08/05/2014
CORTE ESPECIAL DO STJ - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS TÊM NATUREZA ALIMENTAR NA HABILITAÇÃO DE FALÊNCIAS.



CORTE ESPECIAL DO STJ - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS TÊM NATUREZA ALIMENTAR NA HABILITAÇÃO DE FALÊNCIAS.

STJ assegurou natureza alimentar para todo campo civil, inclusive penhoras, preferência de falências e alimentos.
Quinta-feira, 8 de maio de 2014
A Corte Especial do STJ decidiu nesta quarta-feira, 7, por maioria, que os honorários advocatícios equiparam-se aos créditos trabalhistas na habilitação de falências, sendo, portanto, pagos com prioridade sobre os demais créditos, inclusive sobre os créditos tributários.
O voto condutor do julgamento foi prolatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, e assegura natureza alimentar para todo campo civil, inclusive penhoras, preferência de falências e alimentos.
Colacionando diversas jurisprudências, o ministro concluiu que "parece mesmo ser o mais acertado e consentâneo com a jurisprudência recente do Supremo e desta Corte, no sentido de que os honorários advocatícios, sucumbenciais ou contratuais, dada sua natureza alimentar, devem ser equiparados a crédito trabalhista, para efeito de habilitação na falência."
O ministro Salomão ponderou que, por força da equiparação, há limite de valor para o recebimento, "tal como ocorre com os credores trabalhistas", de acordo com o preconizado no art. 83 da lei de recuperação judicial e falência (11.101/05). "Esse fator inibe qualquer possibilidade de o crédito de honorários obter mais privilégio que o trabalhista, afastando também suposta alegação de prejuízo aos direitos dos obreiros."
Ao destacar que os credores da falida não se confundem com os credores da massa falida, o ministro Luis Felipe Salomão, para evitar dúvida futura, ressaltou que a atualização da jurisprudência perfilhada na súmula 219 da Corte à nova lei de falência "conduz à solução segundo a qual os serviços prestados à massa falida após a decretação da falência são créditos extraconcursais (arts. 84 e 149 da lei 11.101/05), que devem ser satisfeitos antes, inclusive, dos trabalhistas, à exceção do que dispõe o art. 151."
A OAB atuou no processo na condição de amicus curiae, em manifestação subscrita pelo presidente Marcus Vinicius Furtado Coêlho. “Essa é uma vitória que reafirma a indispensabilidade da advocacia para a Justiça."
• Processo relacionado : REsp 1152218

VEJA A ÍNTEGRA DO VOTO S SEGUIR.
(Migalhas)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.152.218 - RS (2009/0156374-4)

RECORRENTE : JOSÉ EUCLÉSIO DOS SANTOS E OUTROS
ADVOGADO : JOSÉ EUCLESIO DOS SANTOS (EM CAUSA PRÓPRIA) E OUTROS
RECORRIDO : KREYBEL EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA - MASSA FALIDA
ADVOGADO : DERLY GARCIA XAVIER - ADMINISTRADOR JUDICIAL
INTERES. : ROSA MARIA CASELAMI
ADVOGADOS : JOSÉ EUCLESIO DOS SANTOS
ALEXSANDER MARTINS DA SILVA
CERES LINCK DOS SANTOS
VIVIAN K VIEIRA DE CARVALHO
JUAREZ GIACOBBO DE SOUZA





RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Valdemar Roque Caselani e Rosa Maria Caselani, por intermédio de seus procuradores, Drs. Ceres Linck dos Santos e José Euclésio dos Santos, ajuizaram pedido de habilitação de crédito perante a falência de Kreybel Empreendimentos Imobiliários Ltda., no valor de R$ 89.968,42 (oitenta e nove mil novecentos e sessenta e oito reais e quarenta e dois centavos), reconhecido em sentença transitada em julgado e relativo a contrato de compra e venda de imóvel inadimplido pela falida.
O Juízo da Vara de Falências e Concordatas da Comarca de Porto Alegre/RS julgou procedente o pedido de habilitação, embora em valor inferior, condenando também a massa falida aos honorários de sucumbência no importe de R$ 6.935,29 (seis mil novecentos e trinta e cinco reais e vinte nove centavos), determinando a habilitação do crédito principal na categoria dos quirografários e o outro - relativo aos honorários de sucumbência - na categoria de crédito com privilégio geral (fls. 50-54).
