O ESTADO DE S. PAULO - NACIONAL
MPs afetam 'processo democrático livre', critica novo presidente do STF
Ladeado pelos chefes do Executivo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e do Legislativo, o senador Garibaldi Alves (PMDB-RN) e o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), o novo presidente do Poder Judiciário, ministro Gilmar Mendes, disse ontem, na solenidade de posse, que a forma como são editadas as medidas provisórias afeta a construção de um processo democrático livre e dinâmico no País. Mendes - que considera as MPs necessárias - pede que se encontre um modelo de aplicação das medidas provisórias, mas avalia como perigosa a tentação de outros Poderes quererem substituir o direito de o Congresso legislar.
Gilmar Mendes chamou de modelo desgastado a edição de MPs em profusão. Na opinião dele, os Poderes da República encontram-se preparados e maduros para o diálogo político inteligente, suprapartidário, no intuito de solucionar um impasse que, paralisando o Congresso, embaraça o processo democrático.
Na posse, que reuniu 3.600 pessoas no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), Mendes fez, em um discurso curto, um apelo ao equilíbrio constitucional, dizendo que o tribunal tem a real dimensão de que não lhe cabe substituir-se ao legislador, muito menos restringir o exercício da atividade política, de essencial importância ao Estado constitucional. E acrescentou: Democracia se faz com política e mediante a atuação de políticos.
O ministro considera positiva a ampla aceitação da jurisdição como via institucional de resolução de conflitos, mas criticou a via judicialista, o que faz o Judiciário ser chamado a atuar na solução de questões cotidianas, mais afetas às atribuições de competência de setores administrativos. Como solução, disse estar na hora de a sociedade civil, as organizações não-governamentais, as entidades representativas de classe e órgãos como a Defensoria Pública, por exemplo, mobilizarem-se para combater esse quase hábito nacional de exigir a intermediação judicial para fazer-se cumprir a lei. Ele avalia que, por mais eficiente que se torne, o Judiciário não pode tudo.
Em um longo discurso, que durou quase uma hora, o ministro Celso de Mello, que falou em nome dos colegas da corte, tratou quase exclusivamente de um tema: o fato de que nenhum dos Poderes da República pode submeter a Constituição a seus desígnios e manipulações e razões de conveniência política. Mello pediu respeito incondicional à Constituição e defendeu o eventual ativismo judicial do STF como um remédio para combater a omissão do poder público. Sentenciou: É perigoso achar que uma Constituição existe para ser cumprida pela metade.
Todos os discursos da solenidade de posse - falaram também o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, e o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Brito - demonstraram preocupação com a crise de funcionalidade do Judiciário, o que pode, diante dos gargalos, da morosidade e da burocracia, afetar a credibilidade institucional do Poder.
Mendes disse que o Judiciário está diante de uma imensa demanda reprimida, provocada pelos cidadãos que têm consciência de seus direitos. A receita, afirmou, é abandonar a obsoleta burocracia judicial, o hermetismo dos ritos processuais e da linguagem jurídica. Mendes defendeu ainda fazer mais com os mesmos recursos e pregou a busca incessante pela melhoria da gestão, com a diminuição de custos.
Felipe Recondo e Christiane Samarco
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