Com o BEPS, novas regras tributárias para países ricos
26 de agosto de 2013
Nos próximos dois anos, o leitor deste jornal será submetido a um número crescente de artigos e notícias sobre BEPS, Base Erosion and Profit Shifting (Erosão da Base e Transferência de Lucros). É um tema central da agenda do G-20. As empresas brasileiras, em especial as que têm operações internacionais, devem colocar esse tema no radar.
Regras para preços de transferência, acordos de bitributação e tributação da renda no exterior serão afetadas pelas normas que nascerão do projeto da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que recebeu a missão do G-20 de estudar o tema e apresentar um plano de ação. O plano de ação, apresentado na reunião dos Ministros de Finanças do G-20 realizada em julho passado, identifica 15 áreas de atuação, define a metodologia de trabalho e as regras para o envolvimento dos países membros da OCDE. A probabilidade de que essa iniciativa caminhe em direção a um acordo mais amplo, além do G-20, é muito elevada.
Por que a pressão por mudar as regras? A pressão nasce da crise fiscal em vários países da OCDE e da percepção de que o atual sistema não dispõe de regras adequadas para tributar a economia digital, avaliar os preços de transferência de ativos intangíveis e para lidar com a transferência de lucros de um país de alta tributação para outro com menor tributação.
Quanto mais próximo o Brasil estiver das regras globais, melhor será o ambiente para as empresas
Estão no centro da preocupação do G-20 o grau de flexibilidade de escolha por parte das empresas da jurisdição onde serão taxadas e a discrepância entre o local da operação e o local da tributação. A imprensa internacional tem mencionado, nos últimos meses, vários casos de empresas que ilustram essas preocupações, as quais dão substância ao discurso político em favor de mudanças de regras.
É uma agenda atraente para fiscos famintos por extração de renda, o que não torna surpreendente o interesse do Brasil no tema. A China, que usa intensamente incentivos fiscais em suas políticas de atração de investimentos, revelou relutância em aderir.
Apesar de não ser um integrante da OCDE, o Brasil deve participar ativamente da construção dessas regras. O mesmo comportamento deve ter o setor privado brasileiro. Para este setor, é importante que essas novas regras concorram para o crescimento, reduzam incertezas do atual sistema especialmente agravadas pelas peculiares regras brasileiras sobre tributação internacional e ausência de acordos de bitributação com países- chaves e contribuam para o alinhamento do Brasil com as melhores práticas internacionais.
Esse ponto deve o ser o foco do setor privado brasileiro. O Brasil deve aproveitar essa oportunidade para minimizar as regras que são específicas do país e que produzam incertezas, dificuldades de adaptação e reduzem a capacidade de competição das empresas brasileiras no mundo. Quanto mais próximo o Brasil estiver das regras globais, melhor será o ambiente para as empresas.
A visão fiscal sobre essas questões deve vir acompanhada de um exame das implicações para o investimento, crescimento e capacidade de internacionalização das empresas brasileiras. Essa discussão ocorre em um momento em que as empresas brasileiras enfrentam discussões no STF sobre tributação de rendas no exterior e em que sentem a desvantagem competitiva de não disporem de acordos para evitar a bitributação com países-chave, como os EUA e Alemanha.
O fato é que um extraordinário trabalho foi feito nas últimas décadas para criar regras estáveis para investidores globais. Os acordos para eliminar a bitributação e de preços de transferência estiveram no centro dessas iniciativas.
É de se esperar uma ativa participação do setor privado internacional neste processo de mudanças. É importante evitar que essas mudanças elevem incertezas e criem um ambiente de paralisia. É crítico que a agenda da OCDE se concentre no fundamental a ser mudado e que se preserve o extenso arcabouço institucional formado ao longo de décadas.
O novo sistema precisa resolver os problemas identificados no regime atual e adaptá-lo às mudanças tecnológicas e institucionais. Mas não deve perder a referência de que o sistema tributário precisa ser racional, eficiente e previsível, além de apoiador do crescimento. A busca de regras e de padrões comuns não pode produzir um sistema que iniba a competição por ambientes favoráveis à atração de investimentos e seja pautado apenas por uma harmonização em alíquotas muito elevadas.
A frágil recuperação da economia internacional reforça a necessidade de que esse processo de mudanças tenha racionalidade e não se estenda por muito tempo. A instabilidade do sistema global de tributação não pode se constituir em um ingrediente adicional a gerar incertezas.
O foco do BEPS deve ir além da extração tributária. É momento de se trabalhar para a construção de segurança jurídica em âmbito global e de se eliminar custos de transação desnecessários que reduzem a eficiência global da economia.
No desenvolvimento dessas regras é fundamental que haja um diálogo adequado nos âmbitos internacional e nacional com o setor privado. O trabalho em torno do BEPS deve se constituir em oportunidade para reduzir instabilidades, gerar confiança na eficiência e equidade das regras e eliminar ineficiências.
Em última análise, são regras que terão impacto no grau de isonomia da concorrência entre empresas e países. Esse é um campo em que iniciativas unilaterais ou isoladas podem gerar mais ônus do que bônus, com claros impactos sobre o investimento e o crescimento. É importante, portanto, o tratamento desse tema em fóruns, como o da OCDE.
José Augusto Coelho Fernandes é diretor de Políticas e Estratégia da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Valor Econômico
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