Quarta-feira, 09 de Abril de 2008
Notícias STF
Suspensa decisão da Justiça Federal no RS em ação que discute pagamento a auditores fiscais em greve
O ministro Gilmar Mendes, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu pedido formulado pela União na Suspensão de Tutela Antecipada (STA) 229. A ação contesta decisão do Juízo da 4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Rio Grande do Sul, quanto ao pagamento de dias parados para auditores fiscais em greve.
O ministro suspendeu a decisão que determinava à União abster-se de adotar qualquer medida disciplinar ou sancionatória, inclusive de proceder a desconto salarial relativo aos dias não trabalhados, além de atos de retaliação ou de represália, contra os associados da Unafisco Sindical que aderiram ao movimento de paralisação em curso desde 18 de março de 2008.
"Se com a deflagração de greve ocorre, como regra geral, a suspensão do contrato de trabalho, não há que se cogitar de prestação de serviço e, portanto, de pagamento de salários", concluiu o presidente eleito do STF.
Leia a íntegra da decisão.
SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA 229-8 RIO GRANDE DO SUL
RELATORA : MINISTRA PRESIDENTE
REQUERENTE(S) : UNIÃO
ADVOGADO(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
REQUERIDO(A/S) : PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL
FEDERAL DA 4ª REGIÃO (SUSPENSÃO
DE EXECUÇÃO DE LIMINAR Nº
2008.04.00.009130-2)
INTERESSADO(A/S) : SINDICATO NACIONAL DOS
AUDITORES FISCAIS DA RECEITA
FEDERAL DO BRASIL - UNAFISCO
SINDICAL
ADVOGADO(A/S) : PRISCILLA MEDEIROS DE ARAUJO
BACCILE
DECISÃO: A União, com fundamento nos arts.
297 do RISTF, 25 da Lei 8.038/90, 4º da Lei 8.437/92 e
1º da Lei 9.494/97, requer a suspensão dos efeitos da
decisão proferida pelo Juízo da 4ª Vara Federal da
Seção Judiciária do Estado do Rio Grande do Sul nos
autos da Ação Ordinária 2008.71.00.006757-2, mantida em
agravo de instrumento (Agravo de Instrumento
2008.04.00.009024-3/RS, fls. 50-52) e em suspensão
(Suspensão de Execução de Liminar 2008.04.00.009130-
2/RS, fls. 53-54).
A decisão ora impugnada deferiu, com
fundamento nos julgamentos dos Mandados de Injunção
670/ES, 708/DF e 712/PA, o pedido de antecipação da
tutela formulado pelo Unafisco Sindical para determinar
que a União se abstenha de adotar qualquer medida
disciplinar ou sancionatória, inclusive de proceder a
desconto salarial relativo aos dias não trabalhados,
além de atos de retaliação ou de represália, contra os
seus associados que aderiram ao movimento de
paralisação em curso desde 18 de março de 2008.
A requerente sustenta, em síntese:
a) incompetência do Juízo Federal do Rio
Grande do Sul, nos termos do art. 109, § 2º, da
Constituição da República, dado que a referida entidade
representativa têm sede e foro na Capital Federal;
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b) o direito de greve dos servidores
públicos somente poderá ser exercido, em sua plenitude,
com a edição da norma legal prevista no art. 37, VII,
da Constituição da República;
c) ausência de comprovação do cumprimento
dos requisitos mínimos exigidos pela Lei 7.783/89 para
a deflagração do movimento grevista;
d) ocorrência de grave lesão à ordem
pública, considerada em termos de ordem administrativa,
pois a atividade desempenhada pelos profissionais em
greve compreende a fiscalização do cumprimento das
obrigações tributárias, a arrecadação de tributos e o
controle aduaneiro de comércio exterior, além de outras
atividades (fl. 18). Ademais, a atuação dos Auditores
Fiscais é imprescindível para o combate à sonegação e
ao contrabando (fl. 18);
e) a greve dos Auditores Fiscais da
Receita Federal do Brasil tem o efeito de gerar
prejuízos incalculáveis, que não serão mitigados com o
eventual cumprimento, por parte dos grevistas, dos
artigos 9º ao 11 da Lei nº 7.783, de 1989. Em outros
termos, a observância do percentual mínimo de 30%
estabelecido pela jurisprudência do Tribunal Superior
do Trabalho (TST) para a prestação dos serviços
essenciais não afastará as perdas e danos para a
administração tributária e para o País (fl. 18);
f) o reflexo que será ocasionado apenas
no âmbito das Delegacias de Julgamento, mesmo que
respeitado o contingente mínimo de 30%: no período de
um mês, verificar-se-á uma perda de 72.000 horas de
trabalho no julgamento de processos fiscais (fls. 18-
19).
