Calote de R$ 62 bi na pauta de votação
Belo Horizonte, 19/04/2008 - Os prefeitos não colheram frutos só no Palácio do Planalto durante a marcha que realizaram em Brasília. Depois de quase dois anos de lobby nos bastidores, arrancaram de líderes no Senado a promessa de votação de uma proposta de emenda constitucional (PEC) que cria condições especiais para estados e municípios pagarem um estoque de precatórios já vencidos estimado, em 2004, em R$ 62 bilhões pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O texto, um substitutivo à PEC 12/2006, foi protocolado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), quarta-feira, pelo relator e líder do PMDB no Senado, Valdir Raupp (RO).
Conforme acordo selado pelos prefeitos com o presidente do Congresso, senador Garibaldi Alves (PMDB-RN), e o líder do governo Romero Jucá (PMDB-RR), o substitutivo será votado na CCJ na semana que vem. A pressa não é à toa. Visa a impedir que os credores de estados e municípios, comandados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), reajam à proposta, que sedimentaria uma situação batizada de "calote oficial" pelos ministros Marco Aurélio de Mello, do STF, e Francisco Fausto, ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TST).
"A proposta nos satisfaz, porque é suportável financeiramente pela maioria dos municípios", diz o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski. Em linha com a tese do "financeiramente possível" esgrimida pelos governantes, o substitutivo de Raupp libera estados e municípios da obrigação, desrespeitada impunemente nos últimos anos, de pagar os precatórios no prazo determinado pela Constituição. Cria um regime especial pelo qual as entidades federativas têm de destinar entre 0,6% e 2% das respectivas receitas correntes líqüidas para quitar os débitos vencidos.
Os percentuais são menores do que os sugeridos originalmente na PEC 12/2006, que eram de 1,5% para os municípios e de 3% para os estados. Se essa regra fosse aprovada, a Prefeitura de São Paulo levaria 45 anos para saldar a dívida pendente. Já o estado do Espírito Santo, 145 anos. "O substitutivo só contempla os interesses dos inadimplentes e oficializa o calote oficial. Fere a dignidade da pessoa humana e desrespeita o Estado democrático de direito", declara Orestes Muniz Filho, presidente da Comissão Especial de Defesa dos Credores Públicos da OAB.
Muniz Filho lembra que precatórios decorrem de decisões judiciais definitivas. Portanto, têm de ser liquidados sob pena de afronta ao Judiciário. Ressalta ainda que o poder público não pode ter privilégio em relação ao cidadão e ao empresário, que, quando são devedores, pagam ou pagam, para não sofrer punição. A OAB também protesta contra o fato de o substitutivo prever que 60% dos recursos reservados para pagamento de precatório sejam usados em leilões, nos quais serão contemplados os credores que concederem os maiores descontos a estados e municípios.
Na prática, a regra oficializa o que ocorre no "mercado negro", no qual trabalhadores e empresas, cansados de esperar por um acerto de contas que não ocorre, vendem seus precatórios por até 20% do valor de face. Em 2005, o Movimento dos Advogados em Defesa dos Credores Alimentares estimou que 55 mil pessoas morreram com precatórios vencidos nas mãos. Já levantamento do STF de 2004 revelou que, dos R$ 62 bilhões devidos, R$ 23 bilhões são precatórios de natureza alimentar, que envolvem salários e aposentadorias e são considerados fundamentais para a sobrevivência do credor. "A idéia do leilão é inadmissível. Realizá-lo é permitir que o devedor se aproprie de um bem do credor", afirma Muniz Filho. "A chiadeira parte dos intermediários", retruca Ziulkoski. (Estado de Minas)
Fonte: OAB Informa
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