Sobreveio recurso de apelação, exclusivamente no ponto relativo à classe na qual foi deferida a habilitação do crédito de honorários advocatícios. Os advogados dos autores pleitearam, assim, a habilitação como crédito com privilégio especial e não geral, como determinou a decisão impugnada.
A sentença foi mantida nos termos da seguinte ementa:
FALÊNCIA. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PRIVILÉGIO GERAL.
O crédito oriundo de honorários advocatícios, proveniente de decisão judicial, com trânsito em julgado, tem privilégio geral. Apelação desprovida (fl. 96).

O recurso especial, apoiado nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, aponta, além de dissídio, ofensa ao art. 24 da Lei n. 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia) e art. 102, caput, do Decreto-lei n. 7.661/1945 (Lei de Falência revogada).
Os recorrentes aduzem, em síntese, que os honorários advocatícios são créditos de natureza alimentar, não podendo ser classificados como aqueles com privilégio geral.
Como dissídio, colacionam precedentes que conferiram aos honorários advocatícios a natureza de crédito alimentar e, na falência, natureza análoga aos trabalhistas.
O recurso especial foi admitido às fls. 148-150 e, ascendendo os autos a esta Corte, reconheci a multiplicidade de recursos a versar o tema tratado nos autos, alusivo à ordem na qual os créditos resultantes de honorários advocatícios devem ser satisfeitos no processo falimentar, razão pela qual o afetei para julgamento pelo rito do art. 543-C do CPC (fls. 136-137).
O Ministério Público Federal, mediante parecer subscrito pelo ilustre Subprocurador-Geral da República João Pedro de Saboia Bandeira de Mello Filho, opinou pelo não provimento do recurso (fls. 130-132).
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), na condição de amicus curiae e em manifestação subscrita por seu Presidente, Dr. Marcus Vinicius Furtado Coêlho, sustenta a "natureza alimentar dos honorários e sua equiparação aos créditos trabalhistas para todos os efeitos, inclusive para habilitação no processo falimentar" (fls. 214-232).
É o relatório.





RECURSO ESPECIAL Nº 1.152.218 - RS (2009/0156374-4)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : JOSÉ EUCLÉSIO DOS SANTOS E OUTROS
ADVOGADO : JOSÉ EUCLESIO DOS SANTOS (EM CAUSA PRÓPRIA) E OUTROS
RECORRIDO : KREYBEL EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA - MASSA FALIDA
ADVOGADO : DERLY GARCIA XAVIER - ADMINISTRADOR JUDICIAL
INTERES. : ROSA MARIA CASELAMI
ADVOGADOS : JOSÉ EUCLESIO DOS SANTOS
ALEXSANDER MARTINS DA SILVA
CERES LINCK DOS SANTOS
VIVIAN K VIEIRA DE CARVALHO
JUAREZ GIACOBBO DE SOUZA




EMENTA











VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. A controvérsia a ser analisada diz respeito à classificação do crédito relativo a honorários advocatícios, mais precisamente a correta interpretação do art. 24 da Lei n. 8.906/1994, que tem o seguinte teor:
Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.

A posição defendida pela OAB é a de que o "crédito privilegiado" a que se refere o mencionado dispositivo legal deve ser entendido como equivalente aos trabalhistas, ao passo que a tese abraçada nas instâncias ordinárias é no sentido de que o crédito de honorários advocatícios deve ser classificado como contando com privilégio geral.
Em razão de o processo dizer respeito a matéria comum a todas as Seções - vale dizer, discussão acerca de honorários advocatícios -, afetei o julgamento à Corte Especial, como determina o art. 2º da Resolução n. 8/2008 do STJ.
Isso porque quando o crédito relacionado a honorários advocatícios é confrontado com crédito fiscal, por exemplo, os feitos são distribuídos às Turmas da Primeira Seção, como demonstram vários precedentes (e.g. REsp 1068838/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Rel. p/ Acórdão Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/11/2009, DJe 04/02/2010; REsp 1184770/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/04/2010, DJe 19/05/2010).
De outra parte, em relação ao alcance das teses eventualmente sufragadas por este colegiado no julgamento do presente recurso, muito embora a controvérsia tenha se instalado no âmbito de falência regida ainda pelo Decreto-lei n. 7.661/1945, o entendimento eventualmente adotado é transcendente. Primeiro porque o cerne da controvérsia é mesmo o art. 24 da Lei n. 8.906/1994. Segundo, a atual lei de regência do processo falimentar (Lei n. 11.101/2005) manteve a essência do diploma revogado, no que concerne à posição dos créditos trabalhistas e daqueles com privilégio geral e especial.
