05/06/2013
IPI  Mercadoria Furtada ou Roubada

IPI  Mercadoria Furtada ou Roubada

Por Laudelino João da Veiga Netto em 4 de junho de 2013


RECURSO ESPECIAL Nº 1.203.236  RJ (2010D0130119-5)


RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
RECORRENTE : SOUZA CRUZ TRADING SDA
ADVOGADO : SERGIO BERMUDES E OUTRO(S)
ADVOGADOS : JANAÍNA CASTRO DE CARVALHO KALUME
SÉLEO DE ANDRADE BARBOSA PAIVA E OUTRO(S)
EDUARDO ANTONIO LUCHO FERRÃO
RECORRIDO : FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR : PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. IPI. FATO GERADOR. MOMENTO TEMPORAL. FURTODROUBO. TRADIÇÃO. CONDIÇÃO RESOLUTÓRIA. CAPACIDADE CONTRIBUTIVA SUBJETIVA. EXAÇÃO INDEVIDA.

1. A empresa ajuizou Ação Ordinária com o intuito de anular lançamentos de IPI sobre mercadorias (cigarros) destinadas à exportação que foram furtadas. O Juízo de 1º grau julgou improcedente o pedido, tendo sido mantida a sentença pelo Tribunal Regional Federal

2. Não se configura a ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, tal como lhe foi apresentada.

3. Em relação ao mérito, esta Turma se posicionara inicialmente no sentido de que o roubo ou furto de mercadorias é risco inerente à atividade do industrial produtor. Se roubados os produtos depois da saída (implementação do fato gerador do IPI), deve haver a tributação, não tendo aplicação o disposto no art. 174, V, do RIPI-983. (REsp 734.403DRS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 6.10.2010). Nessa oportunidade, fiquei vencido ao lado do Eminente Ministro Castro Meira, cujas considerações ali feitas motivaram aqui maior reflexão sobre a justiça de onerar o contribuinte com tributação que não corresponde ao proveito decorrente da operação. Tais observações prevalecem nos seguintes termos:

4. O fato gerador do IPI não é a saída do produto do estabelecimento industrial ou a ele equiparado. Esse é apenas o momento temporal da hipótese de incidência, cujo aspecto material consiste na realização de operações que transfiram a propriedade ou posse de produtos industrializados.

5. Não se pode confundir o momento temporal do fato gerador com o próprio fato gerador, que consiste na realização de operações que transfiram a propriedade ou posse de produtos industrializados.

6. A antecipação do elemento temporal criada por ficção legal não torna definitiva a ocorrência do fato gerador, que é presumida e pode ser contraposta em caso de furto, roubo, perecimento da coisa ou desistência do comprador.

7. A obrigação tributária nascida com a saída do produto do estabelecimento industrial para entrega futura ao comprador, portanto, com tradição diferida no tempo, está sujeita a condição resolutória, não sendo definitiva nos termos dos arts. 116, II, e 117 do CTN. Não há razão para tratar, de forma diferenciada, a desistência do comprador e o furto ou o roubo da mercadoria, dado que em todos eles a realização do negócio jurídico base foi frustrada.

8. O furto ou o roubo de mercadoria, segundo o art. 174, V, do Regulamento do IPI, impõem o estorno do crédito de entrada relativo aos insumos, o que leva à conclusão de que não existe o débito de saída em respeito ao princípio constitucional da não cumulatividade. Do contrário, além da perda da mercadoria  e do preço ajustado para a operação mercantil , estará o vendedor obrigado a pagar o imposto e a anular o crédito pelas entradas já lançado na escrita fiscal.

9. Desarrazoado entender que a parte que tem a mercadoria roubada deva suportar prejuízo decorrente de deficit da segurança pública que deveria ser oferecida pelo Estado, e recolher o tributo como se obtivesse proveito econômico com a operação. Quando há proveito econômico, não se recolhe tributo. Quando não há, o pagamento é indevido? Tratar-se-ia de afirmação kafkiana.

10. O furto de mercadorias antes da entrega ao comprador faz desaparecer a grandeza econômica sobre a qual deve incidir o tributo. Em outras palavras, não se concretizando o negócio jurídico, por furto ou roubo da mercadoria negociada, já não se avista o elemento signo de capacidade contributiva, de modo que o ônus tributário será absorvido não pela riqueza advinda da própria operação tributada, mas pelo patrimônio e por rendas outras do contribuinte que não se relacionam especificamente com o negócio jurídico que deu causa à tributação, em clara ofensa ao princípio do não confisco.

