Quarta-feira, 09 de Abril de 2008
STF suspende decisão do TRF-4 sobre desconto de dias parados em greve da AGU
O vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, deferiu a Suspensão de Tutela Antecipada (STA) 207, ajuizada pela União contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em relação ao pagamento de dias parados na greve da AGU.
O TRF-4 estabeleceu que a União se abstivesse de adotar qualquer medida disciplinar ou sancionatória, além de atos de retaliação ou de represália, inclusive corte de ponto com efeitos pecuniários, suspensão ou descontos de vencimentos, inscrições em assentamentos funcionais, contra os associados das entidades sindicais interessadas que aderiram ao movimento de paralisação em curso desde 17 de janeiro de 2008.
Na análise do pedido formulado na STA, o ministro entendeu que, com a deflagração de greve, ocorre, como regra geral, a suspensão do contrato de trabalho, não havendo que se cogitar de prestação de serviço e, portanto, de pagamento de salários. "É patente a transgressão dos parâmetros legais pelo movimento grevista deflagrado pelos associados das entidades interessadas, que há quase três meses estão parados, com percepção de remuneração integral, em prejuízo da Fazenda Pública e de toda a sociedade."
Segundo Gilmar Mendes, o pagamento dos dias parados se justifica somente em casos excepcionais. "Não é o que se tem, à evidência, na hipótese dos autos!", concluiu o ministro, ao deferir o pedido para suspender a execução da decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Leia a íntegra da decisão.
SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA 207-7 RIO GRANDE DO SUL
RELATORA : MINISTRA PRESIDENTE
REQUERENTE(S) : UNIÃO
ADVOGADO(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
REQUERIDO(A/S) : RELATOR DO AGRAVO DE
INSTRUMENTO Nº 2008.04.00.002160-9
DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA
4ª REGIÃO
INTERESSADO(A/S) : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS
MEMBROS DAS CARREIRAS DA
ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO -
ANAJUR E OUTRO(A/S)
ADVOGADO(A/S) : ROGÉRIO VIOLA COELHO E
OUTRO(A/S)
ADVOGADO(A/S) : ANTÔNIO TORREÃO BRAZ FILHO E
OUTRO(A/S)
DECISÃO: A União, com fundamento nos arts.
4º da Lei 4.348/64, 25 da Lei 8.038/90, 4º da Lei
8.437/92 e 1º da Lei 9.494/97, formulou, perante a
Presidência do Superior Tribunal de Justiça, o presente
pedido de suspensão dos efeitos da decisão proferida
pelo Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson
Flores Lenz nos autos do Agravo de Instrumento nº
2008.04.00.002160-9/RS (fls. 105-116), em trâmite no
Tribunal Regional Federal da 4ª Região, interposto pela
Associação Nacional dos Membros das Carreiras da
Advocacia Geral da União ANAJUR e outros.
A decisão ora impugnada reconheceu a
legitimidade da greve e deferiu, com fundamento nos
julgamentos dos Mandados de Injunção 670/ES e 712/PA, o
pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal
para determinar que a União se abstenha de adotar
qualquer medida disciplinar ou sancionatória, além de
atos de retaliação ou de represália, inclusive corte de
ponto com efeitos pecuniários, suspensão ou descontos
de vencimentos, inscrições em assentamentos funcionais,
contra os associados das entidades agravantes que
aderiram ao movimento de paralisação em curso desde 17
de janeiro de 2008.
Diz a requerente que a MM. Juíza da 2ª
Vara Federal da Seção Judiciária de Porto Alegre
(Processo nº 2008.71.00.001968-1/RS), em razão da
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existência de conexão, declinou da competência,
determinando a remessa dos autos da ação ordinária
coletiva ajuizada pelas entidades ora interessadas ao
Juízo da 16ª Vara Federal da Seção Judiciária do
Distrito Federal (fls. 80-83). Interposto agravo de
instrumento para o Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, o Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson
Flores Lenz, no eventual impedimento do relator,
reconheceu a competência do juízo a quo e deferiu a
antecipação dos efeitos da tutela para declarar a
legitimidade do direito posto em causa. Daí o presente
pedido de suspensão.
