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Terça-feira, 19 de Fevereiro de 2008
Indeferida liminar pedida pelo PPS contra sigilo de movimentações financeiras do governo
O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), indeferiu liminar na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 129 pedida pelo Partido Popular Socialista (PPS). O partido pretendia, com a ação, impedir o sigilo sobre movimentação de créditos com despesas confidenciais por parte do governo.
O argumento sustentado na ação é de que o artigo 86 do Decreto-Lei nº 200/67, que instituiu o sigilo, não teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988, por confrontar o previsto no artigo 5º (incisos XXXIII e LX). Neste artigo, a Constituição prevê a publicidade dos atos da administração pública como regra e diz que o sigilo só pode ser decretado quando envolver questão de segurança da sociedade e do Estado.
Roberto Freire, presidente do PPS, sustenta que para ser decretado o sigilo, não basta simplesmente alegar a existência de motivação para sua manutenção, é necessário apresentar fundamentação que sustente essa posição. Se não fosse assim, bastaria alegar em qualquer situação que se está diante de questão de segurança do Estado e a regra da publicidade seria remetida às calendas, ressaltou Freire.
Ele afirma ainda que as exceções previstas na Constituição permitem o sigilo apenas em questões que envolvam segurança nacional. Despesas públicas não se enquadram nas hipóteses legitimadoras do sigilo, conclui.
Decisão
Ao analisar o caso, o relator ministro Ricardo Lewandowski, observou que os requisitos necessários para a concessão da liminar não estão presentes na ADPF 129. Ele explicou que o princípio da publicidade na administração pública não é absoluto, uma vez que a própria Constituição restringiu o acesso público a informações cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
Em outras palavras, tanto o dispositivo contestado na presente ação, quanto o art. 5º, XXXIII, da Lei Maior, ressalvaram o caráter sigiloso de determinadas informações relativas à Administração Pública, frisou o relator.
O ministro Lewandowski entendeu que não se justifica a concessão da liminar porque o sigilo dos dados e informações da administração pública, ao menos numa primeira análise da questão, encontra guarida na própria Carta Magna, seja porque ele não é decretado arbitrariamente, mas determinado segundo regras legais pré-estabelecidas.
Sem prejuízo de uma melhor análise do assunto na ocasião do julgamento pelo Plenário, o ministro indeferiu o pedido de liminar.
LEIA A ÍNTEGRA DA DECISÃO
MED. CAUT. EM ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO
FUNDAMENTAL 129-3 DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
ARGÜENTE(S) : PARTIDO POPULAR SOCIALISTA - PPS
ADVOGADO(A/S) : ROBERTO JOÃO PEREIRA FREIRE
ARGÜIDO(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
ADVOGADO(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
Trata-se de argüição de descumprimento de
preceito fundamental, com pedido de medida liminar,
proposta pelo Partido Popular Socialista PPS, objetivando
que esta Corte declare que não foi recepcionado pela
Constituição de 1988 o art. 86 do Decreto-Lei 200, de 25 de
fevereiro de 1967, diploma que dispõe sobre a organização
da Administração Federal, estabelece diretrizes para a
Reforma Administrativa e dá outras providências.
Eis o teor da norma impugnada:
Art. 86. A movimentação dos créditos
destinados à realização de despesas reservadas
ou confidenciais será feita sigilosamente e
nesse caráter serão tomadas as contas dos
responsáveis.
Sustenta o subscritor da ação que o referido
dispositivo legal não teria sido recepcionado pela nova
ordem constitucional, visto que colide com o estabelecido
nos incisos XXXIII e LX do art. 5º da Constituição vigente,
os quais têm a seguinte redação:
Art. 5º.
(...)
XXXIII - todos têm direito a receber
dos órgãos públicos informações de seu interesse
particular, ou de interesse coletivo ou geral,
que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de
responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo
sigilo seja imprescindível à segurança da
sociedade e do Estado;
(...)
