19/03/2014
Críticas duras à medida do governo

Críticas duras à medida do governo

19 de março de 2014


O jurista Ives Gandra Martins acompanha de perto o desenrolar da Medida Provisória 627. A seguir, sua opinião.

Diário do Comércio – Qual a sua análise sobre a MP 627, em tramitação no Congresso?

Ives Gandra – A MP está gerando uma instabilidade jurídica porque impõe critérios de uma contabilidade universal para uma legislação específica de contabilidade tributária. São duas linguagens que, apesar de haver alguns pontos em comum, são muito distintas. Possuem aspectos diferentes em função da sua finalidade. A legislação tributária para imposto de renda objetiva exclusivamente verificar se houve ‘aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica’. Enquanto a legislação contábil dá um retrato empresarial das movimentações e de patrimônio de uma empresa. Pelo fato de a MP ser uma legislação ordinária, não poderia contrariar o artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN), que é lei com eficácia de lei complementar. Esse atropelo vai gerar muita discussão judicial.

DC – O senhor poderia dar um exemplo de insegurança jurídica provocada pela norma?

Ives Gandra – Uma pessoa física que possui ação de uma companhia estrangeira. Pelo texto da MP, haverá tributação mesmo que não haja a distribuição do lucro. O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) sobre o tema, já havia decidido que as empresas coligadas não podem ser tributadas. No caso das empresas controladoras, a matéria continua em discussão. Com a MP, o governo retoma o assunto com a pretensão de tributar o lucro de todas as empresas, inclusive de controladas ou coligadas indiretas, como de uma empresa estrangeira que tem como acionista empresa brasileira, mesmo que não disponibilizado, ou seja, não distribuído.

DC – Como, então, adotar critérios de uma contabilidade com bases universais sem gerar conflito como o atual?

Ives Gandra – Modificando o conceito de renda contido no CTN por uma lei complementar. O artigo 43 diz: O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica. A MP estabelece ainda a tributação de algo que não foi disponibilizado nem no exterior. É da mais forte inconstitucionalidade a retroatividade, vale dizer, a cobrança do passado, visto que se trata de cláusula pétrea. Mais um exemplo: uma empresa estrangeira que distribui lucros para outra empresa estrangeira, esta controlada ou coligada a empresa nacional, o lucro da segunda empresa estrangeira não disponibilizado nem para a outra empresa estrangeira, terminaria por ser tributado no Brasil.

Diário do Comércio – SP
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