Nesse sentido, dispunha o art. 102 do Decreto-Lei n. 7.661/1945:
Art. 102. Ressalvada a partir de 2 de janeiro de 1958, a preferência dos créditos dos empregados, por salários e indenizações trabalhistas, sôbre cuja legitimidade não haja dúvida, ou quando houver, em conformidade com a decisão que fôr proferida na Justiça do Trabalho, e, depois dêles a preferência dos credores por encargos ou dívidas da massa (art. 124), a classificação dos créditos, na falência, obedece à seguinte ordem:
I – créditos com direitos reais de garantia;
II – créditos com privilégio especial sôbre determinados bens;
IIl – créditos com privilégio geral;
IV – créditos quirografários
§ 1º Preferem a todos os créditos admitidos à falência a indenização por acidente do trabalho e os outros créditos que, por lei especial, gozarem essa prioridade.
§ 2º Têm o privilégio especial;
I – os créditos a que o atribuírem as leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta lei;
II – os créditos por aluguel de prédio locado ao falido para seu estabelecimento comercial ou industrial, sôbre o mobiliário respectivo:
III – os créditos a cujos titulares a lei confere o direito de retenção, sôbre a coisa retida; o credor goza, ainda do direito de retenção sôbre os bens móveis que se acharem em seu poder por consentimento do devedor, embora não esteja vencida a dívida, sempre que haja conexidade entre esta e a coisa retida, presumindo-se que tal conexidade entre comerciantes resulta de suas relações de negócios.
§ 3º Têm privilégio geral:
I – os créditos a que o atribuírem as leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta lei;
II – os créditos dos Institutos ou Caixas de Aposentadoria e pensões, pelas contribuições que o falido dever.
§ 4º São quirografários os créditos que, por esta lei, ou por lei especial, não entram nas classes I, II e III deste artigo e os saldos dos créditos não cobertos pelo produto dos bens vinculados ao seu pagamento.
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O art. 83 da Lei n. 11.101/2005, à sua vez, tem a seguinte redação:
Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:
I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;
II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado;
III – créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias;
IV – créditos com privilégio especial, a saber:
a) os previstos no art. 964 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002;
b) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei;
c) aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de retenção sobre a coisa dada em garantia;
V – créditos com privilégio geral, a saber:
a) os previstos no art. 965 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002;
b) os previstos no parágrafo único do art. 67 desta Lei;
c) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei;
VI – créditos quirografários, a saber:
a) aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo;
b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento;
c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo;
VII – as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias;
VIII – créditos subordinados, a saber:
a) os assim previstos em lei ou em contrato;
b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício.
§ 1o Para os fins do inciso II do caput deste artigo, será considerado como valor do bem objeto de garantia real a importância efetivamente arrecadada com sua venda, ou, no caso de alienação em bloco, o valor de avaliação do bem individualmente considerado.
§ 2o Não são oponíveis à massa os valores decorrentes de direito de sócio ao recebimento de sua parcela do capital social na liquidação da sociedade.
§ 3o As cláusulas penais dos contratos unilaterais não serão atendidas se as obrigações neles estipuladas se vencerem em virtude da falência.
§ 4o Os créditos trabalhistas cedidos a terceiros serão considerados quirografários.
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3. Há dois entendimentos acerca da posição que o crédito resultante de honorários advocatícios deve assumir em processo falimentar, mercê da previsão de privilégio a que faz menção o art. 24 da Lei n. 8.906/1994.
O primeiro abraça a tese de que os créditos decorrentes de honorários advocatícios equiparam-se a créditos trabalhistas. No sentido desse primeiro entendimento, colho, entre outros, os seguintes precedentes:
FALÊNCIA - HABILITAÇÃO DE CRÉDITO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA - NATUREZA TRABALHISTA-ALIMENTAR.
- Na falência, a habilitação do crédito por honorários advocatícios equipara-se ao trabalhista-alimentar e deve ser habilitado na mesma categoria deste.
(REsp 793.245/MG, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/03/2007, DJ 16/04/2007, p. 188)
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DIREITO FALIMENTAR. CONCURSO DE CREDORES. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONTRATO POR VALOR FIXO. NATUREZA ALIMENTAR. PRIVILÉGIO ESPECIAL. EQUIVALÊNCIA A SALÁRIOS.
