Abuso do grampo
OAB critica projeto do governo sobre escuta telefônica
O anteprojeto de lei que estabelece novas regras para escutas telefônicas, elaborado pelo Ministério da Justiça, viola garantias fundamentais do cidadão. É o que afirma o Conselho Federal da OAB, que nesta terça-feira (11/3) deu seu parecer sobre o texto. A proposta foi enviada para análise da OAB pelo ministro Tarso Genro.
Não se nota uma preocupação maior, como se impunha, com a proteção do direito fundamental atingido por este que é o meio mais grave de investigação criminal: o direito à intimidade. A única norma que se destina a tal proteção é a que estabelece o limite máximo de interceptação, em um ano e, ainda assim, flexibilizada quando se tratar de crime permanente, diz o parecer do secretário adjunto da OAB, Alberto Zacharias Toron, aprovado pelo Conselho Federal da Ordem.
No parecer, Toron explica que as propostas do governo violam o direito à ampla defesa e ao contraditório, pois não tratam do tempo que a defesa do réu terá para escutar as conversas gravadas. A única inovação digna de nota é justamente a limitação do monitoramento ao prazo de um ano, o que vem, todavia, desacompanhado, insista-se, de qualquer disciplina acerca de como submeter o material colhido em tão longo período de tempo ao contraditório e à ampla defesa.
A OAB rejeitou o anteprojeto, da maneira como ele está, e propôs mudanças, entre elas a redução no prazo de duração das escutas telefônicas e a estipulação de prazo para o investigado examinar o material das interceptações.
CPI dos Grampos
No ano passado, 409 mil interceptações telefônicas foram feitas no país, com ordem da Justiça, pelas operadoras Oi, TIM, Brasil Telecom, Telefônica, Vivo e Claro. O número foi divulgado pelas próprias operadoras para a CPI dos Grampos, em audiência na quinta-feira passada (6/3).
Para o presidente da CPI, Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), os números dão a impressão de que, primeiro a Polícia manda grampear o telefone, para depois começar as investigações. O relator da CPI, deputado Nelson Pellegrino (PT-BA), considera que um país com tantas ligações interceptadas não consegue garantir o direito à privacidade.
Leia o parecer aprovado pela OAB
PARECER SOBRE O Anteprojeto de lei que disciplina a quebra do sigilo das comunicações telefônicas para investigação criminal
Enviado pelo Exmo. Ministro de Estado da Justiça TARSO GENRO
(Fevereiro de 2008)
I. Aspectos Gerais do tema:
O poder punitivo numa democracia encontra-se limitado por várias disposições de caráter constitucional que atingem e restringem o seu exercício. Fortes nesse sentido são as disposições que regulando a atividade do processo penal inadmitem as provas ilícitas e, no direito penal, vedam as penas cruéis, perpétua e de morte. O conjunto de direitos e garantias individuais inscrito no artigo 5º da Lei Maior impede, concretamente, que se torture alguém em nome, por exemplo, da eficácia repressiva, descoberta da verdade, etc. O mesmo se pode afirmar em relação aos grampos telefônicos: a conversa interceptada ilicitamente, ainda que materialmente possa expressar alguma verdade, é imprestável. Disso se infere que no campo do processo penal há limites cognitivos à atividade persecutória estatal erigidos em nome de uma ética reconhecida pelo documento maior de nossa cidadania.
No que concerne à interceptação telefônica, fluxo de comunicações em sistemas de tecnologia de informação e telemática, o tema é alvo de regramento constitucional no capítulo dos direitos e garantias individuais, verbis:
é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação crimnal ou instrução processual penal (CF, art. 5º, inc., XII).
Não por acaso, na Exposição de Motivos de outro Anteprojeto, a anterior Comissão instituída pelo Ministério da Justiça, chefiada pela professora Ada Pellegrini Grinover, realçou que a quebra do sigilo de comunicações telefônicas, excepcionalmente admitida pela Constituição Federal, na parte final do inciso XII do artigo 5º, exclusivamente para fins de investigação criminal e instrução processual penal, constitui, certamente, poderoso meio posto à disposição do Estado para fins de obtenção da prova, mas também instrumento insidioso de quebra da intimidade, não só do investigado, como também de terceiros.