Inicialmente, reconheço que a controvérsia
instaurada na ação principal e no agravo de instrumento
referidos evidencia a existência de matéria
constitucional: arts. 37, VII, e 109, § 2º, da
Constituição da República. Dessa forma, cumpre ter
presente que a Presidência do Supremo Tribunal Federal
dispõe de competência para examinar questão cujo
fundamento jurídico tem natureza constitucional,
conforme firme jurisprudência desta Corte, destacandose
os seguintes julgados: Rcl 497-AgR/RS, rel. Min.
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Carlos Velloso, Plenário, DJ 06.4.2001; SS 2.187-
AgR/SC, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 21.10.2003; e SS
2.465/SC, rel. Min. Nelson Jobim, DJ 20.10.2004.
O art. 4º da Lei 8.437/92, c/c o art. 1º
da Lei 9.494/97, autoriza o deferimento do pedido de
suspensão da execução da tutela antecipada concedida
nas ações movidas contra o Poder Público ou seus
agentes, a requerimento da pessoa jurídica de direito
público interessada, em caso de manifesto interesse
público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar
grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia
públicas.
Conforme autoriza a jurisprudência
pacificada do Supremo Tribunal Federal, quando da
análise do pedido de suspensão de decisão (SS 846-
AgR/DF, rel. Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 29.5.96;
SS 1.272-AgR/RJ, rel. Ministro Carlos Velloso, DJ
18.5.2001, dentre outros), permite-se o proferimento de
um juízo mínimo de delibação a respeito da questão
jurídica deduzida na ação principal.
Verifico que se encontra devidamente
demonstrada a ocorrência de grave lesão à ordem
pública, em sua acepção administrativa, ante o fato de
que a continuidade do movimento paredista em comento
gerará danos à fiscalização do cumprimento das
obrigações tributárias, à arrecadação de tributos e ao
comércio exterior, bem como ao combate à sonegação e ao
contrabando, o que certamente causará prejuízos, em
última análise, à economia nacional como um todo.
No presente caso, poderá haver o
denominado efeito multiplicador (SS 1.836-AgR/RJ,
rel. Min. Carlos Velloso, Plenário, unânime, DJ
11.10.2001), diante da existência de outras categorias
de servidores públicos federais em situação
potencialmente idêntica àquela dos associados da
entidade autora, que se sentirão incentivados a
deflagrar movimentos grevistas com o objetivo de
reivindicar reajustes salariais.
Em voto proferido no julgamento do Mandado
de Injunção n° 708/DF, de minha relatoria, restou
asseverado o seguinte:
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No mérito, acolho a pretensão tão-somente no
sentido de que se aplique a Lei no 7.783/1989
enquanto a omissão não for devidamente
regulamentada por lei específica para os
servidores públicos.
Nesse particular, ressalto ainda que, em
razão dos imperativos da continuidade dos
serviços públicos, não estou a afastar que,
de acordo com as peculiaridades de cada caso
concreto e mediante solicitação de órgão
competente, seja facultado ao juízo
competente impor a observância a regime de
greve mais severo em razão de tratar-se de
serviços ou atividades essenciais, nos
termos dos já mencionados arts. 9o a 11 da
Lei no 7.783/1989.
