por Marina Ito
A nova redação da Proposta de Emenda Parlamentar 12, de 2006, que dispõe sobre o pagamento de precatórios, deve piorar a situação dos credores. A constatação é de especialistas que participaram do seminário Precatórios Judiciais Solução Já!, promovido pela Comissão de Precatórios da OAB fluminense. De acordo com os palestrantes, se a proposta for aprovada, quem entrar na fila dos precatórios pode não receber o valor nunca mais.
Segundo o presidente da Comissão e especialista em precatórios Eduardo Gouvêa, o novo relatório da PEC 12 reduziu ainda mais o percentual do orçamento que deve ser destinado ao pagamento dos precatórios. Pelas regras atuais, não há percentual definido. Na constatação do advogado, a PEC 12 ao invés de resolver a situação que está ruim, prefere colocar no mesmo patamar os estados que, bem ou mal, pagam seus precatórios.
É muito perigoso limitar a porcentagem a ser paga pelo Estado, afirma o vice-presidente da Comissão de Precatórios do Conselho Federal da OAB, Flávio Brando. Ele acredita que o limite pode estimular o governo a não pagar e ainda ter a desculpa de que se está cumprindo a lei. A última versão é tão ruim que não faltam argumentos jurídicos, éticos, contábeis e aritméticos para derrubá-la, constata Brando, que também participou do evento. Para o advogado, os números valem mais do que os argumentos jurídicos.
Gouvêa criou uma planilha que permite o cálculo de quantos anos os estados e municípios levarão para pagar o que devem de acordo com as regras da PEC 12. Quem está na fila em 2008, só vai receber em 2050., calcula em referência à situação do estado do Rio de Janeiro.
O quadro do município de São Paulo é ainda pior. Gouvêa estima que quem já está na fila pode nunca mais receber o precatório. Levantamento do Movimento dos Advogados em Defesa dos Credores Alimentares do Poder Público (Madeca) mostra que estão pendentes os pagamentos dos precatórios alimentares que entraram no orçamento de 1999.
O principal problema, segundo Gouvêa, é que não há sanção para o governo que não arca com seus precatórios. Para o advogado, a PEC 12 afeta a imagem do país, já que se traduz em insegurança jurídica.
Segundo Gouvêa, se a PEC 12 for aprovada do modo que está, a OAB vai entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra emenda. Para o advogado, isso vai ser ruim para o país, já que, conforme ele acredita, os estados e municípios inadimplentes vão continuar não pagando sob a alegação de que há decisão pendente no Supremo Tribunal Federal.
As negociações não estão sendo feitas, afirma. Para ele, falta fazer as contas. Gouvêa promete uma reação da OAB. Segundo ele, caso os credores sejam deixados de lado, a questão será levada à Corte de Direitos Humanos.
Representantes do governo foram convidados para expor a posição do estado do Rio. Mas nenhum deles compareceu ao seminário. Segundo Eduardo Gouvêa, a situação do estado não é das piores, já que a dívida é de 2,6 bilhões. Precisa resolver, afirma.
Posição dos tribunais
Um dos convidados para o seminário na OAB fluminense, ministro Luiz Fux, do Superior Tribunal de Justiça, fez duras críticas à forma como os governos têm lidado com a questão. Segundo ele, o interesse público parece não estar sendo observado como prioridade.
Segundo Gouvêa, o STJ tem mantido os seqüestros determinados pelos tribunais estaduais. A atitude tem sido mais firme, afirma. Para ele, a falta de pagamento dos precatórios por alguns governos é um desrespeito ao próprio Poder Judiciário.
No dia 9 de junho, com o apoio da OAB fluminense, credores públicos vão realizar a primeira passeata contra o que eles chamam de calote público. A proposta é sair da sede da OAB, passar pelo Tribunal de Justiça do Rio e terminar na Assembléia Legislativa.
Leia a redação da PEC 12
PARECER Nº , DE 2008
Da COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA, sobre a Proposta de Emenda Constitucional nº 12, de 2006, que altera o art. 100 da parte permanente e insere dispositivo transitório para dar novo tratamento ao sistema de precatórios.