Por isso ___ prossegue a Exposição de Motivos ___ diante do princípio da reserva de lei proporcional, a regulamentação da matéria há de resultar da escrupulosa ponderação dos valores em jogo, observando o princípio da proporcionalidade, entendido como justo equilíbrio entre os meios empregados e os fins a serem alcançados. E a proporcionalidade deve levar em conta os seguintes dados: a adequação, ou seja a aptidão da medida para atingir os objetivos pretendidos; b necessidade, como exigência de limitar um direito para proteger outro, igualmente relevante; c) proporcionalidade estrita, ou seja a ponderação entre a restrição imposta (que não deve aniquilar o direito) e a vantagem alcançada, o que importa na d) não excessividade.
Postas tais premissas e considerado o abuso em matéria de interceptações telefônicas, vitimando cidadãos em geral, advogados e até ministros da nossa Suprema Corte, o estudo que se segue procura identificar se o Anteprojeto Enviado em fevereiro de 2008 pelo Exmo. Sr. Ministro de Estado da Justiça, TARSO GENRO, atende as garantias constitucionais deferidas aos cidadãos, particularmente no que diz com a preservação da intimidade das pessoas, limitando as atividades de interceptação.
II. Aspectos Gerais do Anteprojeto:
O Anteprojeto, embora represente um avanço quando comparado com a lei em vigor (9.296 de 24 de julho de 1996), deixa a desejar sob diversos pontos de vista.
Com efeito, não se nota uma preocupação maior, como se impunha, com a proteção do direito fundamental atingido por este que é o meio mais grave de investigação criminal: o direito à intimidade. A única norma que se destina a tal proteção é a que estabelece o limite máximo de interceptação, em um ano e, ainda assim, flexibilizada quando se tratar de crime permanente.
Também não encontram eco no Anteprojeto algumas das garantias derivadas do due process of law: a ampla defesa e o contraditório, pois não há preocupação com o tempo destinado à defesa para a escuta do material interceptado.
De uma forma geral, a única inovação digna de nota é justamente a limitação do monitoramento ao prazo de um ano, o que vem, todavia, desacompanhado, insista-se, de qualquer disciplina acerca de como submeter o material colhido em tão longo período de tempo ao contraditório e à ampla defesa. Matéria que tem gerado a maior fonte de cerceamentos de defesa e utilização unilateral de provas jamais examinadas pela defesa. Não cria incidente probatório mediante o qual o produto do monitoramento seja telefônico, de dados, ou telemático, seja submetido ao princípio do contraditório. Sequer prevê o direito de o investigado/acusado ter acesso ao material obtido com tais medidas.
O Anteprojeto, quando trata dos delitos apenados com detenção, não se preocupa em confinar a autorização para a invasão agressiva da esfera garantida por norma fundamental (e por diversos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil). Limita-se em tal caso a autorizar a interceptação nos crimes perpetrados por meio do telefone e/ou telemática. Também não cuida de identificar ou criar definições para as pessoas que podem ser alvo do monitoramento.
Destoando de legislações estrangeiras que cuidam de proibir, em regra, o uso do monitoramento para a investigação de outros crimes que não aqueles para os quais fora autorizado, o Anteprojeto parece abrir as portas para os elementos de prova fortuitos obtidos no bojo de uma interceptação autorizada judicialmente. Sim, porque ao se limitar a determinar o envio do material obtido ao Ministério Público para providências, trai a própria disciplina legal que exige decisão determinada, motivada e com necessidade demonstrada para a autorização da interceptação.
Nessa linha, outro ponto que merece especial atenção radica-se no fato de o Anteprojeto permitir que o acusado sofra com a interceptação telefônica (cf. arts. 2º, parágrafo único; 4º, III; 5º, §4º, etc.). Embora parece curial, convém esclarecer: é perfeitamente compreensível que na fase das investigações, portanto, pré-processual, medidas cautelares sejam adotadas sem a audição do investigado. Ocorre, porém, que, instaurada a ação penal, momento em que se passa a considerar a figura do acusado, tudo deve ser produzido sob o crivo do contraditório. Se o Ministério Público ofereceu denúncia é porque tem o caso pronto, acabado. Se novos fatos surgirem estes devem ser investigados em autos próprios, mas não no bojo da ação penal onde tudo, insista-se, deve ser feito às claras. O argumento de que pode haver apuração conectada com os fatos objeto da ação penal mostra apenas o açodamento no oferecimento da denúncia. Na pior das hipóteses, pode-se apenas admitir a instauração de outro procedimento investigatório, nunca, porém, no bojo da ação penal. Convém advertir, para finalizar, que a denúncia demarca os fatos definindo o campo acusatório. Se os fatos puderem ser ampliados indefinidamente, o processo penal se desnaturará.