Sustenta, mais, em síntese:
a) incompetência do Juízo Federal do Rio
Grande do Sul, dado que as entidades representativas
dos interesses da categoria em questão têm sede e foro
na Capital Federal;
b) existência de conexão, nos termos do
art. 103 do Código de Processo Civil, entre a ação
ordinária coletiva ajuizada pelas entidades
representativas perante a Seção Judiciária do Rio
Grande do Sul e a ação cominatória de obrigação de
fazer e não fazer cumulada com ação condenatória
ajuizada pela União perante a Seção Judiciária do
Distrito Federal, cuja causa de pedir é a deflagração
de movimento grevista da categoria dos Procuradores
Federais, Procuradores Federais da Previdência Social,
Advogados da União, Procuradores da Fazenda, Defensores
Públicos e Procuradores do Banco Central (fl. 13);
c) ocorrência de grave lesão à ordem
pública, considerada em termos de ordens jurídica e
administrativa, pois a decisão impugnada, além de
afrontar o princípio da legalidade estrita, obsta o
devido exercício das funções administrativas por parte
das autoridades constituídas e a normal execução dos
serviços prestados pela advocacia pública;
d) legalidade do desconto dos dias não
trabalhados pelos servidores grevistas, nos termos dos
arts. 40 e 44 da Lei 8.112/90, bem como em razão da
inexistência de lei específica que regulamente o
exercício do direito de greve pelos servidores
públicos, sendo, pois, dispensável a instauração de
processo administrativo para tal fim;
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e) inaplicabilidade das disposições da Lei
7.783/89 ao movimento grevista das carreiras jurídicas
da Advocacia-Geral da União, na medida em que as
decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nos
Mandados de Injunção 670/ES, 708/DF e 712/PA alcançam
apenas os casos concretos neles versados. Nesse
contexto, ressalta que sem lei regulamentando o
exercício do direito de greve, por parte de
trabalhadores do setor público, o direito existe mas
não pode ser exercido plenamente até que exista a
regulamentação exigida pela Constituição (fl. 33);
f) ilegitimidade da deflagração do
movimento grevista, porquanto não houve fixação de
prazo para a implementação do acordo salarial firmado
com as entidades de classe em 1º de novembro de 2007,
de modo que deve ser analisado um prazo razoável para
efetivação do acordo (fl. 39). Além disso, aduz que a
mudança significativa do estado fático (perdas
orçamentárias da ordem de 40 bilhões de reais por ano,
que representam 7% da receita da União), provocado por
fato alheio, justifica o repactuamento do acordo de
concessão de reajuste salarial no momento (fl. 41);
g) existência de grave lesão à economia
pública, consubstanciada na continuidade de pagamento
da remuneração dos servidores grevistas e na
possibilidade de perda de prazos judiciais, o que
configura manifesto e irreversível prejuízo à Fazenda
Pública.
O Presidente do Superior Tribunal de
Justiça, ao entender que a causa de pedir, na ação
ordinária coletiva, ostenta índole constitucional,
negou seguimento ao pedido e determinou a remessa dos
autos ao Supremo Tribunal Federal (fls. 289-291).
Determinou-se que as entidades autoras,
Associação Nacional dos Membros das Carreiras da
Advocacia-Geral da União ANAJUR e outros,
encaminhassem aos presentes autos as suas razões (fl.
303), as quais foram apresentadas às fls. 305-310 e
319-327, alegando, em resumo:
a) inocorrência de grave lesão à ordem
pública, ante a legitimidade do movimento grevista ora
em curso, por terem sido integralmente atendidas todas
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as exigências preconizadas pelo Supremo Tribunal
Federal nos julgamentos dos Mandados de Injunção
670/ES, 708/DF e 712/PA, bem como aquelas impostas pela
Lei 7.783/89, tais como, deliberação por Assembléia-
Geral realizada no Distrito Federal e nos Estados,
notificação prévia às autoridades competentes e
preservação do percentual mínimo de 30% (trinta por
cento) de advogados públicos federais em plena
atividade com o objetivo de assegurar a continuidade
dos serviços essenciais;
b) existência de decisão proferida em ação
proposta perante juízo federal de primeiro grau de
Brasília, em que os primeiros despacho e citação válida
foram posteriores àqueles ocorridos no foro federal de
Porto Alegre;
c) competência do Superior Tribunal de
Justiça para a avaliação da legitimidade da greve em
comento, nos termos do voto proferido pelo Ministro
Gilmar Mendes nos julgamentos dos referidos mandados de
injunção. Assim, nem o foro federal de Porto Alegre
nem o de Brasília seria, em princípio, competente para
o juízo determinante da legitimidade da greve (fl.
