01/05/2013
Justiça aceita penhora de recebíveis de cartão

Justiça aceita penhora de recebíveis de cartão

30 de abril de 2013


A ofensiva da União a empresas devedoras de tributos, por meio da penhora de valores obtidos com vendas efetuadas com cartões de crédito, tem sido, na maioria das vezes, aceita pelo Judiciário. Um levantamento feito pelo escritório Negreiro, Medeiros & Kiralyhegy Advogados, a pedido do Valor, mostra que há 45 decisões de turmas dos Tribunais Regionais Federais (TRFs) sobre o tema.

Do total de julgamentos, 30 autorizaram a penhora de recebíveis de cartão de crédito. Mas 13 decisões só admitiram a medida em casos excepcionais, quando já esgotados outros meios de garantir o pagamento do débito. O Grupo Fernando Marcondes, do Costão do Santinho Resort, em Florianópolis, a Spananberg Comércio de Calçados, uma franquia da Datelli, e a rede catarinense de supermercados Imperatriz já foram alvo da modalidade de penhora. (leia mais abaixo)

Quando não encontram recursos em contas bancárias, por meio programa de bloqueio on-line do Banco Central  o Bacen-Jud -, muitos procuradores federais têm partido para a penhora dos valores a receber de cartões de crédito. Eles alegam que os valores repassados pelas operadoras de cartão podem ser classificados como dinheiro, primeiro item da lista de bens penhoráveis prevista na Lei de Execuções Fiscais (n º 6.830, de 1980) e no Código de Processo Civil (Lei nº 5.869, de 1973).

Com essa argumentação, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) conseguiu bloquear nas operadoras de cartão de crédito R$ 12,3 milhões de grandes varejistas nos últimos dois anos. A estratégia também foi incorporada pela Procuradoria-Geral Federal (PGF)  órgão vinculado à Advocacia-Geral da União (AGU)  para a cobrança de parte dos cerca de R$ 40 bilhões devidos às 155 autarquias e fundações públicas federais. O uso específico desse meio de recuperação de valores ainda deverá ser analisado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Segundo o levantamento, ainda são poucas as decisões de turma nos Tribunais Regionais Federais, com exceção da 4ª Região, no Sul do país, que conta com 36 acórdãos e começou a flexibilizar o uso desse meio. No TRF da 1ª Região, com sede em Brasília, há apenas uma decisão, que nega o uso da penhora. No TRF da 2ª Região, no Rio de Janeiro, ainda não há julgados sobre o tema. Das quatro decisões do TRF 3ª Região, em São Paulo, três são desfavoráveis aos contribuintes. No TRF da 5ª Região, com sede em Recife, todas as quatro decisões existentes são a favor do Fisco.

Na 4ª Região, onde se concentra a maioria dos casos, há quatro correntes distintas, segundo o advogado Eduardo Kiralyhegy, que coordenou o levantamento. Os juízes só admitem o uso desse meio, sem ressalvas, em quatro decisões, nas quais eles entendem que a penhora equivale a dinheiro e, portanto, figura em primeiro lugar na ordem de preferência. Em outros seis acórdãos, os juízes apesar de entenderem que a penhora é perfeitamente possível, estabelecem ser necessário ter havido uma tentativa de penhora anterior frustrada.

Embora a maioria das decisões reconheça a possibilidade da medida, em muitos casos o TRF da 4ª Região tem se posicionado no sentido de que seu uso deve ser adotado com cautela, diz Kiralyhegy. Nesse sentido, há 13 decisões que entendem ser possível a utilização desse meio, desde que atendidos os requisitos fixados pelo STJ para a penhora de faturamento. Há ainda 13 decisões que rejeitam o uso dessa penhora por falta de amparo legal.

Para o advogado, com o amadurecimento da discussão, há chances de o STJ  responsável por dar a palavra final sobre o tema  determinar que a penhora de recebíveis ocorra apenas excepcionalmente.

Essa é a mesma opinião do advogado Aroldo Joaquim Camillo, do A J Camillo Filho Advogados, que assessora companhias nessa situação, entre elas a Santinho Empreendimentos Turísticos. Para ele, o STJ deve tomar por analogia a sua jurisprudência com relação à penhora de faturamento e só deverá admitir a penhora de recebíveis quando não houver outro bem a oferecer.

