11 maio 2013
Evasão de divisas - Justiça absolve advogados e clientes do Oliveira Neves
Por Livia Scocuglia
A constituição de off shores, por si só, não constitui crime algum. O entendimento é da 1ª Vara Federal Criminal de Campinas que entendeu não haver crime de manutenção de depósitos no exterior sem a comunicação à autoridade fiscal em um dos processos mais polêmicos da advocacia nos últimos anos. A decisão, da qual ainda cabe recurso, põe fim ao primeiro capítulo de uma história que começou em junho de 2005, com a invasão de escritórios de advocacia pela Polícia Federal e o Ministério Público Federal. Em uma operação em sete estados, pelo menos três escritórios foram invadidos pelas autoridades, que estavam em busca de provas de evasão de divisas via off shores empresas sem sócios identificáveis, sediadas em paraísos fiscais. Na manhã do dia 30 de junho de 2005, o advogado Newton José de Oliveira Neves e mais cinco colegas foram presos em suas casas. Dois clientes e uma advogada foram denunciados por blindagem patrimonial ao escritório Oliveira Neves & Associados e a clientes que utilizaram os serviços da banca, conhecida por orientar empresas e outros advogados sobre como proteger bens usando estruturas no exterior. No último dia 3 de maio, no entanto, a Justiça absolveu os acusados.
O escritório foi alvo da operação Monde Éden, deflagrada em 2005. A operação foi uma investida maciça da PF, do Ministério Público Federal e da Receita Federal contra escritórios de advocacia que prestavam assessoria na abertura de off shores. As invasões, consideradas abusivas pela Ordem dos Advogados do Brasil, culminaram com a edição da Lei 11.767, em 2008, que alterou o Estatuto da Advocacia e garantiu a inviolabilidade dos escritórios de advocacia.
Segundo a juíza federal Márcia Souza e Silvia de Oliveira, o escritório não praticou nenhum ato ilegal e apenas cumpriu o seu papel de assessorar clintes sobre as opções para proteção de bens.
O entendimento foi o mesmo alegado pela defesa do escritório, que afirmou que umas das áreas de atuação do escritório era a consultoria de proteção de bens usando instrumentos legais nas áreas societária, contábil e fiscal. "E que, como opção, elegeu as off shores para implementar a proteção", diz a peça apresentada à Justiça.
Ainda segundo a defesa, o escritório ministrava cursos sobre o assunto e atuava por intermédio de uma empresa sediada no Uruguai, representada por seu procurador, Newton José de Oliveira Neves, principal sócio da banca.
Na denúncia, o MPF afirmou que os clientes do escritório quiseram alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante e omitiram da Declaração do Imposto de Renda a propriedade das empresas no exterior. Todas essas condutas foram praticadas como fim de ocultar a propriedade dos bens imóveis, afirmou a acusação. Quanto ao escritório, o MPF alegou que providenciou os contatos e a papelada necessária para a blindagem patrimonial.
"Não é de se espantar que, diante da agressiva propaganda, dos cursos abertos oferecidos pelo escritório e pela facilidade que os negócios eram feitos, os clientes ficassem encantados com toda a imponência do empreendimento, além de um certo status, e pagassem a quantia de R$ 92 mil para depositar em empresas no Uruguai", destaca a decisão da Justiça Federal.
A sentença concluiu que a comunicação sobre a manutenção de conta corrente no exterior era desnecessária, já que o montante era inferior a US$ 100 mil piso exigido pelo Banco Central. Se o acusado nada declarou ao Banco Central do Brasil, é porque não estava obrigado a fazê-lo. Se não comunicou à Receita Federal do Brasil, a irregularidade não é objeto da acusação, disse a juíza.
No caso, os clientes acusados compraram duas sociedades anônimas de investimento e nomearam diretores e procuradores para administrá-las. Todas foram regularmente constituídas. Assim, não se vislumbra qualquer tipo de delito como consta na denúncia, concluiu a Justiça, tanto em relação aos clientes, quanto ao escritório.
Ainda segundo a decisão, iniciado o Plano Real, a Receita Federal deveria ter informações de todos os bens mantidos em solo nacional e no exterior de todas as pessoas físicas. A Declaração de Renda Anual foi a maneira encontrada para exigir essa informação. Essa omissão constitui em ilícito administrativo, já que não se trata sequer de crime contra a ordem tributária: não informação de bens que não gerem outras consequências além da omissão propriamente dita. O crime de sonegação fiscal é apurado em outros autos.
Operação Monte Éden
A operação estourou quando a 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, por meio de mandado genérico, determinou que inquéritos policiais autônomos investigassem a atuação de cerca de 200 empresas que usufruíam dos serviços do escritório Oliveira Neves.
Mandados de prisão e de busca e apreensão foram cumpridos em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná, Alagoas e Distrito Federal. Mas o MPF reconheceu não ter provas das operações ilegais. Por isso, a Justiça decidiu arquivar o inquérito contra uma das investigadas.
A teoria da Polícia e da Receita foi a de que o escritório fazia parte de um grupo especializado em criar empresas de fachada no Uruguai, com o intuito de tirar dinheiro da mira do Fisco. A acusação é a de que clientes brasileiros abriam empresas no Uruguai onde é possível ser sócio de um negócio apenas tendo títulos ao portador, sem vinculação pessoal que, depois, tinham a entrada oficializada no Brasil. Laranjas funcionariam como representantes dessas companhias, segundo a PF, e mandavam dinheiro às matrizes no Uruguai. Quem recebia o dinheiro, diz a PF, eram os sócios ocultos brasileiros, sem qualquer tributação, o que também abria caminho para lavagem de dinheiro.
Provas ilegais
O advogado Newton José de Oliveira Neves já havia sido incriminado com elementos encontrados no escritório durante a operação. Ele chegou a ficar preso por oito meses de junho de 2005 até fevereiro de 2006 , acusado de sonegação fiscal e evasão de divisas. Em 2007, foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal da acusação de sonegação fiscal. A 2ª Turma entendeu que a acusação de sonegação deveria ter sido precedida de procedimento administrativo fiscal, o que não aconteceu.
Em setembro de 2012, o Superior Tribunal de Justiça considerou ilegais as provas colhidas pela Polícia Federal nas buscas feitas no escritório. Isso porque o pedido de busca foi feito de forma genérica, e os elementos encontrados foram usados para incriminar o advogado, que nem era alvo da investigação originária. A decisão usou como base o artigo 133 da Constituição Federal, que garante que o advogado é inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão.
Processo 0003650-73.2007.4.03.6181
CONJUR
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