11. Recurso Especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha e a retificação de voto do Sr. Ministro Herman Benjamin, a Turma, por maioria, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Vencido o Sr. Ministro Mauro Campbell Marques. Os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha (voto-vista), Castro Meira e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 21 de junho de 2012(data do julgamento).

MINISTRO HERMAN BENJAMIN

Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 1.203.236  RJ (2010D0130119-5)


RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
RECORRENTE : SOUZA CRUZ TRADING SDA
ADVOGADO : SÉLEO DE ANDRADE BARBOSA PAIVA E OUTRO(S)
RECORRIDO : FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR : PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): A empresa ajuizou Ação Ordinária com o intuito de anular lançamentos de IPI sobre mercadorias (cigarros) destinadas à exportação que foram furtadas. O Juízo de 1º grau julgou improcedente o pedido, tendo sido mantida a sentença pelo Tribunal Regional Federal nos termos de acórdão assim ementado:

APELAÇÃO CÍVEL. TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. IMUNIDADE. IPI. MERCADORIA DESTINADA À EXPORTAÇÃO.

I. A CFD88 dispõe que faz jus à imunidade de IPI o produto destinado à exportação (art. 153, § 3º, inciso III).

II. Ocorre o fato gerador do IPI com a saída da mercadoria do estabelecimento comercial e para que incida a imunidade prevista constitucionalmente, o mínimo que se exige e que seja efetivamente exportada.

III. Não demonstrada a saída da mercadoria do território nacional não se configura hipótese constitucional para a imunidade que dispensaria o recolhimento devido.

IV. Ademais, a Lei nº 9.532, de 10D12D97, prevê o pagamento da exação em tela nos casos de extravio ou roubo, incidindo a responsabilidade do pagamento sobre o exportador.

V. Apelação improvida.

Os Embargos de Declaração foram rejeitados (e-STJ, fl. 433-437).

Nas razões do Recurso Especial, a recorrente suscita divergência jurisprudencial e violação dos arts. 165, 458 e 535 do CPC; dos arts. 46, 47, 51, 105, 110 e 116 do CTN; dos arts. 620, 1.122, 1.127 e 1.627 do Código Civil; e do art. 12, § 3º, da Lei 7.789D1989. Defende, em síntese, que a mera saída física do produto do estabelecimento comercial não é suficiente para constituir fato gerador do IPI, sendo necessária a efetivação da entrega ao adquirente, que no caso não ocorreu em razão de furto.

Foram apresentadas contrarrazões (e-STJ, fls. 569-577).

A recorrente reitera, em memoriais, os argumentos constantes do Recurso Especial, de que a simples saída física do produto do estabelecimento não é suficiente para caracterizar o fato gerador do IPI.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.203.236  RJ (2010D0130119-5)

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Os autos foram recebidos neste Gabinete em 28.2.2011.

Constato que não se configura a ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, tal como lhe foi apresentada.

Não é o órgão julgador obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos trazidos pelas partes em defesa da tese que apresentaram. Deve apenas enfrentar a demanda, observando as questões relevantes e imprescindíveis à sua resolução. Nesse sentido: REsp 927.216DRS, Segunda Turma, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de 13D8D2007; e REsp 855.073DSC, Primeira Turma, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, DJ de 28D6D2007.

Em relação ao mérito, esta Turma se posicionara inicialmente no sentido de que o roubo ou furto de mercadorias é risco inerente à atividade do industrial produtor. Se roubados os produtos depois da saída (implementação do fato gerador do IPI), deve haver a tributação, não tendo aplicação o disposto no art. 174, V, do RIPI-98. O prejuízo sofrido individualmente pela atividade econômica desenvolvida não pode ser transferido para a sociedade sob a forma do não pagamento do tributo devido (REsp 734.403DRS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 6D10D2010).

Naquela oportunidade manifestei minha contrariedade em relação ao tema ao acompanhar o Eminente Ministro Castro Meira em posição até então vencida. A matéria é novamente trazida a debate. Boa oportunidade para maior reflexão sobre a justiça de onerar o contribuinte com tributação que não corresponde com o proveito decorrente da operação.