LX - a lei só poderá restringir a
publicidade dos atos processuais quando a defesa
da intimidade ou o interesse social o exigirem;
Alega, também, que não cabe, na espécie, o
ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade para
impugnar a norma em questão, porque ela foi editada sob a
égide da ordem constitucional anterior, razão pela qual
somente pode ser atacada por meio do presente instrumento
de controle concentrado (fl. 3).
Sustenta, ainda, que a nova Constituição
privilegiou o princípio da publicidade, em detrimento da
norma que protege o sigilo das informações, sendo este
admissível apenas quando o interesse público assim o exigir
e, mesmo assim, desde que devidamente motivado (fls. 4-5).
Diz, mais, que, não tendo o art. 86 do Decreto-
Lei 200/67, objeto da presente argüição, especificado as
hipóteses em que seriam admitidas as movimentações de
créditos destinados à realização de despesas reservadas ou
confidenciais, estaria caracterizada a afronta à
Constituição e, em conseqüência, vedado qualquer sigilo no
tocante aos gastos da Administração Pública (fl. 6-8).
Entende que está presente o periculum in mora,
porque a delonga no julgamento da presente ação, segundo
afirma, prorrogará ainda mais a imposição indevida do
sigilo na movimentação dos créditos públicos, persistindo a
afronta à Carta Política (fl. 9).
Nesses termos, pleiteia a concessão da medida
liminar, objetivando-se a suspensão imediata do sigilo na
movimentação de quaisquer créditos públicos (fl. 8).
Por fim, requer o julgamento definitivo da ação,
para que, no mérito, seja declarado que o art. 86 do
Decreto-Lei 200/67 não foi recepcionado pela Constituição
em vigor (fl. 9).
É o relatório.
Decido.
Preliminarmente, reconheço a legitimidade ativa
ad causam da agremiação partidária que assina a inicial,
tendo em vista o disposto no art. 2º, I, da Lei 9.882, de 3
de dezembro de 1999, combinado com o art. 103, VIII, da
Constituição (RTJ 158/441-442, Rel. Min. Celso de Mello).
Depois, anoto que, a teor do art. 1º, parágrafo
único, da citada Lei 9.882/99, é cabível a argüição de
descumprimento de preceito fundamental para evitar ou
reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do
Poder Público, ou quando for relevante o fundamento da
controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo
federal, estadual ou municipal, inclusive anteriores à
Constituição.
Cumpre registrar que o ajuizamento dessa ação
subordina-se ao princípio da subsidiariedade, de que trata
o art. 4º, § 1º, da referida Lei 9.882/99, significando que
a admissibilidade da argüição pressupõe a inexistência de
outro meio juridicamente idôneo, apto a sanar, de forma
eficaz, eventual lesão à ordem constitucional causada pela
norma ou ato impugnados (ADPF 3/CE, ADPF 12/DF, ADPF
13/SP).
Sobre a aplicação do princípio da
subsidiariedade e a fiscalização de constitucionalidade do
direito pré-constitucional, convém trazer à colação o
seguinte trecho do voto prolatado pelo Ministro Gilmar
Mendes, na ADPF 33/PA:
... não sendo admitida a utilização
de ações diretas de constitucionalidade ou de
inconstitucionalidade - isto é, não se
verificando a existência de meio apto para
solver a controvérsia constitucional relevante
de forma ampla, geral e imediata -, há de se
entender possível a utilização da argüição de
descumprimento de preceito fundamental.
É o que ocorre, fundamentalmente, nos
casos relativos ao controle de legitimidade do
direito pré-constitucional, do direito municipal
em face da Constituição Federal e nas
controvérsias sobre direito pós-constitucional
já revogado ou cujos efeitos já se exauriram.
Esse é um outro problema concreto da
ordem constitucional brasileira, porque diante
da Constituição analítica e da pletora de
reformas constitucionais - já estamos
vivenciando esse problema na ADI - tem-se o
direito legal pós-constitucional em relação às
normas originárias da Constituição de 88, mas
pré-constitucional em relação às Emendas
Constitucionais, o que acaba por gerar
dificuldades até mesmo para dar prosseguimento
aos processos de controle abstrato.
