Feita às pressas
Especialistas criticam proposta de reforma tributária
por Aline Pinheiro
A reforma tributária mal foi anunciada pelo governo e já despertou o descrédito dos advogados tributaristas. Os especialistas acreditam que, ao invés de diminuir, a carga tributária vai aumentar. Eles também duvidam da anunciada simplificação do sistema tributário brasileiro e afirmam: a proposta foi feita às pressas.
O anúncio do pacote de mudanças tributárias foi feito pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, nesta semana. Segundo ele, a proposta do governo será enviada ao Congresso Nacional na próxima quinta-feira (28/2). A esperança é que seja aprovada ainda este ano.
Advogados, no entanto, não acreditam nem mesmo que a proposta seja aprovada o que dirá tão rápido assim. É um projeto de desencargo de consciência, jogado no Legislativo. Não será aprovado na sua integridade, critica Robson Maia Lins, professor do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).
Entre as mudanças anunciadas, o governo propõe a unificação do ICMS que passaria a se chamar ICM num prazo de oito anos. A medida foi anunciada como ferramenta para acabar com a guerra fiscal entre os estados. Não agradou os tributaristas. Para eles, não há vontade política dos estados e, por isso, a unificação não deve sair do papel.
O governo também propõe a unificação da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico (Cide), o PIS/Pasep e a Cofins no chamado Imposto sobre Valor Agregado (IVA) federal. De acordo com o governo, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) não entraria no pacote para continuar como instrumento de política industrial do governo.
Cada um vai querer sua fatia e o que era três vai virar três mais um, diz Cláudia Petit, advogada do Peixoto e Cury. Ela não acredita em uma unificação que beneficie o contribuinte, mas numa tentativa de unificar tributos para poder, além dos já existentes, criar outro.
Se ocorrer a unificação, aposta o advogado Sacha Calmon, a arrecadação vai aumentar. Ele explica que os tributos que não eram cumulativos vão passar a ser cobrados juntos durante todo o processo de circulação de bens e serviços. Os prestadores de serviços vão ser atropelados. Vão ter de pagar muito mais do que os 15% que pagam hoje pelo sistema de lucro presumido.
O grande problema que empata a tão esperada reforma tributária é a falta de vontade política de todos os entes da federação. Ou, mais ainda, o fato de cada um fazer a balança pender mais para o seu lado. Os municípios, já em déficit, não abrem mão da arrecadação. Os estados não querem deixar de controlar o ICMS. A União, então, bate recordes de arrecadação a cada ano e não parece empenhada em mudar o sistema que lhe proporciona esses recordes. Ou, então, só busca o aumento da arrecadação, como acredita Sacha Calmon. Com essa reforma, vão criar outra CPMF. Vão conseguir arrecadar R$ 30 bilhões a mais, indigna-se. É uma brutalidade.
Até agora, o único ponto da reforma anunciada que foi bem visto pelos tributaristas é a desoneração da folha de pagamento das empresas. O governo anunciou que vai deixar de cobrar o salário-educação de 2,5% em cima das folhas de pagamentos da empresa. O Brasil concorre com a China. Por isso, a desoneração da folha de pagamento é muita válida. Vai gerar mais emprego e acabar com a informalidade, acredita a advogada Juliana Rossi, do Leite, Tosto e Barros Advogados.
Sacha Calmon, no entanto, enxerga essa boa mudança como apenas uma maneira de maquiar o que está por trás da proposta. Estão tramando o aumento da arrecadação em troca da diminuição de encargos sobre a folha de pagamento, revolta-se.
A anunciada simplificação da burocracia que envolve o pagamento de tributos hoje também não agradou aos tributaristas. Robson Maia Lins, do Ibet, acredita até que pode haver uma simplificação, mas as mudanças propostas podem ser consideradas inconstitucionais. Corremos o risco de simplificar para criar uma contribuição no Judiciário. Outros acreditam que não há qualquer simplificação no que foi proposto.
A reforma tributária ideal seria aquela em que o cidadão conseguisse enxergar retorno econômico. Ele paga o tributo e tem de receber o retorno para poder trabalhar e produzir, e não ter as dificuldades que têm hoje, por exemplo, quando precisa da Certidão Negativa de Débito, considera Cláudia Petit.
Em agosto do ano passado, durante o XI Congresso Internacional da Associação Brasileira de Direito Tributário, em Belo Horizonte, especialistas em tributos discutiram problemas da legislação tributária e o que deveria ser feito para uma reforma satisfatória. E concluíram: se não houver mudança de mentalidade de quem arrecada e de quem contribui as mudanças desejadas não vão sair do papel. Ouvindo a voz dos advogados, essa mudança de mentalidade não ocorreu.
Revista Consultor Jurídico, 23 de fevereiro de 2008
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