discussões em torno dos preços dos veículos cobrados no Brasil, que causam reflexos na tributação. Para ele, essa é uma questão governamental que transborda aos limites da lide. Ele afirmou que as regras citadas pelo fisco destinam-se apenas para questões internas brasileiras, cujos contornos não parecem se preocupar especificamente com a questão das operações de importação.

A União foi condenada ao pagamento das custas processuais e honorários fixados em R$ 3 mil.

Processo 23.907-04.2012.401.3400

SENTENÇA/2012 (TIPO A)
PROCESSO: 23907-04.2012.4.01.3400
CLASSE: 1100 - AÇÃO ORDINÁRIA / TRIBUTÁRIA
AUTOR: CARLOS AUGUSTO CAPPIO GUEDES PEREIRA
ADVOGADO: AUGUSTO FAUVEL DE MORAES
RÉ: UNIÃO FEDERAL
SENTENÇA
I-RELATÓRIO
CARLOS AUGUSTO CAPPIO GUEDES PEREIRA propôs a presente Ação Ordinária em face da UNIÃO FEDERAL, objctivando a nulidade do Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal n° 0817800/04260/12, revogando-se a pena de perdimento aplicada.
Para tanto, alega que procedeu à importação do veículo PORSHCE, modelo Cayenne, Chassi WP1AB2A2XCLA42185, tendo como exportadora a empresa MAYOR CAR SALES, de Miami, Florida/USA. Porem, o veículo foi apreendido sob o argumento de que não se tratava de veículo novo.
Informa que, de acordo com o auto de infração lavrado, o Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil se baseou exclusivamente na orientação da DIANA 8° RF de que a emissão de Certiftcate ofTitle caracteriza o veículo como usado. Entende que esse certificado não pode ser utilizado como critério de avaliação de novo ou usado, e sim se a venda foi ou não efetuada para o consumidor final.
Diz que a autoridade fazendária: não se escorou na legislação vigente, não realizou os procedimentos devidos e se baseou em critério não jurídico.
Inicial devidamente instruída com documentos (fls. 21/100).
Custas pagas (fl. 101).
Pedido de antecipação de tutela foi indeferido às fls. 103.
O autor noticiou a interposição de agravo de instrumento (fl. 107). Cópia do Agravo de Instrumento às fls. 109/129.
Às fls. 131/135, o autor pugnou pela juntada de documentos e formulou pedido de reconsideração da decisão.
Citada, a União (Fazenda Nacional) apresentou contestação às fls. 144/159, alegando que o Código Brasileiro de Trânsito, bem como a legislação que o integra, considera que o veículo passa a ser usado a partir do momento em que é registrado e licenciado para circulação e que a legislação norte-americana traz conceito semelhante de veículo usado. Entende que apenas
os chamados "Revendedores Franqueados1" (Franchise Dealers - VF) ou "Revendedores por Atacado" (Wholesale Dealer - VW) podem negociar veículos novos. Diz que os fatos contidos no auto de infração evidenciam uma importação irregular e são suficientes para iniciar processo administrativo tendente à aplicação da pena de perdimento.
O autor apresentou réplica às fls. 234/248, bem como formulou pedido de reconsideração da decisão.
Pedido de antecipação de tutela deferido às fls. 249/251.
A União, às fls. 262, postulou bem reconsideração da decisão e informou não ter provas a produzir.
Por sua vez, o autor sustentou que os documentos constantes nos autos são suficientes para o julgamento do feito.
É o breve relato.
1T - FUNDAMENTAÇÃO
Diante da ausência de questões preliminares, passo à análise do mérito.
O autor visa a nulidade do Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal n° 0817800/04260/12, revogando-se a pena de perdimento aplicada.
No caso dos autos, ratifico a decisão de fls. 249/250, no sentido de que o veículo é novo e a pena de perdimento é ilegítima.
Assim, tendo sido a matéria bem analisada quando da apreciação do pleito de antecipação de tutela e, por sua atualidade e suficiência, comporta ser reafirmada nesta decisão final. Nesse sentido, acolho a fundamentação da decisão de fls. 249/250 a qual restou assentada nos seguintes termos:
Inicialmente, registro que não entrarei aqui em questões relativas à política protecionista brasileira, porque isso é mais que questão afeta a atos de governo. Mais modernamente, tem-se até admitido a sindicância de atos de governo, entretanto, isso se dá mais em nível doutrinário. Em nível jurisprudência!, trata-se de tema a ser melhor amadurecido. Assim, se os preços dos veículos aqui cobrados são altos, ou não, a teor de tribulação, custo Brasil etc, isso é questão governamental que transborda aos limites do presente feito.
Em relação ao aspecto jurídico em si, penso que a parte autora tem razão.
Na minha vida de juiz, lenho mais me atentado à substância das coisas dos que às formas. Não que estas não tenham valor! Pelo contrário, são importantíssimas, porque vão uniformizar e tornar mais transparentes as atividades contratuais e do próprio estado. Não obstante isso, não podemos dar prevalência às questões formais sobre as materiais, porque, em última análise, é o direito material que é fim buscado pelo cidadão.
Não é por outra razão que princípios como formalismo moderado e instrumentalidade das formas têm ganhado cada vez mais corpo. O intérprete deve, no caso concreto, verificar ale que ponto a forma engessa o exercício do direito material, de forma a ponderar se aí não há excesso a ser combatido.
No caso, parece-me que é ponto incontroverso o falo de que o veículo jamais fora usado. A Receita se baseia apenas no fato de que houve uma primeira importação para os EEUA e depois outra importação para o Brasil, esta feita pelo autor. Segundo pondera, se houve um primeiro proprietário, ainda que no exterior, há condição de veículo usado.
Discordo desta posição!
Como já dito acima, a substância deve prevalecer sobre a forma. Ora, ainda que o veículo tenha - documentalmente - sido alvo de uma iransferência no exterior (isso documentalmente falando), se não rodou (ou seja, se não foi utilizado para o fim a que se destina), ainda deve ser considerado novo. Ao que penso, meras questões documentais relativas a ordenamentos internos de outros países não devem afastar a conclusão inexorável de que o veículo é novo, porque jamais fora utilizado.
Enfim, registro que a Resolução do CONTRAN listada na contestação e voltada apenas para a questão interna brasileira, cujos contornos não parecem se preocupar especificamente com a questão das operações de importação, cuja dinâmica internacional não se prende a lemas afetos à legislação interna brasileira. Além disso, não verifiquei uma definição legal de veículo novo, segundo o Código de Trânsito, nesta minha primeira análise.
Em conclusão, tenho que a pena de perdimenlo é ilegítima.
(...)
Ressalvo que esta decisão só trata mesmo do impedimento ao desembaraço por conta da discussão acerca da condição de veículo novo ou usado, não se aplicando às demais questões formais c tributárias que di/.cm respeito ã importação.
III - DISPOSITIVO
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, nos termos do art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil para declarar a nulidade do Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal n° 0817800/04260/12, revogando-se a pena de perdimento aplicada.
Condeno a parte ré no pagamento das custas processuais e de honorários, que fixo em RS 3.000,00 (três mil reais), uma vez que se tratou de feito simples que não exigiu maiores esforços dos advogados.
Sentença sujeita ao reexame necessário.
Notifique-se o teor dessa sentença ao Exmo. Senhor Desembargador Relator do agravo.
Registre-se. Publique.
Brasília, 17 de janeiro de 2013.
GABRIEL JOSÉ QUEIROZ NETO
Juiz Federal Substituto da 1ª Vara/DF

« VOLTAR