No âmbito do direito tributário, a saída do produto do estabelecimento industrial materializa o fato gerador antes do possível furto ou roubo do produto. Contudo, tal premissa não justifica a exação, conforme bem sintetizado pelo eminente Ministro Castro Meira em voto vencido prolatado no REsp 734.403DRS:

(a) o fato gerador do IPI não é a saída do produto do estabelecimento industrial ou a ele equiparado. Esse é apenas o momento temporal da hipótese de incidência, cujo aspecto material consiste na realização de operações que transfiram a propriedade ou posse de produtos industrializados;

Aduz que não se pode confundir o momento temporal do fato gerador com o próprio fato gerador, que consiste na realização de operações que transfiram a propriedade ou posse de produtos industrializados.

O sistema nacional, valendo-se da presunção de que o negócio jurídico mercantil será concluído com a entrega da mercadoria ao comprador, antecipou o elemento temporal do fato gerador do IPI para a saída do produto do estabelecimento industrial ou a ele equiparado (art. 46, II, do CTN).

A antecipação do elemento temporal criada por ficção legal não torna definitiva a ocorrência do fato gerador, que é presumida e pode ser contraposta em caso de furto, roubo, perecimento da coisa ou desistência do comprador.

O raciocínio é alcançado após menção aos profícuos ensinamentos de Geraldo Ataliba, Cleber Giardino, Eduardo Domingos Bottallo, Leandro Paulsen, Misabel Derzi, Rubens Gomes de Sousa, Pérsio de Oliveira Lima, Alberto Xavier, Paulo de Barros Carvalho, inclusive com menção ao direito comparado.

(b) a obrigação tributária nascida com a saída do produto do estabelecimento industrial para entrega futura ao comprador, portanto, com tradição diferida no tempo, está sujeita a condição resolutória, não sendo, portanto, definitiva nos termos dos arts. 116, II e 117 do CTN;

Fixada essa premissa, não haveria fundamento para tratar, de forma diferenciada, a desistência do comprador e o furto ou o roubo da mercadoria, dado que em todos eles a realização do negócio jurídico base foi frustrada. Em qualquer um deles a obrigação está sujeita a condição resolutória. Bem aplicados, portanto, os dispositivos mencionados, com a seguinte redação:

Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:

(&)

II  tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.

Art. 117. Para os efeitos do inciso II do artigo anterior e salvo disposição de lei em contrário, os atos ou negócios jurídicos condicionais reputam-se perfeitos e acabados:

(&)

II  sendo resolutória a condição, desde o momento da prática do ato ou da celebração do negócio.

As conclusões foram fundadas nas lições de Alberto Xavier, Guilherme Cezaroti e Humberto Ávila, que trabalham o conceito de frustração de operações e seus efeitos sobre a tributação.

(c) o furto ou roubo de mercadoria, segundo o art. 174, V, do Regulamento do IPI, impõe o estorno do crédito de entrada relativo aos insumos, o que leva à conclusão de que não existe o débito de saída em respeito ao princípio constitucional da não-cumulatividade. Do contrário, além da perda da mercadoria  e do preço ajustado para a operação mercantil -, estará o vendedor obrigado a pagar o imposto e a anular o crédito pelas entradas já lançado na escrita fiscal; e

O raciocínio propõe uma solução à situação kafkiana já mencionada, na qual a parte tem a mercadoria roubada, suporta o prejuízo decorrente de deficit da segurança pública que deveria ser oferecida pelo Estado, e recolhe o tributo como se obtivesse proveito econômico com a operação.

O recolhimento derivaria então de uma circulação interna provocada por ato ilícito (roubo) para o qual contribuiu indiretamente o Estado, por meio de falha de segurança pública.

Em miúdos, quando há proveito econômico, não se recolhe tributo. Quando não há, o pagamento é indevido. Tal raciocínio me parece inadequado.

(d) o furto de mercadorias antes da entrega ao comprador faz desaparecer a gradeza econômica sobre a qual deve incidir o tributo. Em outras palavras, não se concretizando o negócio jurídico, por furto ou roubo da mercadoria negociada, desaparece o elemento signo de capacidade contributiva, de modo que o ônus tributário será absorvido não pela riqueza advinda da própria operação tributada, mas pelo patrimônio e por rendas outras do contribuinte que não se relacionam especificamente com o negócio jurídico que deu causa à tributação, em clara ofensa ao princípio do não-confisco.

Em palavras já utilizadas, o furto faz desaparecer a presunção de riqueza (signos presuntivos de riqueza) e sua relação com a capacidade contributiva subjetiva, (que não se confunde com capacidade contributiva objetiva ou capacidade econômica).

Diante do exposto, dou provimento ao Recurso Especial.

É como voto.
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