A coordenadora-geral de cobrança e recuperação de créditos da Procuradoria-Geral Federal, Tarsila Ribeiro Marques Fernandes, afirma que esse tipo de penhora tem sido um meio bastante efetivo de cobrança e que, como equivaleria à penhora em dinheiro, está em primeiro lugar na lista de prioridades para satisfazer a execução. Ela acrescenta que após a edição da Lei nº 11.382, de 2006, não é necessário mais esgotar outros meios de cobrança para pedir a penhora em dinheiro ou em recebíveis de cartão de crédito. Para ela, caberá ao STJ definir de vez a questão em recurso que já aguarda julgamento desde 2011. Procurada pelo Valor, a PGFN preferiu não se manifestar.

Decisões são conflitantes no TRF da 4ª Região

O Grupo Fernando Marcondes, dono do Costão do Santinho Resort, em Florianópolis, já sofreu pelo menos dois pedidos de penhora de recebíveis de cartão de crédito por parte do Ibama, autarquia federal defendida pela Procuradoria-Geral Federal  órgão da Advocacia-Geral da União (AGU). Em um deles, a defesa do grupo conseguiu impedir o bloqueio. Em outro, porém, a Justiça determinou a penhora de 10% do repasse.

O Ibama entrou com ações de execução contra o Santinho Empreendimentos Turísticos, na Justiça Federal de Florianópolis, para cobrar multas relativas à instalação de um projeto de arvorismo pelo condomínio do complexo turístico.

Em um dos casos, o juiz federal substituto Eduardo Didonet Teixeira, relator na 4ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, negou o pedido. Para o magistrado, esses créditos não podem ser considerados dinheiro em espécie ou depósito ou aplicação em instituição financeira, como dispõe o inciso I do artigo 655 do Código de Processo Civil (CPC).

Porém, em caso semelhante, o desembargador Luís Alberto DAzevedo Aurvalle, da mesma 4ª Turma, entendeu que há jurisprudência favorável à penhora. Assim, expediu ofício para determinar às administradoras de cartões de crédito Mastercard, Visa, American Express e Diners o depósito em juízo de 10% dos valores devidos ao hotel, até que se pague um quarto do valor total da dívida.

De acordo com o advogado do processo, Aroldo Joaquim Camillo, do A J Camillo Filho Advogados, a multa cobrada é indevida e está sendo discutida em outra ação que corre na Justiça comum. Ele ainda afirma que o Costãoville Empreendimentos Imobiliário, sucessora da extinta Santinho Empreendimentos Turísticos, ofereceu à penhora um imóvel situado em Florianópolis, não aceito pelo Ibama, que pediu a penhora dos recebíveis. A empresa, segundo o advogado, está aguardando a intimação de eventual bloqueio para embargar a execução.

A franquia da Datelli, Spananberg Comércio de Calçados, também sofreu uma penhora de 5% dos repasses de cartões de crédito e débito, determinada pelo TRF da 4ª Região. A relatora do caso na 1ª Turma, desembargadora Maria de Fátima Labarrère, entendeu que esse tipo de bloqueio é, em tese, possível, mas que, como esses repasses integram o faturamento, devem se submeter ao mesmo limite. O percentual, segundo ela, está estabelecido em um caso analisado pelo ministro Luiz Fux, no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Segundo a decisão, não podem existir outros bens passíveis de garantir a execução ou que os indicados sejam de difícil alienação. Também deve-se nomear um depositário, conforme prevê o Código de Processo Civil, que deverá prestar contas sobre as quantias recebidas à título de pagamento. Por último, deve ser fixado um percentual que não inviabilize a atividade econômica da empresa. Assim, limitou a penhora de faturamento em 5%, modificando a decisão de primeira instância que tinha determinado o bloqueio de 20% dos valores.

O marketing da Datelli informou por nota que a Spananberg é uma empresa que explora a comercialização de produtos da Datelli mediante contrato de Franquia com a empresa Budelli Assessoria Comercial, franqueadora da marca no Brasil. Ainda informou que prefere não se manifestar sobre o caso sobretudo em razão da demanda abordar sigilo fiscal de terceiros. O advogado Charles Ronny Silva, que defende a Spananberg, franquia da Datelli, não foi localizado.

A rede catarinense de supermercados Imperatriz, porém, conseguiu impedir a penhora em uma execução do Inmetro. A 4ª Turma do TRF da 4ª Região afastou o bloqueio com base na argumentação de que não há previsão em lei.

O advogado da rede, Caio Renato de Souza Oliveira, do Cavallazzi, Andrey, Restanho & Araujo Advocacia, afirma que, ainda que prevalecesse a tese contrária, os requisitos para admitir a penhora não estão preenchidos no caso. A empresa possui bens penhoráveis, de fácil alienação, suficientes para garantir a dívida, diz. No caso, o TRF ainda analisa a admissão de recurso ao STJ.

Adriana Aguiar, Valor Econômico
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