Nesses casos, em face do nãocabimento
da ação direta de
inconstitucionalidade, não há como deixar de
reconhecer a admissibilidade da argüição de
descumprimento de preceito fundamental.
Assim, numa primeira análise dos autos,
reconheço que se afigura admissível a utilização da
presente argüição de descumprimento de preceito
fundamental, sob o aspecto do princípio da subsidiariedade,
vez que a norma nela impugnada veio a lume antes da
vigência da Constituição de 1988.
No que concerne ao pedido de medida liminar,
todavia, verifico que não se mostram presentes os
requisitos autorizadores de sua concessão, quais sejam, o
fumus boni iuris e o periculum in mora.
Com efeito, observo que o dispositivo atacado
estabeleceu que a tomada de contas referentes à
movimentação dos créditos destinados à realização de
despesas reservadas ou confidenciais será feita em caráter
sigiloso. Ocorre, porém, que o princípio da publicidade na
Administração Pública não é absoluto, porquanto a própria
Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXIII, in
fine, restringiu o acesso público a informações cujo sigilo
seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado,
conforme segue:
Art. 5º
(...)
XXXIII todos têm direito a receber
dos órgãos públicos informações de seu interesse
particular, ou de interesse coletivo ou geral,
que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de
responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo
sigilo seja imprescindível à segurança da
sociedade e do Estado; (grifei).
Em outras palavras, tanto o dispositivo
contestado na presente ação, quanto o art. 5º, XXXIII, da
Lei Maior, ressalvaram o caráter sigiloso de determinadas
informações relativas à Administração Pública.
Registro, ademais, que a matéria foi em parte
regulada pela Lei 8.159, de 8 de janeiro de 1991, que
dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e
privados e dá outras providências, ostentando o seu art.
23, § 1º, a seguinte dicção:
Art. 23
(...)
§ 1º - Os documentos cuja divulgação
ponha em risco a segurança da sociedade e do
Estado, bem como aqueles necessários ao
resguardo da inviolabilidade da intimidade, da
vida privada, da honra e da imagem das pessoas
são originariamente sigilosos.
Tal artigo, por sua vez, foi regulamentado pelo
Decreto 4.553, de 27 de dezembro de 2002, o qual dispõe
sobre a salvaguarda de dados, informações e documentos de
interesse da segurança da sociedade e do Estado, no âmbito
da Administração Pública e dá outras providências.
Esse diploma estabelece critérios e define as
autoridades responsáveis pela classificação dos dados e
informações estatais nas categorias explicitadas no art.
5º, a saber: ultra-secreto, secreto, confidencial e
reservado, em razão de seus elementos intrínsecos.
A Lei 11.111, de 5 de maio de 2005, de seu
turno, regulamenta a parte final do inciso XXXIII do art.
5º da Constituição e dá outras providências.
Não considero, portanto, suficientemente
caracterizado o fumus boni iuris, seja porque o sigilo dos
dados e informações da Administração Pública, ao menos numa
primeira análise da questão, encontra guarida na própria
Carta Magna, seja porque ele não é decretado
arbitrariamente, mas determinado segundo regras legais préestabelecidas.
Por outro lado, constato que o art. 86 do
Decreto-Lei 200, ora atacado, vigora desde 25 de fevereiro
de 1967, e vem produzindo efeitos há mais de 30 (trinta)
anos, não constando que tenha sido retirado da ordem
jurídica por qualquer decisão judicial, razão pela qual
entendo que também não se encontra evidenciado o periculum
in mora.
Em face do exposto, exercendo um juízo de mera
delibação, e sem prejuízo de melhor exame do tema no
momento processual oportuno, indefiro o pedido de medida
liminar.
Requisitem-se as informações de estilo. Após,
abra-se vista à Procuradoria-Geral da República.
Publique-se.
Brasília, 18 de fevereiro de 2008.
Ministro RICARDO LEWANDOWSKI
- Relator -
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