- Os recentes precedentes da Primeira Seção do STJ acerca da ausência de caráter alimentar dos honorários de sucumbência não se aplicam aos honorários contratados por valor fixo, que mantém sua natureza alimentar, não obstante a Emenda Constitucional nº 30/2000.
- A natureza alimentar dos honorários autoriza sua equiparação a salários, inclusive para fins de preferência em processo falimentar.
- Esse entendimento não é obstado pelo fato de o titular do crédito de honorários ser uma sociedade de advogados, porquanto, mesmo nessa hipótese, mantém-se a natureza alimentar da verba.
Recurso conhecido e provido.
(REsp 566.190/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/06/2005, DJ 01/07/2005, p. 514)
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AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. FALÊNCIA. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO. FALTA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO FALIDO E DO SÍNDICO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. CUMULAÇÃO DE CRÉDITOS TRABALHISTAS. CREDORES DISTINTOS. INOCORRÊNCIA DE TUMULTO PROCESSUAL. SÚMULA 283/STF. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. POSSIBILIDADE. RESISTÊNCIA DA PARTE CONTRÁRIA. INCLUSÃO DE VALORES CONTROVERTIDOS. SÚMULA 07/STJ.
[...]
(AgRg no REsp 958.620/SC, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 15/03/2011, DJe 22/03/2011)
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A segunda posição acerca do tema acolhe entendimento segundo o qual os créditos decorrentes de honorários advocatícios não são equiparados aos trabalhistas, a despeito de sua natureza alimentar: AgRg no REsp 1077528/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/10/2010, DJe 09/11/2010; AgRg no REsp 1101332/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 19/06/2012, DJe 28/06/2012; REsp 1068838/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Rel. p/ Acórdão Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/11/2009, DJe 04/02/2010; REsp 1184770/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/04/2010, DJe 19/05/2010.
4. Depois de muito refletir sobre o tema, e em revisão ao que sustentei por ocasião do julgamento do AgRg no REsp 1.077.528/RS, de minha relatoria, QUARTA TURMA, julgado em 19/10/2010, DJe 09/11/2010 (acima mencionado), o entendimento sufragado antes pela Corte Especial - não obstante versando sobre hipótese apenas assemelhada a que ora se examina - e também especificamente pela Terceira Turma, parece mesmo ser o mais acertado e consentâneo com a jurisprudência recente do Supremo e desta Corte, no sentido de que os honorários advocatícios, sucumbenciais ou contratuais, dada sua natureza alimentar, devem ser equiparados a crédito trabalhista, para efeito de habilitação na falência.
Nesse passo, acerca da natureza alimentar do crédito de honorários advocatícios, o Supremo Tribunal Federal, no multicitado RE 470.407, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 09/05/2006, definiu verbis:
CRÉDITO DE NATUREZA ALIMENTÍCIA - ARTIGO 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A definição contida no § 1-A do artigo 100 da Constituição Federal, de crédito de natureza alimentícia, não é exaustiva. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - NATUREZA - EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA. Conforme o disposto nos artigos 22 e 23 da Lei nº 8.906/94, os honorários advocatícios incluídos na condenação pertencem ao advogado, consubstanciando prestação alimentícia cuja satisfação pela Fazenda ocorre via precatório, observada ordem especial restrita aos créditos de natureza alimentícia, ficando afastado o parcelamento previsto no artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, presente a Emenda Constitucional nº 30, de 2000. Precedentes: Recurso Extraordinário nº 146.318-0/SP, Segunda Turma, relator ministro Carlos Velloso, com acórdão publicado no Diário da Justiça de 4 de abril de 1997, e Recurso Extraordinário nº 170.220-6/SP, Segunda Turma, por mim relatado, com acórdão publicado no Diário da Justiça de 7 de agosto de 1998 (DJ de 13/10/2006).
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Em relação ao tema em exame, a Corte Especial – muito embora em processo que dizia respeito a recebimento preferencial de precatório – acolheu o entendimento ora propugnado no julgamento do EREsp 706.331/PR, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, julgado em 20/02/2008, DJe 31/03/2008, cuja ementa é a seguinte:
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - SUCUMBÊNCIA - NATUREZA ALIMENTAR.
- Os honorários advocatícios relativos às condenações por sucumbência têm natureza alimentícia. Eventual dúvida existente sobre essa assertiva desapareceu com o advento da Lei 11.033/04, cujo Art. 19, I, refere-se a "créditos alimentares, inclusive alimentícios."