322);
d) a decisão impugnada no presente pedido
de suspensão deu satisfação ao pedido de proteção dos
grevistas contra retaliações arbitrárias do governo,
sem adiantar de modo explícito um diagnóstico do
movimento (fl. 322);
e) existência do dever de o Congresso
Nacional estabelecer em lei os termos e os limites da
greve para os servidores públicos, certo que o direito
de greve já se encontra previsto na própria
Constituição da República, razão pela qual o Supremo
Tribunal Federal, ante a omissão do Parlamento,
estabeleceu os parâmetros a serem observados para o
exercício do direito em questão;
f) legalidade e constitucionalidade da
greve em apreço, além de ser um movimento
caracterizado pela mais absoluta justiça, e um
movimento inadiável (fl. 326);
g) inexistência de dúvida quanto à
realidade constitucional do direito de greve dos
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servidores públicos, bem como em relação aos termos e
limites que o Supremo Tribunal Federal entendeu
apropriados para o balizamento de uma greve desse
porte (fl. 326).
A União reiterou o presente pedido de
suspensão, ante a necessidade de se resguardar o erário
federal e a sociedade de eventuais prejuízos, tendo em
vista que os prazos processuais não se encontram
suspensos (fls. 314-315).
As Associações de Classe constitutivas do
Fórum Nacional da Advocacia Pública Federal reiteraram
os argumentos expendidos às fls. 319-327 e aduziram que
o Ministro José Antônio Dias Toffoli, no dia 29 de
fevereiro de 2008, no programa Fórum da TV Justiça,
reconheceu publicamente que os advogados públicos
federais em greve atendem à manutenção dos 30% da força
de trabalho das unidades jurídicas federais, bem como
reconheceu que a greve em curso, por atender aos
requisitos da Lei 7.783/89, não tem causado prejuízo à
União (fls. 341-343).
A Procuradoria-Geral da República opinou
pelo deferimento do pedido (fls. 334-339), ao seguinte
entendimento:
20. Na hipótese, trata-se de
ação coletiva, intentada pelas entidades
representativas dos servidores grevistas,
todas com sede em Brasília, Distrito
Federal, em face da União, cujo domicílio
é, também, o Distrito Federal. A escolha
do foro para ajuizamento de ação contra a
União, nos termos do § 2º do artigo 109 da
Constituição Federal não pode ser
arbitrária, há de estar apoiada em um dos
elementos de atração nela previstos. Não
sendo domiciliados os autores naquela
seção judiciária e não havendo que se
falar em ato/fato que originou a ação
restrito àquela seção ou em disputa sobre
coisa ali situada, deve prevalecer, por
certo, a regra do domicílio da União que,
no caso, é igualmente o das autoras.
21. Não se pode deixar de notar,
ademais, que, conexas as ações em curso na
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Seção Judiciária do Rio Grande do Sul e na
Seção Judiciária do Distrito Federal em
ambas se discute a legitimidade da greve
dos advogados e defensores públicos , o
que primeiro despachou positivamente foi o
juízo da capital federal, em 23 de janeiro
do ano corrente (fls. 275/276), decisão a
qual faz menção, inclusive, aquela
meramente declinatória de competência
proferida pelo juízo da 2ª Vara Federal de
Porto Alegre (fls. 80/83). Ainda que se
pudesse vislumbrar, em tese, a competência
do foro escolhido pelas associações
demandantes, estaria prevento, assim, em
atenção ao comando do art. 106 do Código
de Processo Civil, o Juízo da Seção
Judiciária do Distrito Federal. (Fl. 338)
O Sindicato Nacional dos Procuradores da
Fazenda Nacional Sinprofaz e outros aduziram que a
União e a Procuradoria-Geral da República não
demonstraram concretamente a ocorrência de grave lesão
à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, e
que a suspensão de tutela não pode ser utilizada como
sucedâneo recursal, muito menos como instrumento de
argüição de incompetência ou de instauração de conflito
de competência (fl. 691).
Inicialmente, reconheço que a controvérsia
instaurada na ação principal e no agravo de instrumento
referidos evidencia a existência de matéria
constitucional: arts. 5º, LIV e LV, 9º e 37, VII, da
Constituição da República (petição inicial da ação
ordinária coletiva, fls. 44-79; petição de interposição
do agravo de instrumento, fls. 84-104; e decisão
impugnada, fls. 105-116). Dessa forma, cumpre ter
presente que a Presidência do Supremo Tribunal Federal
dispõe de competência para examinar questão cujo
fundamento jurídico tem natureza constitucional,
conforme firme jurisprudência desta Corte, destacandose
os seguintes julgados: Rcl 497-AgR/RS, rel. Min.