O Anteprojeto, igualmente, apresenta tipos penais de redação obscura e até ininteligível, em clara violação à clareza exigida pelo princípio da legalidade penal (art. 5º, XXXIX, CF), sem falar na ausência de previsão de causas de aumento ali onde as condutas são muito mais graves seja pelo ofício do agente, seja pelo meio de violação da norma proibição.
Por fim, o Anteprojeto não prevê aquilo que no Anteprojeto chefiado pela professora Ada Pellegrini Grinover se chamou de Incidente Processual, um prazo para o defensor do investigado/indiciado ter acesso ao material obtido com a interceptação de modo a poder orientar seu cliente, inclusive quanto ao direito de permanecer calado (CF, art. 5º, inc.LXIII).
III. Análise do Anteprojeto com comentários por artigos:
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º Esta Lei disciplina a quebra, por ordem judicial, do sigilo das comunicações telefônicas de qualquer natureza, para fins de investigação criminal e instrução processual penal.
§ 1º Para os fins desta Lei, considera-se quebra do sigilo das comunicações telefônicas de qualquer natureza, todo ato que intervém no curso dessas comunicações com a finalidade de conhecer as informações que estão sendo transmitidas, incluindo a interceptação, escuta e gravação.
§ 2º O registro, a análise e a utilização da informação contida nas comunicações, objeto de quebra de sigilo por ordem judicial, sujeitam-se, no que couber, ao disposto nesta Lei.
§ 3º O disposto nesta Lei aplica-se ao fluxo de comunicações em sistemas de tecnologia da informação e telemática.
Isto quer dizer que também deve ser previsto um procedimento de registro e apresentação das comunicações de informação e telemática interceptadas. O Anteprojeto, todavia, é absolutamente silente quanto a tal registro.
Art. 2º A quebra do sigilo das comunicações telefônicas de qualquer natureza é admissível para fins de investigação criminal e instrução processual penal relativas aos crimes apenados com reclusão e, na hipótese de crime apenado com detenção, quando a conduta delituosa tiver sido realizada por meio dessas modalidades de comunicação.
1. Deveria ser acrescentado, logo no início: A quebra do sigilo das comunicações telefônicas e do fluxo de comunicações em sistemas de tecnologia da informação e telemática [...].
2. A equipe do doravante denominado Anteprojeto Ada (Ada PELLEGRINI GRINOVER, Antonio Carlos de Almeida Castro, Antonio Magalhães Gomes Filho, Antonio Scarance Fernandes e Luiz Guilherme Vieira, junho.2003) critica abertamente o caráter indiscriminado desta autorização estendendo a operação técnica indicada para qualquer tipo de crime, deixando de fora crimes punidos com detenção para os quais a interceptação se apresenta como o meio mais adequado de investigação, como na ameaça cometida por telefone. Esta última crítica encontra ressonância na proposta feita pelo grupo que expressamente admite a interceptação quando a conduta delituosa tiver sido realizada por meio dessas modalidades de comunicação.
2.1. O Anteprojeto Ada propunha um catálogo de crimes que admitiriam a interceptação: I terrorismo; II tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins; III tráfico de mulheres e subtração de incapazes; IV lavagem de dinheiro; V contra o sistema financeiro nacional; VI- contra a ordem econômica e tributária; VII contra a administração pública, desde que punidos com pena de reclusão; VIII falsificação de moeda; IX roubo, extorsão simples, extorsão mediante seqüestro, seqüestro e cárcere privado; X homicídio doloso; XI ameaça quando cometida por telefone; XII decorrente de organização criminosa.
2.2. Do catálogo dos crimes que o Anteprojeto Ada previa, sugeriria-se, de saída, a retirada do inciso XII, decorrente de organização criminosa, uma vez que não há definição legal, em nosso sistema, desse crime. O seu emprego no sentido leigo tem causado inúmeros problemas hermenêuticos, com a aplicação da norma sem um substrato normativo mínimo, tal qual exigido pelo princípio constitucional da legalidade penal (art. 5º, XXXIX, CF),[1] como tem acontecido no caso dos crimes de lavagem de capitais praticados por organizações criminosas. Assim, tudo aconselha a supressão desta previsão, até que o legislador defina, na forma constitucionalmente exigida, o que seja, em nosso sistema, organização criminosa.
