11/03/2008
Explosão de processos sobrecarrega juízes e gera crise no Supremo

VALOR ECONÔMICO - BRASIL - 10/03/2008
Explosão de processos sobrecarrega juízes e gera crise no Supremo

O Supremo Tribunal Federal (STF) vive uma crise sem precedentes de excesso de processos para julgar e aposta em três grandes inovações para reverter a situação: a súmula vinculante, a "repercussão geral" e a informatização do Judiciário. Essas iniciativas, porém, só farão efeito no longo prazo.

As três medidas foram implementadas durante a gestão da presidente Ellen Gracie, que termina em abril, e ajudaram o tribunal a atingir um recorde de julgamentos. Somente no ano passado, foram julgados mais de 159 mil processos pelo STF. Por outro lado, a ministra constatou que, mesmo com este "resultado extraordinário", a situação ainda é crítica.

O STF possui 565 processos para julgar apenas em plenário. Nessas ações são necessários os votos dos 11 ministros. Para concluí-las, é preciso, portanto, 6.215 votos, sem contar o tempo para sustentações orais (15 minutos para cada parte), manifestações do Ministério Público, da Advocacia-Geral da União e para debates entre os ministros, que se tornaram mais calorosos nos últimos meses, gerando sucessivos pedidos de vista.

A conclusão é que, após bater todos os recordes de julgamentos de processos, o STF ainda vive uma situação desoladora. O volume de processos cresceu mais de 500% a partir da Constituição de 1988. Naquele ano, o tribunal recebeu 18 mil ações. É o mesmo número de processos que entrou em janeiro deste ano, quando o STF estava em recesso. Hoje, chegam mais de 100 mil ações por ano, o que resulta em 10 mil para cada ministro.

Ellen avalia que, houve uma "explosão de litigiosidade", a partir dos anos 90, não apenas por causa da Constituição, que estabeleceu acesso pleno à Justiça, mas por outros marcos legais, como Código de Defesa do Consumidor, legislação ambiental e ação civil pública.

A expectativa no curto prazo é que a crise de excesso de processos no Supremo se agrave ainda mais com o funcionamento de duas CPIs no Congresso: a CPI dos Cartões Corporativos e a CPI das ONGs. Quando há CPIs, o tribunal é convocado para decidir sobre os procedimentos de investigação. As ações mais comuns envolvem pedidos de liminares de pessoas chamadas para depor no Congresso. Os depoentes costumam pedir "habeas corpus" preventivo ao STF para que não sejam obrigados a responder a questões que possam levar à auto-incriminação. As liminares têm que ser confirmadas pelos 11 ministros.

No longo prazo, a expectativa é que as três inovações do STF revertam a tendência de excessos de processos. A presidente do tribunal acredita que a "repercussão geral" deverá reduzir em 60% a demanda no Judiciário. Por esse dispositivo, o tribunal só julgará recursos que forem relevantes para a Constituição e que extrapolem o interesse individual das partes envolvidas. Ou seja, o STF só julgará grandes causas, e não mais processos individuais. É o caso, por exemplo, de ações contra companhias telefônicas pedindo a discriminação de pulsos nas ligações. Há 279 recursos desse tipo no STF. Com a "repercussão geral", ao invés de discutir o caso 279 vezes, o Supremo dará uma única orientação.

"No futuro, a repercussão geral nos ajudará ainda mais", afirmou Ellen Gracie, em reunião interna com os demais ministros, há dez dias. Na ocasião, eles concluíram que o número de processos chegou a um nível tão elevado que estão reconhecendo casos de "repercussão geral" até onde não há debates constitucionais. "Creio que a volumosa carga de processos acaba comprometendo a própria funcionalidade do sistema", disse o decano do STF, ministro Celso de Mello. "De cada dez casos, estamos reconhecendo a repercussão geral em sete ou oito.

"Acredito que estamos sendo muito condescendentes com a repercussão geral. Estamos reconhecendo inclusive para casos em que não há questão constitucional", afirmou Peluso. Desde o ano passado, os ministros discutem os casos de "repercussão geral" por meio eletrônico. Neste ano, deverão fazê-lo no plenário.

A súmula vinculante também foi inaugurada no ano passado, durante o julgamento de ações em que pensionistas pediam o direito a receber 100% do que era pago aos segurados do INSS. Era um caso de R$ 40 bilhões para os cofres da Previdência e de milhares de ações repetitivas para o STF. Somente com a estréia da súmula vinculante, foram julgadas 5 mil ações de pensionistas num único dia. Depois, foram decididas mais 14 mil ações repetitivas sobre o mesmo tema.

A súmula vinculante obriga os juízes e o poder público a seguir as decisões do STF. Para o ministro Gilmar Mendes, ela "cumpre função racionalizadora, evitando que haja repetição de processos no âmbito do STF e da Justiça em geral".

"A súmula vinculante e a repercussão geral irão ajudar bastante. Vão funcionar como diques para que não fiquemos trabalhando no varejo", afirmou o ministro Ricardo Lewandowski. A senha eletrônica, pela qual os ministros decidem os processos pelo computador, também começou a funcionar em 2007 e deverá reduzir em até 70% o tempo gasto com os processos.

Juliano Basile




« VOLTAR