06/02/2008
Entrevista - Humberto Gomes de Barros

CORREIO BRAZILIENSE - POLÍTICA
Entrevista - Humberto Gomes de Barros

Crítico do excesso de recursos que possibilitam o acúmulo de processos nos gabinetes de juízes, o ministro Humberto Gomes de Barros assumirá em abril a presidência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). De família tradicional alagoana, ele ficará pouco tempo na função. Por conta da aposentadoria compulsória em julho, quando completa 70 anos, o magistrado que fez carreira como advogado em Brasília e foi procurador-geral do Distrito Federal só permanecerá no comando do tribunal por três meses. Nesse período, não pretende fazer grandes revoluções. O presidente é apenas o líder dos 33 ministros, define.

Não se deve esperar, no entanto, que o mandato de Gomes de Barros passe em branco. Poeta querido internamente pelos servidores do STJ, onde exerce a magistratura há 17 anos, ele é duro quando o assunto é a postura postergatória do Executivo em relação a demandas judiciais, o número elevado de autos distribuídos aos magistrados e os precatórios que levam anos para serem pagos. O futuro presidente também reclama do papel que vem sendo exercido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cuja criação avalia como desperdício de recursos principalmente porque suas decisões são subordinadas ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Gomes de Barros também demonstra ser contrário a cortes no orçamento do Judiciário por conta do fim da cobrança da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). O que me surpreende é que como se faz um orçamento para um ano posterior ao vencimento de um tributo contando com esse tributo, diz o ministro. Cortar hoje por conta da não prorrogação da CPMF é uma confissão de incompetência ou de imprudência do governo, avalia.

Um crítico do excesso de recursos

Futuro presidente do STJ é contrário a cortes no Judiciário e questiona o papel do Conselho Nacional de Justiça

Por conta do fim da CPMF, o Orçamento da União em 2008 perde R$ 40 bilhões. É possível cortar alguma gordura no Judiciário?
O corte é sempre com prejuízo. O que me surpreende é como que se faz um orçamento para um ano posterior ao vencimento de um tributo contando com esse tributo? Confio em que tudo que se propôs para o Judiciário era necessário e que toda essa celeuma seja um debate meramente político. Com a CPMF é que deveria haver gordura.

Os cortes podem afetar projetos da Justiça?
Vão afetar. Mas não acredito que haja cortes, porque cortar hoje por conta da não prorrogação da CPMF é uma confissão de incompetência ou de imprudência do governo. Não acredito que nossos homens públicos sejam incompetentes, imprudentes e levianos. Não acredito em redução. O país está crescendo, a arrecadação está aumentando, para que reduzir?

O Supremo vai apreciar Adins que tratam do pacote para compensar a perda da arrecadação da CPMF. O senhor acha que os ministros podem levar em conta o risco de ter de cortar no próprio Judiciário?
Não acredito. O Supremo tem sido extremamente correto nas decisões. Quando se esperava que o Supremo fosse, como na linguagem tradicional, preparar uma pizza, ele não preparou.

O senhor está se referindo a quê?
Ao mensalão, por exemplo. O Supremo tem se mostrado um tribunal extremamente equilibrado e firme. O Poder Judiciário está em alta por conta dessas decisões, tanto do Supremo como nossas.

O senhor pode ressaltar posições importantes do STJ, como a do
recebimento da denúncia do mensalão?
O STJ já avançou muito em questões relacionadas com dano moral, com matrimônio, com o tratamento do chamado concubinato, com o direito do consumidor. E agora uma novidade tem sido a chamada ação de execução. Uma lei nova alterou essa questão. Antigamente o Judiciário condenava alguém a fazer um pagamento. Se o vencedor naquela ação quisesse cobrar, tinha de propor uma nova ação. Eu até reivindico para mim ter sido o paladino dessa mudança. Se o juiz condenou, a pessoa é intimada daquilo e tem de pagar. Se não pagar imediatamente sofre uma multa e já começa o processo.