Carlos Velloso, Plenário, DJ 06.4.2001; SS 2.187-
AgR/SC, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 21.10.2003; e SS
2.465/SC, rel. Min. Nelson Jobim, DJ 20.10.2004.
Assevere-se, preliminarmente, que as leis
que norteiam o instituto da suspensão (Leis 4.348/64,
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8.437/92 e 9.494/97) permitem, apenas e tão-somente, à
Presidência do Supremo Tribunal Federal, para evitar
grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia
públicas, suspender a execução de decisões concessivas
de segurança, de liminar ou de tutela antecipada
proferidas em única ou última instância pelos tribunais
locais ou federais, quando a discussão travada na
origem for constitucional.
Caso se decidisse, em suspensão, que o
Juízo da 16ª Vara Federal da Seção Judiciária do
Distrito Federal (Processo nº 2008.34.00.002476-7) se
tornou prevento para o julgamento da presente
paralisação, ao determinar a citação das entidades
associativas em tela, em 23.01.2008, na decisão que
declarou a ilegalidade da paralisação dos serviços da
Advocacia-Geral da União (fls. 275-276), como destacou
a Procuradoria-Geral da República em seu parecer,
estar-se-ia, indiretamente, a usurpar a competência do
egrégio Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, d,
da Constituição da República) para o julgamento de um
eventual conflito de competência a ser suscitado,
atribuição para a qual não se presta o excepcional
instituto da suspensão.
Passo, pois, ao exame do mérito do
presente pedido de suspensão dos efeitos de tutela
antecipada com base, exclusivamente, no arcabouço
normativo que rege as medidas de contracautela.
O art. 4º da Lei 8.437/92, c/c o art. 1º
da Lei 9.494/97, autoriza o deferimento do pedido de
suspensão da execução da tutela antecipada concedida
nas ações movidas contra o Poder Público ou seus
agentes, a requerimento da pessoa jurídica de direito
público interessada, em caso de manifesto interesse
público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar
grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia
públicas.
Conforme autoriza a jurisprudência
pacificada do Supremo Tribunal Federal, quando da
análise do pedido de suspensão de decisão (SS 846-
AgR/DF, rel. Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 29.5.96;
SS 1.272-AgR/RJ, rel. Ministro Carlos Velloso, DJ
18.5.2001, dentre outros), permite-se o proferimento de
um juízo mínimo de delibação a respeito da questão
jurídica deduzida na ação principal.
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Entendo não ser razoável a exigência de
implementação imediata do acordo firmado, em
1º.11.2007, entre os advogados públicos federais e a
União, tendo em vista a ausência de previsão
orçamentária em relação às despesas em questão.
Verifico, também, que se encontra
devidamente demonstrada a ocorrência de grave lesão à
ordem pública, em sua acepção administrativa, ante a
possibilidade de perda de prazos processuais e de
paralisação dos procedimentos licitatórios necessários
ao bom funcionamento da máquina estatal, bem como em
virtude dos transtornos causados pelo movimento
paredista em comento ao normal desempenho das
atribuições da advocacia pública federal, o que causará
prejuízos, em última análise, ao patrimônio público, na
medida em que esse movimento perdura há aproximadamente
três meses.
Ressalte-se, ainda, que algumas carreiras
da advocacia pública federal sequer possuem membros
suficientes para o suprimento de suas necessidades de
lotação, como a Procuradoria Federal, a Advocacia da
União e a Defensoria Pública da União, o que
impossibilita a defesa dos entes públicos e dos
cidadãos de forma satisfatória.
No presente caso, poderá haver o
denominado efeito multiplicador (SS 1.836-AgR/RJ,
rel. Min. Carlos Velloso, Plenário, unânime, DJ
11.10.2001), diante da existência de outras categorias
de servidores públicos federais em situação
potencialmente idêntica àquela dos associados das
entidades autoras, que se sentirão incentivados a
deflagrar movimentos grevistas com o objetivo de
reivindicar reajustes salariais.