(EREsp 706331/PR, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/02/2008, DJe 31/03/2008)
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Nesse sentido, colho do voto proferido pelo saudoso Ministro Humberto Gomes de Barros os seguintes fundamentos:
Os honorários são a remuneração do advogado e - por isso - sua fonte de alimentos.
Não vejo como se possa negar essa realidade.
Por isso - e a experiência de advogado militante me outorga autoridade para dizê-lo - os honorários advocatícios têm natureza alimentar e merecem privilégio similar aos créditos trabalhistas.
De fato, assim como o salário está para o empregado e os vencimentos para servidores públicos, os honorários são a fonte alimentar dos causídicos. Tratá-los diferentemente é agredir o cânone constitucional da igualdade.
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Na mesma linha, tomo de empréstimo os fundamentos aduzidos pela e. Ministra Nancy Andrighi na relatoria do REsp 988.126/SP, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/04/2010:
Nos termos do art. 24, caput, da Lei 8.906/94, os honorários advocatícios são créditos privilegiados em face de concurso de credores, falência, liquidação extrajudicial, concordata e insolvência civil.
Na hipótese dos autos, o acórdão recorrido consignou que “no concurso de credores em questão o co-agravante só poderia satisfazer ser crédito [honorários advocatícios] depois do trabalhista” (fls. 160).
Adotar esse entendimento levar-se-ia à conclusão de que somente os salários, stricto sensu, são passíveis da proteção absoluta. Todavia, uma reflexão um pouco mais detida leva à conclusão oposta. As proteções conferidas ao salário, como a que ora se comenta, não foram estabelecidas pela lei de maneira meramente dogmática. Há, naturalmente, uma finalidade que a norma pretende atingir. No caso em tela, essa finalidade é garantir ao trabalhador que, na medida do possível, receba seus proventos, e, consequentemente, tenha garantida sua sobrevivência e a de sua família. Vale dizer: é o caráter alimentar do salário que justifica a proteção que a lei lhe concede. Ora, se do caráter alimentício também estão revestidos os honorários, não vejo motivo pelo qual não se deveria estender também a eles a proteção legal.
Note-se que, aqui, não estou a dizer que honorários e salários são figuras idênticas. Salário, nos termos dos arts 457 e 458 da CLT, é o rendimento auferido pelo empregado, como consequência pela prestação de serviços ao empregador, no âmbito de uma relação de emprego. A figura do salário é específica, e para sua caracterização devem estar presentes os requisitos dos arts. 2º e 3º da CLT. O que afirmo, em vez disso, é que na natureza alimentar, e somente nela, as figuras são afins.
Ora, se são figuras afins em sua natureza alimentar, o privilégio conferido pela Lei de Falências (arts. 102 do DL 7.661/45 e 83 da Lei 11.101/05) e pelo CTN (art. 186) aos salários deve ser estendido também aos honorários advocatícios, pois é exatamente isso que a lei visa a proteger.
Dessarte, assim como o salário está para o empregado e os honorários estão para os advogados, o art. 24 do EOAB deve ser interpretado de acordo com o princípio da igualdade. Vale dizer: os honorários advocatícios constituem crédito privilegiado, que deve ser interpretado em harmonia com a sua natureza trabalhista-alimentar.
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Portanto, o crédito decorrente de honorários advocatícios, exatamente por ostentar natureza alimentar, equipara-se a créditos trabalhistas para efeito de habilitação em falência.
Releva notar que, por força da equiparação, haverá o limite de valor para o recebimento - tal como ocorre com os credores trabalhistas -, na forma preconizada pelo artigo 83, I, da Lei de Recuperação Judicial e Falência.
Esse fator inibe qualquer possibilidade de o crédito de honorários obter mais privilegio que o trabalhista, afastando também suposta alegação de prejuízo aos direitos dos obreiros.
5. De resto, apenas uma ressalva se faz quanto a honorários decorrentes de serviços prestados à massa falida e diz respeito à correta exegese da Súmula 219/STJ: "Os créditos decorrentes de serviços prestados à massa falida, inclusive a remuneração do síndico, gozam dos privilégios próprios dos trabalhistas".
O mencionado verbete, editado no ano de 1999, ainda na égide do Decreto-Lei n. 7.661/1945, merece interpretação atualizada quanto às posições ocupadas pelos créditos trabalhistas, dívidas da falida e dívidas e encargos da massa falida, no âmbito do atual sistema normativo da falência (Lei n. 11.101/2005).
Cumpre ressaltar, brevemente, que os credores da falida não se confundem com credores da massa falida.
