O ESTADO DE S. PAULO - NACIONAL
CPI mira juízes que permitem número excessivo de grampos
A CPI dos Grampos vai atrás dos juízes que autorizam escuta telefônica por atacado. A comissão trabalha com a informação de que nesse universo há juiz trabalhista e até de vara de família que determina a interceptação. A Lei do Grampo, que é de 1996, estabelece que a escuta pode ser usada exclusivamente para prova em investigação criminal e instrução processual penal. Já está patente o descontrole, afirmou o deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), presidente da CPI.
Em 2007, a Justiça ordenou 409 mil grampos. A informação é oficial. Foi levada à CPI pelas operadoras de telefonia, a quem cabe a execução dos decretos judiciais. Uma companhia entregou aos parlamentares planilha mostrando que, em 2004, executou 5 mil grampos. Em 2005, fez 10 mil interceptações. Em 2006, deu um salto para 20 mil ocorrências. Em 2007, bateu na marca de 28 mil.
A CPI mira também a renovação dos prazos de interceptação. Segundo a comissão, são muitos os casos em que a concessão de mais tempo para o grampo não obedece a um mínimo de segurança e cuidado. Juízes não exigem relatórios pormenorizados que dêem sustentação à continuação da interferência. A comissão quer identificar ainda os grampos clandestinos, feitos sem autorização da Justiça.
Claudio Montesso, presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho, disse desconhecer casos de juízes trabalhistas que teriam ordenado escuta. Concordo com a CPI que a interceptação só pode ser autorizada para apurações de ordem criminal. Mas é muito pouco provável que algum juiz do Trabalho tenha autorizado grampo. O que pode ocorrer, eventualmente, é a quebra do sigilo telefônico de alguém para instrução de processo.
O presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Walter Nunes, não admite a acusação de que seus colegas não estariam fiscalizando os grampos. Não há descontrole algum. Além disso, as gravações ficam armazenadas por 5 anos. É uma garantia. O presidente da CPI é delegado e já dirigiu inquéritos em que houve quebra de sigilo. Afirmo que nem ele próprio conseguiu escutar todos os grampos.
O juiz Mozart Valadares, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), disse que o grampo é excepcionalidade. Não se pode vulgarizar esse instrumento porque vai atingir a privacidade do cidadão e violar uma garantia constitucional. O juiz tem de estar muito consciente. Em alguns casos, no entanto, alguns colegas podem não estar tendo esse cuidado. O executor do grampo não pode ir um milímetro além dos termos da decisão.
'Instrumento excepcional é banalizado'
Deputado diz que escuta telefônica é medida extrema e está faltando cuidado na permissão de autorizações
É uma praga, diz o presidente da CPI dos Grampos, Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), sobre a banalização das escutas. O grampo é medida extrema. Não está havendo o cuidado necessário na concessão de autorizações.
Os políticos são o alvo dos grampeiros?
Também são. Um caso emblemático ocorreu com o presidente Lula. Funcionários da empresa OI alegam ter encontrado indícios de escuta numa linha direcionada ao presidente no Hotel Glória, no Rio. O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, foi grampeado em casa, no Rio. Uma linha do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi monitorada em Petrópolis. Queremos saber quais medidas foram adotadas pelo Gabinete de Segurança Institucional, se foi aberto inquérito pela Polícia Federal. Se o presidente e um ministro do Supremo podem ter sido grampeados já dá para calcular o alcance disso.
Por que 1,2 mil grampos são instalados todo dia?
Isso demonstra que um instrumento excepcional, que deve ser utilizado no combate ao crime organizado, à corrupção e ao colarinho branco, está sendo banalizado de forma assustadora. Somos 180 milhões. Pelo menos 4 milhões de cidadãos estão sob escuta se levarmos em conta que cada grampeado se comunica com pelo menos 10 interlocutores todo dia. O grampo é medida extrema. Não está havendo o cuidado necessário na concessão de autorizações. Há casos em que a escuta se prolonga por até 900 horas. Os juízes efetivamente ouvem tudo o que foi captado? Ou apenas aquilo que foi selecionado para formar a sua convicção e, a partir daí, condenar ou absolver?
Por que os agentes policiais responsáveis pelas degravações só apresentam resumos dos grampos?
Essa é uma grande preocupação nossa, a questão do devido processo legal e a forma como essa interceptação é tratada como prova dentro dos autos. Se ela é uma prova técnica tem que ser toda degravada, periciada. A interpretação tem que ser aquela que o juiz vai dar, não a de terceiros. Toda conversa é feita dentro de um contexto. Quem avalia a prova é o juiz. Os juízes não têm condições de ouvir tanta coisa. Eles admitem isso.
Qual a proposta da CPI?
Há certos tipos de crimes que precisam ser mantidos sob monitoramento por um prazo superior. O seqüestro, por exemplo, é crime permanente. Mas para outras situações é preciso estabelecer um limite. A CPI busca uma radiografia do sistema de interceptação telefônica no País. A partir daí vamos fazer um diagnóstico e apresentar soluções. A CPI atua em três áreas. Queremos saber sobre a interceptação legal, autorizada pela Justiça. A segunda questão é a escuta ilegal. E o terceiro foco são os equipamentos do grampo, quem produz, a quem são comercializados.
Já viu tanto grampo assim?
Nem na ditadura tinha tanta escuta. Hoje tem o grampo ilegal e o grampo legal, revestido de legalidade, mas que não sofre controle estrito necessário nesse tipo de atividade. Um problema gravíssimo: a Constituição define que cabe à polícia judiciária, ou seja, à Polícia Civil nos Estados e à Polícia Federal, o papel da investigação por meio da instauração de inquérito. Ocorre que outros órgãos, como o Ministério Público, também pedem grampo e chegam a executá-lo.
Como evitar que um grampo legal não se transforme em bisbilhotagem policial?
Os juízes têm que exercer o devido controle sobre aquilo que autorizam. Mas isso não ocorre. O Ministério Público também deve fazer parte dessa cadeia de controle. Só que para fazer isso não pode grampear. A escuta só pode ser consentida em inquérito policial.
Fausto Macedo
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