Em voto proferido no julgamento do Mandado
de Injunção n° 708/DF, de minha relatoria, restou
asseverado o seguinte:
No mérito, acolho a pretensão tão-somente no
sentido de que se aplique a Lei no 7.783/1989
enquanto a omissão não for devidamente
regulamentada por lei específica para os
servidores públicos.
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Nesse particular, ressalto ainda que, em
razão dos imperativos da continuidade dos
serviços públicos, não estou a afastar que,
de acordo com as peculiaridades de cada caso
concreto e mediante solicitação de órgão
competente, seja facultado ao juízo
competente impor a observância a regime de
greve mais severo em razão de tratar-se de
serviços ou atividades essenciais, nos
termos dos já mencionados arts. 9o a 11 da
Lei no 7.783/1989.
Creio que essa complementação na parte
dispositiva de meu voto é indispensável
porque, na linha do raciocínio desenvolvido,
não se pode deixar de cogitar dos riscos
decorrentes das possibilidades de que a
regulação dos serviços públicos que tenham
características afins a esses serviços ou
atividades essenciais seja menos severa que
a disciplina dispensada aos serviços privados
ditos essenciais.
Isto é, mesmo provisoriamente, há de se
considerar, ao menos, idêntica conformação
legislativa quanto ao atendimento das
necessidades inadiáveis da comunidade que, se
não atendidas, coloquem em perigo iminente a
sobrevivência, a saúde ou a segurança da
população (Lei no 7.783/1989, parágrafo
único, art. 11).
(...)
Assim, sob pena de injustificada e
inadmissível negativa de prestação
jurisdicional nos âmbitos federal, estadual e
municipal, é necessário que, na decisão deste
MI, fixemos os parâmetros institucionais e
constitucionais de definição de competência,
provisória e ampliativa, para a apreciação de
dissídios de greve instaurados entre o Poder
Público e os servidores com vínculo
estatutário.
Nesse particular, assim como argumentei com
relação à Lei Geral de Greve, creio ser
necessário e adequado que fixemos balizas
procedimentais mínimas para a apreciação e
julgamento dessas demandas coletivas.
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A esse respeito, no plano procedimental,
vislumbro que é recomendável a aplicação da
Lei no 7.701/1988 (que cuida da
especialização das turmas dos tribunais do
trabalho em processos coletivos), no que
tange à competência para apreciar e julgar
eventuais conflitos judiciais referentes à
greve de servidores públicos que sejam
suscitados até o momento de colmatação
legislativa da lacuna ora declarada.
Ao desenvolver mecanismos para a apreciação
dessa proposta constitucional para a omissão
legislativa, creio não ser possível
argumentar pela impossibilidade de se
proceder a uma interpretação ampliativa do
texto constitucional nesta seara, pois é
certo que, antes de se cogitar de uma
interpretação restritiva ou ampliativa da
Constituição, é dever do intérprete verificar
se, mediante fórmulas pretensamente
alternativas, não se está a violar a própria
decisão fundamental do constituinte. No caso
em questão, estou convencido de que não se
está a afrontar qualquer opção constituinte,
mas, muito pelo contrário, se está a
engendrar esforços em busca de uma maior
efetividade da Constituição como um todo.
Vê-se, pois, que o sistema constitucional não
repudia a idéia de competências implícitas
complementares, desde que necessárias para
colmatar lacunas constitucionais evidentes.
Por isso, considero viável a possibilidade de
aplicação das regras de competência
insculpidas na Lei no 7.701/88 para garantir
uma prestação jurisdicional efetiva na área
de conflitos paredistas instaurados entre o
Poder Público e os servidores públicos
estatutários (CF, arts. 5o, XXXV, e 93, IX).
Diante dessa conjuntura, é imprescindível que
este Plenário densifique as situações
provisórias de competência constitucional
para a apreciação desses dissídios no
contexto nacional, regional, estadual e
municipal.
Assim, nas condições acima especificadas, se
a paralisação for de âmbito nacional, ou
abranger mais de uma região da Justiça
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Federal, ou ainda, abranger mais de uma
unidade da federação, entendo que a
competência para o dissídio de greve será do
Superior Tribunal de Justiça (por aplicação
analógica do art. 2o, I, a, da Lei no
7.701/1988).
Ainda no âmbito federal, se a controvérsia
estiver adstrita a uma única região da
Justiça Federal, a competência será dos
Tribunais Regionais Federais (aplicação
analógica do art. 6o da Lei no 7.701/1988).
