21/11/2013
STF declara inconstitucional correção fixada no Plano Verão para demonstrações financeiras

STF declara inconstitucional correção fixada no Plano Verão para demonstrações financeiras

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou, nesta quarta-feira (20), a inconstitucionalidade do artigo 30, parágrafo 1º, da Lei 7.730/1989 e do artigo 30 da Lei 7.799/1989, que estabeleceram a Obrigação do Tesouro Nacional (OTN) no valor de NCz$ (cruzados novos) 6,92 para o ano-base de 1989 como balizador da correção monetária das demonstrações financeiras de pessoas jurídicas daquele ano e de anos subsequentes. A decisão foi tomada na conclusão do julgamento dos Recursos Extraordinários (REs) 208526 e 256304, de relatoria do ministro Marco Aurélio, em que uma indústria e uma construtora questionavam decisões do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) no sentido da validade dos dispositivos.

Os dois dispositivos estavam inseridos no plano de estabilização econômica conhecido como Plano Verão, anunciado em 16 de janeiro de 1989, durante o governo Sarney. Seguindo o voto do relator, o Plenário deu provimento aos recursos das duas empresas (Intral S/A - Indústria de Materiais Elétricos e Construalv Empreendimentos Imobiliários Ltda.), vencidos, no mérito, os ministros Dias Toffoli, Luiz Fux e Gilmar Mendes.

Repercussão geral

Também na sessão de hoje, o Plenário julgou outros dois casos sobre o mesmo tema, os REs 215142 e 221142, e aplicou-lhes os efeitos do instituto da repercussão geral, seguindo proposta do ministro Gilmar Mendes. Ele destacou que é relator do RE 242689, sobre o mesmo assunto e com repercussão geral já reconhecida pelo Plenário Virtual do STF, e propôs a transferência dos efeitos do instituto aos recursos hoje julgados pela Corte. Nesse ponto, ficou vencido o ministro Marco Aurélio.

No julgamento dos REs 215142 e 221142, os ministros acompanharam por unanimidade o voto do relator, ministro Marco Aurélio, uma vez que os votos divergentes se ajustaram ao entendimento firmado no julgamentos dos recurso anteriores. O relator, no fim da votação, esclareceu questão relativa à adoção de outro índice de correção monetária, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC ), medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em substituição ao índice fixado pela legislação impugnada.

No voto pretérito, como também nesse, mencionei o índice do IBGE, mas não podemos afirmar peremptoriamente que é esse o índice a ser adotado. Mas, com a declaração de inconstitucionalidade, se reestabelece a normativa pretérita, afirmou, assinalando que a legislação anterior à questionada deveria regrar a correção. Na votação, os ministros Ricardo Lewandowski e Roberto Barroso, ao acompanharem o voto do relator, destacaram que a decisão proferida não fixava um índice específico de correção monetária, ficando essa decisão para a fase de execução.

Pedidos

As autoras dos recursos julgados sustentavam que a correção monetária do período deve ser calculada sobre o valor da OTN de NCz$ 10,50, tendo por base a inflação do IPC de janeiro de 1989 (de 70,28%), e não a OTN de NCz$ 6,92, baseada no índice inflacionário oficial de janeiro de 1989, de 44,49%. Por essa razão, argumentavam que não deve ser exigido o pagamento do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro (CSLL), referente ao ano-base de 1994 e subsequentes, sem considerar os efeitos físicos da correção de suas demonstrações financeiras pela fixação da OTN de janeiro de 1989 em NCr$ 6,92, ao invés de NCr$ 10,50.

As empresas alegavam, ainda, que o estabelecimento de um baixo valor para o índice de correção atrelado à OTN, fixado aquém da real perda do poder aquisitivo da moeda, tem causado, por ocasião da correção monetária das demonstrações financeiras das companhias, ampliação artificial da base de cálculo do imposto sobre a renda e, consequentemente, aplicado tributação de realidade que não corresponde a uma aquisição de renda, e sim ao patrimônio.