O mesmo vale para o inciso I, terrorismo, que não tem definição legal em nosso sistema e poderia gerar o uso leigo do termo, tal qual acabou ocorrendo com a organização criminosa.
2.3 Igualmente, se adotada a idéia de um catálogo de crimes, parece exagerada a inclusão de quaisquer crimes tributários dentre os que autorizam a medida. Isto porque, por exemplo, há crimes contra a ordem tributária que são considerados infrações de menor potencial ofensivo (cf. artigo 2º da Lei n. 8.137/90) e outros contra a ordem econômica punidos com a pena de multa alternativa (mesmo diploma legal). Não parece proporcional e é contraditório que infrações de menor potencial ofensivo, ou aquelas nas quais a suspensão condicional do processo é possível, possam, ao mesmo tempo, autorizar a medida investigativa mais invasiva do sistema.
2.4 Por outro lado, crimes como o tráfico ilegal de armas e o genocídio, previstos no catálogo alemão, português e italiano, não foram abarcados pelo Anteprojeto Ada.
3. Alemanha, Portugal e Itália prevêem expressamente a lista de crimes para os quais está autorizada a medida de interceptação. Nos três sistemas, os crimes do catálogo são os da maior gravidade, em geral com pena máxima superior a 3 anos (Portugal) e 5 anos (Itália), crimes relativos a substâncias entorpecentes, contra o Estado Democrático, relativos a terrorismo e armas, contrabando, falsificação de moeda, homicídio, genocídio. Além destes, na Itália e em Portugal também se autoriza a interceptação nos crimes de injúria, ameaça, distúrbio da vida alheia cometidos através de meio telefônico.
A Espanha tem uma disciplina legal muito singela, tendo sido freqüentemente criticada pela Corte Européia de Direitos Humanos e pela própria Corte Constitucional espanhola.
A Corte Constitucional espanhola manifestou-se, em 2003, no seguinte sentido: la insuficiencia de su regulación sobre el plazo máximo de duración de las intervenciones, puesto que no existe un límite de las prorrógas que se pueden acordar; la delimitación de la naturaleza y gravedad de los hechos em virtude de cuya investigación pueden acordarse; el control del resultado de las intervenciones telefónicas y de los soportes en los que conste dicho resultado, es decir, las condiciones de grabación, y custodia, utilización y borrado de las grabaciones, y las condiciones de incorporación a los atestados y al proceso de las conversaciones intervenidas (sentencia del Tribunal Constitucional 184/2003, de 23 octubre, Fj5).[2] Nesta mesma sentença, inclusive, o Tribunal Constitucional espanhol instou o legislador a remediar a situação por meio da edição de uma lei que delimite e regulamente minuciosamente o procedimento.
Já a Corte Européia de Direitos Humanos declarou, inclusive, que o artigo 579 fere o contido no artigo 8 da Convenção Européia de Direitos Humanos (cfr., dentre outras, a sentença n. 943/1988, de 30 de julho, caso Venezuela Contreras).
Os sistemas jurídicos que estabelecem um catálogo de delitos passíveis da utilização da interceptação telefônica para fins de investigação têm caráter mais restritivo. Padecem, porém, da possibilidade de não contemplar práticas altamente nocivas e, assim, desproteger a sociedade. Sirva de exemplo o rumoroso caso da falsificação de remédios. Também não se exclui a possibilidade de ser adotado um catálogo tão amplo que desfigure a sua razão de ser.
Nessa conformidade, a despeito das críticas que se erguem, o apenamento com reclusão, tal como alvitrado no Anteprojeto sob exame, parece ser suficiente para se definir a possibilidade de se determinar a investigação mediante interceptação. Nessa linha, porém, é inadmissível que todo e qualquer crime apenado com detenção admita o emprego da interceptação, ainda que praticado por meio telefônico ou telemático. Tal regramento abre as portas para que investigue sempre (e em todos os casos) por meio de interceptação. Talvez, a única exceção que se pudesse abrir, tal como alvitrava o Anteprojeto Ada, seria para o crime de ameaça e nada mais.
Parágrafo único. Em nenhuma hipótese poderão ser utilizadas as informações resultantes da quebra de sigilo das comunicações entre o investigado ou acusado e seu defensor, quando este estiver atuando na função.