Os processos demoram muito por causa das inúmeras possibilidade de recursos. Qual é a saída?
A Justiça sem o processo não funciona. O processo é a regra do jogo e a Justiça necessariamente tem que andar em diagonal. Sei de uma coisa, o autor me traz um fato, levo aquele fato ao conhecimento do réu, ele me responde, tenho que ver se aquela resposta confere com que diz o autor. Se houver divergência, vou ouvir o autor e com as provas também é assim. Essa diagonal é um imperativo da Justiça. Mas essa diagonal transforma as coisas um tanto difíceis.

Como evitar isso?
Temos de fazer o que essa lei (da ação de execução) fez agora: que é começar a aplicar sanções. Se a cada recurso, houvesse uma sanção, o número de recursos diminuiria brutalmente. Está faltando apenas um pouco de vontade política para implantar isso.

Isso impediria os recursos do próprio governo, que são maioria no STJ?
Tenho dito sempre e repito. Ao poder executivo e à equipe econômica não interessa que o Judiciário funcione bem. Para eles, o Judiciário quanto mais lentamente funcionar, melhor. O Brasil é o único país em que o Estado é proibido de cumprir decisão judicial que imponha condenação. Tomam a sua casa, não pagam, você entra com uma ação de desapropriação indireta e recebe uma indenização que não pode ser cobrada. Para fazer isso, o juiz tem mandar colocar o sujeito numa fila, até que se coloque dinheiro suficiente no orçamento para pagá-la. Há precatórios com 20, 30, 50 anos.

Os juízes julgam de acordo com a lei, mas o desgaste das decisões recai sobre o Judiciário. Como fugir disso?
Não somos isentos de culpa. Mas o problema é que a função de modificar o poder Judiciário foi assumida pelo poder Executivo. O Ministério da Justiça tem uma secretaria de Reforma do Poder Judiciário, quando o Judiciário é que deveria ter o seu órgão. Nós é que sofremos e sabemos onde o calo aperta, onde as dificuldades estão.

O CNJ tem dedicado muito tempo a questões corporativas. Isso é papel do Conselho?
É o que a Constituição diz. Continuo a achar que não foi feliz a criação do conselho. Em primeiro lugar, porque não exerce o controle externo. Transformou-se no controle interno. Se dizia que é a sociedade civil. Mas não é. Quem está lá foi nomeado. Está sendo pago pelo Estado e se transformou em funcionário público. E o Conselho se transformou numa dependência do STF que tem o poder de reformar ou manter as decisões. Acho que foi uma despesa desnecessária. O que houve é que trataram a crise da Justiça, que é uma crise de ineficiência, como uma questão disciplinar.

Alguns episódios envolvendo magistrados incomodaram a sociedade&
Pois é. Houve essas operações bombásticas da Polícia Federal. Fazia propaganda, chamava a imprensa para ver as pessoas algemadas e depois não acontecia nada porque a prova era muito fraca. Outro dia pegamos um desses casos mais bombásticos, e quando chegou no julgamento foi um negócio vexamoso. Não havia absolutamente nada. E agora para dizer isso para o povo? Mas esses escândalos são um sinal de que a sociedade está mudando. Ninguém está mais achando graça no sonegador de tributo, no juiz que vende sentença. Está todo mundo querendo pegar essas pessoas. Mas é preciso ter cuidado na coleta de provas.

O senhor deve ser eleito em abril para presidir o STJ. Já tem planos?
Vou passar tão pouco tempo& Mas não enxergo a presidência como o ponto mais alto da carreira do juiz. Para mim o ponto mais alto foi a investidura como ministro do STJ. Chegar à presidência será uma fatalidade. Acho que o que os tribunais estão precisando é de continuidade na administração. Não adianta nada chegar aqui com um projeto revolucionário. O presidente tem que ser simplesmente o líder dos 33 ministros. O grande pecado de alguns ministros foi trabalhar sem ouvir os seus pares, não como um presidente, mas como um imperador.

Ana Maria Campos




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