Para o caso da jurisdição no contexto
estadual ou municipal, se a controvérsia
estiver adstrita a uma unidade da federação,
a competência será do respectivo Tribunal de
Justiça (também, por aplicação analógica, do
art. 6o, da Lei no 7.701/1988).
Ou seja, nesse último caso, as greves de
âmbito local ou municipal serão dirimidas
pelo respectivo Tribunal de Justiça ou
Tribunal Regional Federal com jurisdição
sobre o local da paralisação, conforme se
trate de greve de servidores municipais,
estaduais ou federais.
Revela-se importante, nesse particular,
ressaltar que a par da competência para o
dissídio de greve em si no qual se discute
a abusividade, ou não, da greve - também os
referidos tribunais, nos seus respectivos
âmbitos, serão competentes para decidir
acerca do mérito do pagamento, ou não, dos
dias de paralisação em consonância com a
excepcionalidade com a qual esse juízo se
reveste.
Nesse particular, nos termos do art. 7o da
Lei no 7.783/1989, a deflagração da greve, em
princípio, corresponde à suspensão do
contrato de trabalho. Na suspensão do
contrato de trabalho não há falar
propriamente em prestação de serviços, nem
tampouco no pagamento de salários. Como regra
geral, portanto, os salários dos dias de
paralisação não deverão ser pagos, salvo no
caso em que a greve tenha sido provocada
justamente por atraso no pagamento ou por
outras situações excepcionais que justifiquem
o afastamento da premissa da suspensão do
contrato de trabalho.
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Os tribunais mencionados também serão
competentes para apreciar e julgar medidas
cautelares eventualmente incidentes
relacionadas ao exercício do direito de greve
dos servidores públicos civis, tais como:
i) aquelas nas quais se postule a
preservação do objeto da querela
judicial, qual seja, o percentual mínimo
de servidores públicos que deve continuar
trabalhando durante o movimento
paredista, ou mesmo a proibição de
qualquer tipo de paralisação;
ii) os interditos possessórios para a
desocupação de dependências dos órgãos
públicos eventualmente tomados por
grevistas; e
iii) demais medidas cautelares que
apresentem conexão direta com o dissídio
coletivo de greve.
Em última instância, a adequação e a
necessidade da definição dessas questões de
organização e de procedimento dizem respeito
à fixação de competência constitucional de
modo a assegurar, a um só tempo, a
possibilidade de exercício do direito
constitucional de greve dos servidores
públicos e, sobretudo, os limites a esse
exercício no contexto de continuidade na
prestação dos serviços públicos.
Ao adotar essa medida, este Tribunal estaria
a assegurar o direito de greve
constitucionalmente garantido no art. 37,
VII, da Constituição Federal, sem
desconsiderar a garantia da continuidade de
prestação de serviços públicos um elemento
fundamental para a preservação do interesse
público em áreas que são extremamente
demandadas para o benefício da sociedade
brasileira.
Fica evidente, portanto, que este
Tribunal, ao determinar a aplicação da Lei n°
7.783/1989, não desconsiderou a possibilidade de que,
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diante do caso concreto e de acordo com suas
peculiaridades, o juízo competente que é o STJ e não
o TRF, em caso de greve de âmbito nacional - possa
fixar regime de greve mais severo, em razão de estarem
em jogo serviços públicos de caráter essencial. E, se
com a deflagração de greve ocorre, como regra geral, a
suspensão do contrato de trabalho, não há que se
cogitar de prestação de serviço e, portanto, de
pagamento de salários.
É patente a transgressão dos parâmetros
legais pelo movimento grevista deflagrado pelos
associados das entidades interessadas, que há quase
três meses estão parados, com percepção de remuneração
integral, em prejuízo da Fazenda Pública e de toda a
sociedade.
Tal como resultou da decisão proferida no
citado MI n° 708/DF, o pagamento dos dias parados se
justifica somente em casos excepcionais.
Não é o que se tem, à evidência, na
hipótese dos autos!
Ante o exposto, defiro o pedido para
suspender a execução da decisão proferida pelo
Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores
Lenz nos autos do Agravo de Instrumento nº
2008.04.00.002160-9/RS, em trâmite no Tribunal Regional
Federal da 4ª Região.
Comunique-se, com urgência.
Publique-se.
Brasília, 08 de abril de 2008.
Ministro GILMAR MENDES
Vice-Presidente
(RISTF, art. 37, I)
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