1. No Anteprojeto Ada, a posição era mais garantidora, sequer se permitindo tal tipo de interceptação. Conforme o artigo 3º: As operações referidas nos artigos anteriores [interceptação telefônica e ambiental] não serão permitidas, em qualquer hipótese, quando se tratar de comunicações entre o suspeito ou acusado e o seu defensor. O mesmo sucede em Portugal, onde o CPP prevê em seu artigo 189, n. 3, que é proibida a interceptação e a gravação de conversações ou comunicações entre o argüido e seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que elas constituem objecto ou elemento do crime.
2. A Itália segue a mesma linha deste Anteprojeto, proibindo a utilização das interceptações entre tais pessoas (art. 271, n. 2).
Sugere-se aqui a adoção da redação do Anteprojeto Ada com o acréscimo de outras profissões ou funções que estejam protegidas pelo sigilo de suas atividades (médicos, padres e outros).
Art. 3º A gravação de conversa própria, com ou sem conhecimento do interlocutor, não se sujeita às disposições desta Lei.
1. Melhor a disciplina do Anteprojeto Ada: Art. 4º. Não se sujeita a esta lei a gravação de conversa própria, sem conhecimento do interlocutor, por telefone ou por outros meios, mas sua divulgação só será permitida para o exercício regular de um direito.
CAPÍTULO II
DO PROCEDIMENTO
Art. 4º O pedido de quebra de sigilo das comunicações telefônicas de qualquer natureza será formulado por escrito ao juiz competente, mediante requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial, ouvido, neste caso, o Ministério Público, e deverá conter:
1. A equipe do Anteprojeto Ada propõe que também o acusado/investigado possa requerer ao Juiz a quebra como meio e produzir provas para a sua defesa; o mesmo vale para o ofendido ou seu representante legal (art. 5º, § 2º) e parece mais do que razoável tal possibilidade.
I a descrição precisa dos fatos investigados;
Melhor seria a seguinte redação:
I a descrição precisa dos fatos investigados, vedada a generalidade;
Embora possa parecer redundante (e o é) a vedação à generalidade logo após a exigência de descrição precisa dos fatos, o fato é que se tem verificado desprezo a expressões que muitas vezes sejam claras, mas acabam recebendo tratamento inadequado na praxe forense.
II a indicação da existência de indícios suficientes da prática do crime objeto da investigação;
1. Sugere-se a substituição da palavra indicação pela palavra demonstração. Não basta a simples afirmação de que existem indícios, é necessário que o magistrado os tenha e mãos, para avaliar se são ou não suficientes e consistentes e para posterior controle judicial sobre a correção e motivação concreta da decisão que decreta ou prorroga a quebra. Até porque, como será visto adiante, propõe-se a inserção, neste Anteprojeto de um artigo que determine a interrupção da medida quando se provar infrutífera.
III a qualificação do investigado ou acusado, ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, salvo impossibilidade manifesta devidamente justificada;
1. O Tribunal Constitucional espanhol entende que, para que a legislação interna supere o mínimo exigido pela Corte Européia de Direitos Humanos, é necessário: 1) definir as categorias de pessoas suscetíveis de ser submetidas a escuta judicial; b) definir a natureza das infrações suscetíveis de darem lugar à escuta; c) fixação de um limite de duração da execução da medida; d) regulação do procedimento de trasncrição das conversações interceptadas; e) fixação das precauções para comunicar, intactas e compltas, as gravações realizadas para os fins de controle evetual pelo juiz e pela defesa; f) fixação das circunstâncias nas quais pode ou deve proceder-se à destruição das gravações.[3]
2.Na disciplina da lei processual penal alemã (StPO), a interceptação só pode envolver determinadas pessoas (§ 100-a, último parágrafo): contra o investigado/acusado ou contra pessoas das quais se deve suspeitar fundamentadamente, com base em fatos, que recebam ou transmitam para o investigado/acusado determinadas comunicações ou comunicações dele provenientes, ou que o investigado/acusado utiliza em sua comunicação.
3.As legislações de Portugal, Espanha e Itália não determinam quais pessoas poderão ser submetidas à medida. Todavia, como se viu, a Corte Européia de Direitos Humanos tem exigido o estabelecimento desse limite.
IV a demonstração de ser a quebra de sigilo da comunicação estritamente necessária e da inviabilidade de ser a prova obtida por outros meios; e
V a indicação do código de identificação do sistema de comunicação, quando conhecido, e sua relação com os fatos investigados.