Creio que essa complementação na parte
dispositiva de meu voto é indispensável
porque, na linha do raciocínio desenvolvido,
não se pode deixar de cogitar dos riscos
decorrentes das possibilidades de que a
regulação dos serviços públicos que tenham
características afins a esses serviços ou
atividades essenciais seja menos severa que
a disciplina dispensada aos serviços privados
ditos essenciais.
Isto é, mesmo provisoriamente, há de se
considerar, ao menos, idêntica conformação
legislativa quanto ao atendimento das
necessidades inadiáveis da comunidade que, se
não atendidas, coloquem em perigo iminente a
sobrevivência, a saúde ou a segurança da
população (Lei no 7.783/1989, parágrafo
único, art. 11).
(...)
Assim, sob pena de injustificada e
inadmissível negativa de prestação
jurisdicional nos âmbitos federal, estadual e
municipal, é necessário que, na decisão deste
MI, fixemos os parâmetros institucionais e
constitucionais de definição de competência,
provisória e ampliativa, para a apreciação de
dissídios de greve instaurados entre o Poder
Público e os servidores com vínculo
estatutário.
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Nesse particular, assim como argumentei com
relação à Lei Geral de Greve, creio ser
necessário e adequado que fixemos balizas
procedimentais mínimas para a apreciação e
julgamento dessas demandas coletivas.
A esse respeito, no plano procedimental,
vislumbro que é recomendável a aplicação da
Lei no 7.701/1988 (que cuida da
especialização das turmas dos tribunais do
trabalho em processos coletivos), no que
tange à competência para apreciar e julgar
eventuais conflitos judiciais referentes à
greve de servidores públicos que sejam
suscitados até o momento de colmatação
legislativa da lacuna ora declarada.
Ao desenvolver mecanismos para a apreciação
dessa proposta constitucional para a omissão
legislativa, creio não ser possível
argumentar pela impossibilidade de se
proceder a uma interpretação ampliativa do
texto constitucional nesta seara, pois é
certo que, antes de se cogitar de uma
interpretação restritiva ou ampliativa da
Constituição, é dever do intérprete verificar
se, mediante fórmulas pretensamente
alternativas, não se está a violar a própria
decisão fundamental do constituinte. No caso
em questão, estou convencido de que não se
está a afrontar qualquer opção constituinte,
mas, muito pelo contrário, se está a
engendrar esforços em busca de uma maior
efetividade da Constituição como um todo.
Vê-se, pois, que o sistema constitucional não
repudia a idéia de competências implícitas
complementares, desde que necessárias para
colmatar lacunas constitucionais evidentes.
Por isso, considero viável a possibilidade de
aplicação das regras de competência
insculpidas na Lei no 7.701/88 para garantir
uma prestação jurisdicional efetiva na área
de conflitos paredistas instaurados entre o
Poder Público e os servidores públicos
estatutários (CF, arts. 5o, XXXV, e 93, IX).
Diante dessa conjuntura, é imprescindível que
este Plenário densifique as situações
provisórias de competência constitucional
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para a apreciação desses dissídios no
contexto nacional, regional, estadual e
municipal.
Assim, nas condições acima especificadas, se
a paralisação for de âmbito nacional, ou
abranger mais de uma região da Justiça
Federal, ou ainda, abranger mais de uma
unidade da federação, entendo que a
competência para o dissídio de greve será do
Superior Tribunal de Justiça (por aplicação
analógica do art. 2o, I, a, da Lei no
7.701/1988).
Ainda no âmbito federal, se a controvérsia
estiver adstrita a uma única região da
Justiça Federal, a competência será dos
Tribunais Regionais Federais (aplicação
analógica do art. 6o da Lei no 7.701/1988).
Para o caso da jurisdição no contexto
estadual ou municipal, se a controvérsia
estiver adstrita a uma unidade da federação,
a competência será do respectivo Tribunal de
Justiça (também, por aplicação analógica, do
art. 6o, da Lei no 7.701/1988).