FK,FT/AD
VOTO DO MINISTRO MARCO AURÉLIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 256.304 RIO GRANDE DO SUL
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
RECTE. (S): CONSTRUALV EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA.
ADV.(A/S):ANDRÉ MARTINS DE ANDRADE E OUTROS
ADV.(A/S): VERA MARIA BÔA NOVA ANDRADE
RECDO. (A/S):UNIÃO
ADV.(A/S): ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
R E L A T Ó R I O
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO  O Tribunal Regional Federal da 4ª Região acolheu pedido formulado em apelação, sufragando tese assim sintetizada na ementa do acórdão:
TRIBUTÁRIO. DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS. CORREÇÃO MONETÁRIA. ÍNDICE. OTN. JANEIRO DE 1989.
Para corrigir as demonstrações financeiras, no mês de janeiro de 1989, o índice a ser utilizado a OTN, com o valor fixado em Ncz$ 6,92 pelo parágrafo 1º do artigo 30 da Lei nº 7.730/89 e o artigo 30 da Lei nº 7.799/89 (folha 139).
Os embargos de declaração que se seguiram foram desprovidos mediante o acórdão de folha 147 a 150.
No extraordinário de folha 170 a 183, interposto com alegado fundamento na alínea a do permissivo constitucional, salienta-se que a fixação do valor da Obrigação do Tesouro Nacional de janeiro de 1989 com base em índice diverso do Índice de Preços ao Consumidor, que reflita a perda real do poder aquisitivo da moeda, implicou a desconsideração do primeiro para proceder-se à correção monetária dos balanços, ante o teor dos artigos 3º e 4º da Lei nº 7.799/89 e 153, inciso III, do Diploma Maior, no que dispõe sobre o conceito de renda. De acordo com as razões apresentadas, a técnica utilizada levaria à tributação de Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O montante que não constitui acréscimo de patrimônio, porquanto conduz à apuração de lucro fictício, representando, além de confisco, indisfarçável aumento indireto de tributo. Noutro passo, argumenta-se que o expurgo da correção monetária determinado pelos artigos 30, § 1º, da Lei nº 7.730/89 e 30 da Lei nº 7.799/89 acarretou ofensa aos artigos 145, § 1º, 150, alíneas a e b, e 153, inciso III, da Carta da República.
Discorre-se sobre a matéria.
A Fazenda Nacional, nas contrarrazões de folhas 188 e 189, ressalta a ausência de demonstração de ofensa aos citados preceitos. O procedimento atinente ao juízo primeiro de admissibilidade está à folha 192. O especial admitido na origem teve o seguimento obstado pelo relator no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (folha 199 à 202).
A Procuradoria Geral da República, no parecer de folha 230 a 233, preconiza o não conhecimento do recurso, por falta de prequestionamento, e a não configuração de afronta direta à Carta.
É o relatório.
V O T O
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR)  Os pressupostos gerais de recorribilidade foram observados. O documento de folha 12 revela regular a representação processual, estando à folha 184 a guia comprobatória do preparo. Quanto à oportunidade, constata-se a publicação do acórdão inicialmente proferido no Diário de 2 de julho de 1997  folha 141  e, portanto, no curso das férias coletivas. Seguiram-se embargos declaratórios em 15 imediato - folha 142. O acórdão integrativo foi veiculado no Diário de 1º de abril de 1998 (quarta-feira)  folha 152 , sendo que a manifestação de inconformismo verificou-se em 14 seguinte  terça-feira (folha 170). Resta, assim, examinar o pressuposto específico de recorribilidade, ou seja, a violência à Carta da República, considerados os preceitos dos artigos 145, § 1º, alíneas a e c, e 153, inciso III.
Em primeiro lugar, atente-se para a base do tributo. Trata-se da renda da pessoa jurídica, ainda que em jogo contribuição social incidente sobre o lucro, o imposto sobre o lucro líquido e o adicional do imposto de renda estadual que esta Corte veio a declarar inexigível por falta de regulamentação da Carta da República. Portanto, todo o raciocínio a ser desenvolvido há de ter presente a proclamação de Pontes de Miranda:
Onde não há renda não é concebível imposto de renda (Tratado de Direito Privado, volume 50, Editora Revista dos Tribunais, 1984).
Pois bem, ante a natureza, a razão de ser do tributo, o legislador valeu-se de mecanismo para afastar as consequências, sob o ângulo da efetividade, da inflação, dispondo sobre a elaboração do balanço patrimonial. E aí, conforme a Lei nº 7.799/89, previu a incidência da correção monetária:
a) nas contas do ativo permanente e na respectiva depreciação, amortização ou exaustão, e nas provisões para atender a perdas prováveis na realização do valor de investimentos;
b) nas contas representativas do custo dos imóveis não classificados no ativo permanente;
c) nas contas representativas das aplicações em ouro;
d) nas contas representativas de adiantamento a fornecedores de bens sujeitos à correção monetária, salvo se o contrato prever a indexação do crédito;
e) nas contas integrantes do patrimônio líquido;
f) em outras contas que venham a ser determinadas pelo Poder Executivo, dada a natureza dos bens ou valores que representem.
Previu, mais, o registro, em conta especial, das contrapartidas dos ajustes de correção monetária e a dedução, como encargo, do período base do saldo da conta, se devedor, e o acréscimo ao lucro real do saldo da conta, caso credor. Toda a disciplina fez-se objetivando, repita-se, afastar a repercussão da inflação do período que, desconsiderada, viria a apresentar resultados desmedidos, discrepantes, a mais não poder, da realidade, levando à cobrança de tributo não sobre a renda, mas sobre o próprio patrimônio. Aliás, o artigo 3º da Lei nº 7.799/89 mostrou-se pedagógico ao dispor que a correção monetária das demonstrações financeiras tem por objetivo expressar em valores reais os elementos patrimoniais e a base de cálculo do imposto de renda.
Pois bem, em que pese a expressão exata, nesse preceito, do objetivo colimado, o legislador veio a abandoná-lo, ao prever, no artigo 30, a consideração de fator de indexação  a OTN  em valor que implicou desprezo à inflação de janeiro de 1989 e, o que é pior, de forma retroativa no que estabeleceu que seria adotada a quantia de Cz$ 6,92 como a representar a OTN e a incidir sobre o balanço efetuado em 31 de dezembro de 1988. Tudo ocorreu ao sabor do chamado Plano Verão - Medida Provisória nº 32/89 e Lei de Conversão nº 7.730/89, seguida da Lei nº 7.799/89 , mais um daqueles arquitetados com o fim de combater a inflação, atropelando normas comezinhas, como se, em passe de mágica, fosse possível afastar do cenário jurídico certa percentagem correspondente à inflação já verificada. A fixação da OTN decorreu de expectativa de inflação entre 2 de janeiro de 1989 e 15 de janeiro de 1989,
ao passo que a medição realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística apontou, contrariando os 44,49% imaginados, um total de 70,28%. Ora, está-se diante de situação concreta em que se acabou majorando a base de incidência do tributo, afastando-o da tipologia revelada na Carta da República, tudo ocorrendo mediante retroação com esta incompatível. Eis como restou disciplinada a matéria:
Art. 30. Para efeito de conversão em número de BTN, os saldos das contas sujeitas à correção monetária, existente em 31 de janeiro de 1989, serão atualizados monetariamente, tomando-se por base o valor da OTN de NCz$ 6,92.
Repita-se: a importância de NCz$ 6,92 resultou não da real inflação do período mas de expectativa considerado o dia 15 de janeiro de 1989, vez que a fixação sempre decorreu da coleta de preços do dia 15 de certo mês a 14 do mês imediato. Ora, a manipulação notada, a dissociação do índice da inflação realmente ocorrida implicou em verdadeira majoração do tributo, à margem, inclusive, do fato gerador deste último. Desprezou-se a circunstância de o ano-base achar-se em curso, fazendo-se incidir valor da OTN que, além de não corresponder à espiral inflacionária, apanhou fatos acontecidos anteriormente. Sim, o artigo 30 da Lei nº 7.799/89 versou sobre atualização monetária dos saldos existentes em 31 de janeiro de 1989. A um só tempo, deu-se a inobservância do inciso XXXVI do artigo 5º da Carta, no que revelador, como garantia constitucional, da intangibilidade do direito adquirido, como também da própria alínea a do inciso III do artigo 150 nela contido, agasalhando-se, por via indireta, é certo, aumento de tributo, com a agravante da ocorrência por via imprópria, ou seja, a criação fictícia de renda ou lucro.