Art. 5º O requerimento ou a representação será distribuído e autuado em separado, sob segredo de justiça, devendo o juiz competente, no prazo máximo de vinte e quatro horas, proferir decisão fundamentada, que consignará de forma expressa, quando deferida a autorização, a indicação:
1. Não há razão para atribuir um prazo tão curto ao juiz para decidir, especialmente se for a primeira decisão, que é muito delicada e que depende de diversas variáveis e elementos de prova abaixo indicados, o que recomenda menos pressa e mais calma. Obviamente que um pedido dessa natureza não deve ficar indefinidamente pendente de decisão, mas parece ser desnecessária a pressa que, no caso, presta desserviço à gravidade dos direitos fundamentais em jogo (injustiça célere, rapidez processual que solapa as garantias processuais). 48 horas parece-nos um prazo razoável.
I dos indícios suficientes da prática do crime;
1.Prática do crime parece deixar muito em aberto o objeto da investigação. Como todo o controle de necessidade e proporcionalidade da medida, as razões para sua necessária interrupção, o conhecimento fortuito e as pessoas que poderão ser objeto da medida dependem justamente da delimitação do âmbito da interceptação, parece ser mais recomendável que o magistrado bem delimite esse âmbito, indicando quais são os crimes investigados, para os quais se autoriza a medida com exclusividade. Do contrário, será impossível o controle do conhecimento fortuito e mesmo da livre distribuição que deveria ocorrer nos crimes não conexos descobertos fortuitamente em interceptações.
II dos indícios suficientes de autoria ou participação no crime, salvo impossibilidade manifesta devidamente justificada;
III do código de identificação do sistema de comunicação, quando conhecido, e sua relação com os fatos investigados; e
IV do prazo de duração da quebra do sigilo das comunicações.
§ 1º O prazo de duração da quebra do sigilo das comunicações não poderá exceder a sessenta dias, permitida sua prorrogação por iguais e sucessivos períodos, desde que continuem presentes os pressupostos autorizadores da medida, até o máximo de trezentos e sessenta dias ininterruptos, salvo quando se tratar de crime permanente, enquanto não cessar a permanência.
1.Segundo o StPO alemão, a interceptação poderá durar, no máximo, 3 meses; sendo admissível uma prorrogação de, no máximo, mais 3 meses, desde que perdurem as condições estabelecidas no § 100-a (§ 100-b, n.2).
Segundo a Ley de Enjuiciamento Criminal espanhola, a interceptação poderá ser decretada pelo prazo de 3 meses, prorrogáveis por iguais períodos (art. 579, n.3). Bom lembrar, todavia, que o Tribunal Constitucional Espanhol já se manifestou a respeito, em 2003, observando la insuficiencia de su regulación sobre el plazo máximo de duración de las intervenciones, puesto que no existe un límite de las prorrógas que se pueden acordar (sentencia del Tribunal Constitucional 184/2003, de 23 octubre, Fj5).[4]
Na Itália, o período de interceptação não pode superar 15 dias, mas pode ser prorrogado motivadamente pelo juiz por períodos sucessivos de 15 dias (art. 267, n. 3, CPP).
2.Eis a redação proposta no Anteprojeto Ada:
Art. 9º. O juiz fixará a duração das operações até o prazo de 15 dias, renovável por igual período, desde que continuem presentes os pressupostos autorizadores da medida.
§ 1º. Após a primeira renovação, as demais, por igual período, dependerão da verificação da excepcionalidade do caso concreto, baseada na apresentação ao juiz competente de relatório circunstanciado a respeito do resultado das operações já desenvolvidas, não podendo, contudo, o prazo máximo das operações técnicas exceder a 60 dias, exceto quando se tratar de investigação relativa a crime permanente, enquanto não cessar a permanência.
§ 2º. Para cada prorrogação, será necessária nova ordem judicial, devidamente motivada, observado o disposto no artigo 6o. (grifei).
3. Para os crimes permanentes, todavia, a interceptação não terá prazo, como sucederá, por exemplo, para investigação do crime de lavagem de capitais, acaso se decida pela ausência de um catálogo de crimes nos quais a interceptação é autorizada ou, existindo tal catálogo, a lavagem de capitais esteja entre eles.
4.O prazo máximo de um ano parece excessivo. Das legislações analisadas que estabelecem um prazo, nenhuma permite monitoramento tão longo. A Corte Européia de Direitos Humanos e o Tribunal Constitucional espanhol entendem que deve ser estabelecido em lei um prazo determinado para o monitoramento, pena de violação da reserva legal em matéria penal e de proteção de direitos fundamentais.