Os credores da falida são titulares de valores de origem anterior à quebra, que devem ser habilitados no quadro geral de créditos concursais pela regência da nova lei (art. 83 da Lei n. 11.101/2005).
As dívidas da massa falida, por sua vez, são créditos relacionados ao próprio processo de falência, nascidos, portanto, depois da quebra, e pelo atual sistema legal devem ser pagos antes dos créditos concursais (art. 84 da Lei n. 11.101/2005), com exceção dos créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores à decretação da falência, que serão pagos tão logo haja disponibilidade em caixa (art. 151 da Lei n. 11.101/2005).
Vale dizer, as dívidas da massa falida, no atual sistema, são pagas com precedência, inclusive, dos créditos trabalhistas, com exceção do que dispõe o art. 151.
Porém, no sistema da Lei n. 7.661/1945 a ordem de preferência era outra.
O caput do art. 102 era expresso ao prever o pagamento prioritário dos créditos dos empregados por salários e indenizações trabalhistas e só "depois deles a preferência dos credores por encargos ou dívidas da massa". Por isso a determinação contida na Súmula n. 219, que tinha o desiderato de antecipar para a classe dos créditos trabalhistas aqueles decorrentes de serviços prestados à massa falida, inclusive a remuneração do síndico, retirando tais créditos da classe de dívidas da massa, que deveriam ser satisfeitas posteriormente.
Nesse ponto, confira-se a fundamentação do leading case do tema, lançada no voto do e. Ministro Eduardo Ribeiro no REsp. n. 32.959/SP:
Admita-se, e a lei outra coisa não permite, que um crédito derivado de serviços prestados à massa não deva ser pago antes de outro, oriundo do trabalho de empregado da falida. Que o sejam, entretanto, em igualdade de condições. Note-se, ainda, que a administração da massa requer serviços de alta qualificação, como o de advogados e peritos, e também outros, modestíssimos. Assim, apenas como exemplo, a guarda dos bens do ativo, que exige serviços de vigilância, ou o seu transporte, quando se cuide realizar o leilão e seja necessário reuni-los. Tais trabalhos não podem deixar de ser remunerados e constituiria simples fantasia supor que os obreiros que disso se encarregassem houvessem de fazê-lo estimulados pela convicção de que desempenhavam um munus público.
Considero, em vista do exposto, que encargos e dívidas não podem ser atendidos antes dos créditos trabalhistas. Nessa última categoria, entretanto, se hão de ter como incluídos os oriundos da prestação de serviço à massa.
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Assim, evitando-se possível dúvida futura, a atualização da jurisprudência perfilhada na Súmula n. 219/STJ à nova Lei de Falência conduz à solução segundo a qual os serviços prestados à massa falida após a decretação da falência são créditos extraconcursais (arts. 84 e 149 da Lei n. 11.101/2005), que devem ser satisfeitos antes, inclusive, dos trabalhistas, à exceção do que dispõe o art. 151.
Esse entendimento deve ser ressaltado para que os honorários advocatícios resultantes de serviços prestados à massa falida, logo após à decretação da falência, na sistemática da Lei n. 11.101/2005, sejam considerados extraconcursais.
6. Por fim, realço a importância do precedente ora em debate, com o rito e efeito do recurso repetitivo (art. 543-C, CPC), pois uma vez afirmada a natureza alimentar dos honorários de advogado no âmbito do direito privado - caso acolhida a tese ora proposta -, é bem verdade que seus reflexos diretos e indiretos não se esgotam na classificação do crédito para efeito de falência ou recuperação. Evidentemente que o alcance do conceito - verba alimentar dos honorários, no campo cível - atinge outras esferas, tarefa de interpretação e aplicação que caberá à doutrina e jurisprudência.
7. Portanto, feitas essas ponderações, encaminho as seguintes teses a serem apreciadas pelo rito do art. 543-C do Código de Processo Civil:
7.1) os créditos resultantes de honorários advocatícios, sucumbenciais ou contratuais, tem natureza alimentar e equiparam-se aos trabalhistas para efeito de habilitação em falência, seja pela regência do Decreto-Lei n. 7.661/1945, seja pela forma prevista na Lei n. 11.101/2005, observado o limite de valor previsto no artigo 83-I do referido Diploma Legal.
7.2) são créditos extraconcursais os honorários de advogado resultantes de trabalhos prestados à massa falida, depois do decreto de falência, nos termos dos arts. 84 e 149 da Lei n. 11.101/2005.
8. No caso concreto em exame, e nesses termos, dou provimento ao recurso especial.
É como voto.
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