25/01/2008
O STF, o mensalão e os juízes convocados
Os interrogatórios de José Dirceu, Delúbio Soares e outros réus do mensalão na 2ª. Vara Criminal Federal em São Paulo dão seqüência à ação penal que representa um teste para o Supremo Tribunal Federal, Corte considerada sem vocação para julgamentos desse porte.
A distribuição dos interrogatórios entre juízes de primeira instância em vários Estados desconcentra os trabalhos e alivia a tarefa do ministro-relator, Joaquim Barbosa. Ao mesmo tempo, permite que os depoimentos sejam tomados por experientes magistrados da área criminal, como é o caso da juíza federal Sílvia Maria Rocha, de São Paulo.
Por força do foro privilegiado e da atual composição do Supremo, a denúncia do mensalão foi apreciada e recebida quando a mais alta Corte não contava com ministros com destacada experiência na área do Direito Penal (pouco antes, aposentara-se Sepúlveda Pertence, especializado em Direito Penal). (1)
É necessário repensar o foro privilegiado. Os tribunais, em especial o STF, não têm vocação para instruir ações penais. Não é o seu papel. Prova disso é que os atos de instrução (interrogatórios, oitiva de testemunhas, notificações etc.) são realizados por juízes de primeiro grau mediante delegação do ministro relator, afirmou, em artigo publicado neste Blog, o juiz federal Jorge Gustavo Serra de Macedo Costa, que tocou a primeira fase do mensalão em Minas Gerais.
Como verdadeiro guardião da Constituição, incumbe ao STF a discussão de grandes temas jurídicos que impliquem a interpretação das normas constitucionais. Mas não julgamentos que, via de regra, devem ser feitos por juízes de primeiro grau. Nunca houve uma condenação criminal em ação de competência originária no STF, lembrou Costa.
Isso não impediu que o relator Joaquim Barbosa tivesse um desempenho muito elogiado, Não somente por sua performance na apresentação do extenso voto fundamentado, mas também pela decisão de quebrar o sigilo do processo, permitindo amplo acesso da imprensa aos autos, e pelos cuidados que tomou para evitar expedientes procrastinatórios de advogados.
A transmissão da sessão, ao vivo, mesmo com incidentes que constrangeram alguns ministros e geraram críticas no meio jurídico (o flagrante dos diálogos em laptops e a revelação de conversa telefônica posterior), representou um considerável avanço no processo de abertura do Judiciário ao cidadão comum, tendo a imprensa desempenhado o papel que lhe cabia.
Curiosamente, a denúncia do mensalão também foi elaborada por um procurador-geral da República não-oriundo da área criminal. O titular da PGR, Antonio Fernando de Souza, contou com o apoio dos procuradores da República Raquel Branquinho (DF), Rodrigo Leite Prado (MG) e José Alfredo de Paula Silva (DF), este atuando, no momento, na PGR.
Convocada em abril de 2007 para o Gabinete Extraordinário de Assuntos Institucionais, vinculado à presidência do STF e criado em portaria em março do ano passado, a juíza federal Salise Monteiro Sanchotene, do Rio Grande do Sul, ficou à disposição do gabinete de Joaquim Barbosa.
Juízes ouvidos pelo Blog entendem que terá sido um desperdício se Barbosa, que vem das áreas do Direito Público e do Direito Comparado, não se valeu da experiência de Sanchotene no caso do mensalão, pois ela é especializada em crimes financeiros e tem tido atuação destacada nos trabalhos da Encla (Estratégia Nacional de Combate ao Crime de Lavagem).
A convocação de juízes de instância inferior para assessorar a presidência e ministros do STF em assuntos extraordinários não mereceu em 2007 a mesma divulgação de outras providências que marcam a gestão da ministra Ellen Gracie: a busca da transparência, racionalização, celeridade e eficiência na prestação jurisdicional.
Em novembro último, uma alteração no regimento interno do STF, aprovada pelos membros da Corte, acrescentou dispositivo permitindo designar magistrados para atuação como juiz auxiliar do Supremo Tribunal Federal em auxílio à presidência e aos ministros, sem prejuízo dos direitos e vantagens de seu cargo, além das que são atribuídas aos juízes auxiliares do Conselho Nacional de Justiça. (2)
Aponta-se como precedente a decisão de Nelson Jobim, quando presidiu o STF, de convocar o juiz federal Flávio Dino para assessorá-lo no CNJ. Atualmente, Dino exerce mandato na Câmara dos Deputados.
É certo que as convocações enfrentaram alguma oposição no STF. Havia dúvidas se esses magistrados atuariam como juízes ou como assessores, o que poderia caracterizar desvio de função.
Nas instâncias inferiores, essas convocações também provocam discussões, envolvendo, entre outras questões, o princípio da impessoalidade.
Eis o relato do desembargador Ivan Sartori, publicado em seu Blog, sobre a sessão de 12 de dezembro de 2007 do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, quando foi aprovada a convocação de uma juíza paulista para auxiliar o STF:
Muito se refletiu sobre a convocação da juíza Claudia Mange para auxiliar no STF. De um lado, pensou-se na perda para o quadro de magistrados do Tribunal de Justiça, tratando-se, ainda, de precedente não usual e em prol de poucos. Mas, por outro lado, pensou-se também que eventual óbice por parte desta Corte propiciaria a convocação para a importante função de magistrado de outra unidade da federação ou de outro ramo do Judiciário. Daí a razão do voto do autor deste blog [Sartori] e de tantos outros colegas do Órgão Especial.
Este é um assunto tratado com discrição no STF e no meio jurídico.
(1) Segundo o Anuário da Justiça, publicação do Consultor Jurídico, essas são as áreas de especialização dos membros do STF: Ellen Gracie (Direito Administrativo); Carlos Britto (Direito Constitucional); Celso de Mello (Direito Constitucional); Cezar Peluso (Direito Civil); Eros Grau (Direito Público); Gilmar Mendes (Direito Público); Joaquim Barbosa (Direito Público e Direito Comparado); Marco Aurélio (Direito Constitucional); Ricardo Lewandowski (Direito Público) e Cármen Lúcia (Direito Constitucional, do Estado e Empresarial).
(2) Emenda Regimental Número 22, de 30 de novembro de 2007
Escrito por Fred às 00h15
BLOGS DA FOLHA DE SÃO PAULO - FREDERICO VASCONCELOS, 63, nasceu em Olinda, Pernambuco. É formado em Jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco. Exerce a profissão desde 1967. Começou sua carreira em Recife, como repórter da sucursal Norte/Nordeste da revista "Manchete". Foi repórter, editor e secretário de redação da "Gazeta Mercantil", em São Paulo. É repórter especial da Folha de S.Paulo, onde trabalha desde 1985.
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