Ou seja, nesse último caso, as greves de
âmbito local ou municipal serão dirimidas
pelo respectivo Tribunal de Justiça ou
Tribunal Regional Federal com jurisdição
sobre o local da paralisação, conforme se
trate de greve de servidores municipais,
estaduais ou federais.
Revela-se importante, nesse particular,
ressaltar que a par da competência para o
dissídio de greve em si no qual se discute
a abusividade, ou não, da greve - também os
referidos tribunais, nos seus respectivos
âmbitos, serão competentes para decidir
acerca do mérito do pagamento, ou não, dos
dias de paralisação em consonância com a
excepcionalidade com a qual esse juízo se
reveste.
Nesse particular, nos termos do art. 7o da
Lei no 7.783/1989, a deflagração da greve, em
princípio, corresponde à suspensão do
contrato de trabalho. Na suspensão do
contrato de trabalho não há falar
propriamente em prestação de serviços, nem
tampouco no pagamento de salários. Como regra
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geral, portanto, os salários dos dias de
paralisação não deverão ser pagos, salvo no
caso em que a greve tenha sido provocada
justamente por atraso no pagamento ou por
outras situações excepcionais que justifiquem
o afastamento da premissa da suspensão do
contrato de trabalho.
Os tribunais mencionados também serão
competentes para apreciar e julgar medidas
cautelares eventualmente incidentes
relacionadas ao exercício do direito de greve
dos servidores públicos civis, tais como:
i) aquelas nas quais se postule a
preservação do objeto da querela
judicial, qual seja, o percentual mínimo
de servidores públicos que deve continuar
trabalhando durante o movimento
paredista, ou mesmo a proibição de
qualquer tipo de paralisação;
ii) os interditos possessórios para a
desocupação de dependências dos órgãos
públicos eventualmente tomados por
grevistas; e
iii) demais medidas cautelares que
apresentem conexão direta com o dissídio
coletivo de greve.
Em última instância, a adequação e a
necessidade da definição dessas questões de
organização e de procedimento dizem respeito
à fixação de competência constitucional de
modo a assegurar, a um só tempo, a
possibilidade de exercício do direito
constitucional de greve dos servidores
públicos e, sobretudo, os limites a esse
exercício no contexto de continuidade na
prestação dos serviços públicos.
Ao adotar essa medida, este Tribunal estaria
a assegurar o direito de greve
constitucionalmente garantido no art. 37,
VII, da Constituição Federal, sem
desconsiderar a garantia da continuidade de
prestação de serviços públicos um elemento
fundamental para a preservação do interesse
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público em áreas que são extremamente
demandadas para o benefício da sociedade
brasileira.
Fica evidente, portanto, que este
Tribunal, ao determinar a aplicação da Lei n°
7.783/1989, não desconsiderou a possibilidade de que,
diante do caso concreto e de acordo com suas
peculiaridades, o juízo competente que é o STJ e não
o TRF, em caso de greve de âmbito nacional - possa
fixar regime de greve mais severo, em razão de estarem
em jogo serviços públicos de caráter essencial. E, se
com a deflagração de greve ocorre, como regra geral, a
suspensão do contrato de trabalho, não há que se
cogitar de prestação de serviço e, portanto, de
pagamento de salários.
Tal como resultou da decisão proferida no
citado MI n° 708/DF, o pagamento dos dias parados se
justifica somente em casos excepcionais.
Não é o que se tem, à evidência, na
hipótese dos autos!
Ante o exposto, defiro o pedido para
suspender os efeitos da decisão proferida pelo Juízo da
4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Rio
Grande do Sul nos autos da Ação Ordinária
2008.71.00.006757-2.
Comunique-se, com urgência.
Publique-se.
Brasília, 08 de abril de 2008.
Ministro GILMAR MENDES
Vice-Presidente
(RISTF, art. 37, I)
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