Mais do que isso, ao desprezarem-se os parâmetros próprios ao afastamento dos nefastos efeitos da inflação, ante a obrigação tributária, menosprezaram-se os princípios da igualdade  o mesmo índice para corrigir-se valores, seja qual for o direito ou a obrigação - e da capacidade contributiva. É corolário do lucro inflacionário dizer-se da obrigação de alguém de satisfazer tributo que não corresponde à base de incidência e, se isso acontece, do desprezo à capacidade contributiva prevista no § 1º do artigo 145 da Constituição Federal:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
(...)
§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas dos contribuintes.
Em última análise, a fixação da OTN em NCz$ 6,92, tal como ocorreu mediante o disposto no artigo 30 da Lei nº 7.799, de 10 de julho de 1989, publicada no Diário da União de 11 de julho de 1989, secundada pela Lei nº 7.730/89 e pela Medida Provisória nº 32/89, para corrigir saldos existentes em 31 de janeiro de 1989 fez-se em descompasso com a própria base de cálculo do imposto que decorre da nomenclatura constitucional  Imposto sobre Renda e Proventos de Qualquer Natureza  não se mostrando o legislador ordinário sensível quer ao mandamento constitucional  às balizas fechadas do próprio tributo, como previsto na Carta da República , quer ao caráter pedagógico do artigo 44 do Código Tributário Nacional:
Art. 44. A base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis.
Nem se diga que a Carta da República apenas assegura a preservação plena, em valor real, dos títulos da dívida agrária  artigo 184 da Constituição Federal. A hipótese não encontra solução mediante essa óptica. O que cumpre perquirir é se, adotado o mecanismo previsto no artigo 30 da Lei nº 7.799/89, tem-se observado o próprio tributo, como previsto na Carta da República e, mais do que isso, se respeitados os princípios da irretroatividade, da isonomia e da capacidade contributiva.
É essa a questão que se coloca e que está a merecer o crivo desta Corte, sob pena de afastar-se a almejada segurança jurídica. Bem decidiu a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região ao julgar o Recurso nº 94.01.01056-0/MG, relatado pelo Juiz Vicente Leal:
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. CORREÇÃO MONETÁRIA DO BALANÇO. PRINCÍPIO NORTEADOR: 2.INFLAÇÃO REAL. MODIFICAÇÃO DO INDEXADOR DO
BTN. APURAÇÃO FICTÍCIA DE RENDA.
- Em sede de imposto de renda de pessoa jurídica, a correção monetária das demonstrações financeiras deve refletir, em valores reais, os elementos patrimoniais e a base de cálculo do tributo devido, sem que as distorções causadas pela inflação alterem seus concretos resultados (art. 3, Lei nº 7.799/89). - Com a modificação do índice de atualização do BTN, antes efetuado pelo IPC, (art. 5, Lei nº 7.777/89), a correção monetária dos balanços veio traduzir lucro fictício, com ilegal imposição de imposto de renda. Remessa oficial desprovida.
Pelas razões acima, conheço do pedido formulado neste extraordinário e o acolho para, reformando o acórdão formalizado na origem, reconhecer à recorrente o direito à correção monetária considerada a inflação do período nos termos da legislação revogada pelo chamado Plano Verão, conforme, aliás, veio a ser consagrado em diversos pronunciamentos concernentes à caderneta de poupança, ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e a empréstimos feitos a mutuários. Com isso, fica restabelecido o entendimento sufragado pelo Juízo na sentença de folha 97 à 101, inclusive quanto aos ônus da sucumbência, e declarada a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 30 da lei nº 7.730/89 e do artigo 30 da Lei nº 7.799, de 10 de julho de 1989.


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