5.Nessa conformidade, é de se observar que o Projeto de Lei nº 1.258 de 1995, ora em trâmite na Câmara dos Deputados sob a relatoria do Deputado Francisco Tenório é mais garantista. Seu artigo 5º, cuja redação referendamos, tem a seguinte expressão: A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de trinta dias, renovável uma única vez por igual período, quando comprovada a indispensabilidade do meio de prova.
Na seqüência, o §1º, lista crimes que, em razão da sua natureza, o prazo é indeterminado. Melhor seria, como no Anteprojeto Ada, exprimir-se que nos crimes permanentes a interceptação pode durar enquanto persistir a permanência. Assim, abarcam-se várias hipóteses de crimes e se confina a escuta ao lapso em que o crime se protrai no tempo.
5. O limite máximo da interceptação e a ponderação de valores constitucionais
A previsão de um ano como limite máximo da interceptação desacompanhada, como está, neste Anteprojeto, de quaisquer normas regulando o incidente probatório para submissão da prova assim colhida ao contraditório conduz a uma intolerável violação do direito fundamental à intimidade e às garantias do due process of law, especialmente na vertente de que quaisquer limitações a direitos fundamentais têm de estar determinadas em lei.
Exemplificamos com um caso concreto no qual foram interceptadas aproximadamente 20 linhas telefônicas por aproximadamente 1 ano e 11 meses. O material de áudio produzido foi de aproximadamente 200 Gigabytes. Empresa especializada examinou o material e concluiu que os arquivos de áudio continham 15.000 horas de gravação, equivalente a 1875 dias úteis (de 8 horas de trabalho), ou mais de 5 anos (com 365 dias de trabalho) para serem ouvidas.
A Polícia Federal estima que cada hora de áudio de conversas telefônicas em português leva 10 horas para ser transcrita.
A empresa privada consultada, devido à necessidade de revisão, estima em 12 a 16 horas de trabalho para a transcrição de uma hora de conversa gravada.
No caso concreto acima referido, a empresa estimava em 15,6 anos o tempo necessário para a transcrição, com uma estimativa inicial de custo de 4,5 milhões de reais.
Aos acusados não foi dado sequer dois meses para ouvirem o material gravado. Na verdade e a rigor, os cálculos matemáticos demonstram que seriam necessários 5 anos para a oitiva do monitoramento. Prazo este que deveria, por imperativo constitucional, ser concedido aos acusados e seus defensores para ter efetivo acesso à prova.
Assim, sendo, se não se quiser inviabilizar o exercício da garantia constitucional da defesa e do contraditório, que traria a pecha de inconstitucionalidade à lei, após a conclusão da interceptação, a Polícia Federal deverá calcular quantas horas de áudio foram gravadas, para que o juiz, dividindo tal número por dias úteis com jornada de trabalho de 40 horas semanais, conceda aos investigados/acusados e ao órgão da acusação esse exato tempo para que examinem o material e apontem os diálogos que querem ver transcritos.
A solução, é verdade, causaria sérios problemas à atividade persecutória, pois retardaria sobremaneira o desfecho da ação penal ou a instrução processual penal.
Assim, se não se quer arcar com estes perigos, é de rigor estabelecer um prazo mais reduzido para a interceptação, sempre, porém, com uma disciplina clara do incidente probatório de submissão do material de áudio colhido ao contraditório.
Esta parece-nos ser a única solução que compatibiliza, de um lado, o interesse público na investigação de delitos graves e, de outro, as garantias fundamentais do due process of law.
O Anteprojeto Ada propõe todo um capítulo dedicado ao Incidente Probatório que consideramos fundamental, absolutamente essencial, em qualquer proposta que cuide do tema das interceptações. Não só na forma de uma nova disciplina, como sugerido neste Anteprojeto, mas até mesmo como uma reforma à atual Lei n. 9.296/96.
Em sintonia com a limitação das interceptações a um máximo de 60 dias, o artigo 16 do Anteprojeto Ada atribuía o prazo mínimo de 10 dias para que as partes pudessem examinar os autos circunstanciados, escutar as gravações e, então, indicar os trechos cuja transcrição pretendem, que será determinada pelo juiz.
Deve-se prever um incidente probatório, com obrigação de intimação do inv
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