Relator: Senador VALDIR RAUPP
I RELATÓRIO
Vem à análise a Proposta de Emenda à Constituição nº 12, de 2006, cujo objeto é a alteração do sistema constitucional de precatórios, constante do art. 100 da Carta da República, e a inserção de um dispositivo transitório que institui o sistema de leilões, de forma a enfrentar o estoque não pago, principalmente nos âmbitos estadual e municipal.
A proposição referida pretende, principalmente pela inserção do novo dispositivo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, instaurar um sistema excepcional e temporário de pagamento dos débitos judiciais das Fazendas Públicas constantes em precatórios.
A matéria é extremamente sensível. O sistema veiculado pela versão original da Constituição Federal de 1988 mostrou-se muitas vezes inoperante e inócuo, levando a verdadeiro enriquecimento ilícito das Fazendas Públicas contra os credores. Entre as questões passíveis de críticas que estavam consagradas é de se ressaltar:
a) a determinação de correção dos valores liquidados apenas até a data de 1º de julho do ano da apresentação do precatório, não sofrendo mais correções até a data de efetivo pagamento, o que poderia ocorrer até 18 meses depois, obrigando o credor a habilitar a diferença em precatórios suplementares;
b) a inexistência de instrumentos alternativos para recuperação dos créditos, ficando o vencedor da contenda judicial contra o Poder Público ao desabrigo e ao sabor das conveniências políticas e financeiras do Executivo devedor;
c) a sujeição de todo e qualquer valor ao moroso e incerto processo de precatórios.
As Emendas à Constituição nº 30, de 13.9.2000, e 37, de 12.6.2002, alteraram o sistema, mas pouco se avançou além da permissão de pagamento direto, sem precatórios, aos débitos de pequeno valor, conforme definição legal, e da possibilidade teórica de compensação dos créditos em precatórios com débitos tributários. Esta última foi esvaziada por construções jurisprudenciais que eliminaram qualquer efeito positivo aos credores.
O quadro no País, hoje, em várias unidades da Federação, é de uma violência oficial contra os direitos constitucionais dos credores das Fazendas Públicas, que resulta em negativa reiterada e invencível de pagamentos, na resistência à compensação dos créditos com débitos de natureza tributária e na inoperância de um sistema que privilegia apenas, e muito, as entidades federativas devedoras.
Pedidos de intervenção federal, sob argumentos como descumprimento reiterado de decisões judiciais, foram negados pelo Supremo Tribunal Federal (v.g. IF 2915, de 3.2.2003), estreitando ainda mais as opções jurídicas e constitucionais utilizáveis pelos credores, na defesa de seus direitos.
Quando dos trabalhos relativos à reforma do Poder Judiciário, veiculada pela Emenda à Constituição nº 45, de 2004, o Senado Federal analisou sugestão originada do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de alteração do sistema para o de títulos sentenciais. A não-maturação conveniente dessa ousada transmutação, contudo, levou à sua exclusão do texto final, e a delicada questão dos credores de precatórios permaneceu não solvida.
A PEC nº 12/2006, ora em exame, busca um novo modelo. O sistema proposto, contudo, a nosso juízo, não representa uma solução firme e convincente aos problemas evidentes do modelo atual.
Tramitam conjuntamente com a proposição referida as Propostas de Emenda à Constituição nºs 1 e 23, de 2003; 51, de 2004; e 11, 29 e 61, de 2005.
As proposições de nºs 1, de 2003; 29, de 2005; e 61, de 2005, veiculam tratamento privilegiado aos idosos no recebimento dos precatórios de que sejam titulares.
As proposições de nº 23, de 2003; e 11, de 2005, pretendem limitar o aporte de recursos financeiros para gastos com precatórios, no orçamento.
A PEC nº 51, de 2004, por seu turno, estabelece novas hipóteses de seqüestro de quantia para pagamento de precatórios.
É o relatório.
II ANÁLISE
Analisaremos, a seguir, pontualmente, os termos da proposição principal, a PEC nº 12, de 2006.
1. O novo § 7º do art. 100 da Parte Permanente:
A redação sugerida determina que:
§ 7º Os pagamentos de precatórios somente ocorrerão após prévia compensação de valores nas hipóteses em que o credor originário possuir débitos inscritos em dívida ativa da respectiva Fazenda Pública:
I com execução fiscal não embargada; ou
II com trânsito em julgado de sentença favorável à Fazenda Pública em embargos à execução fiscal.
Sobre essa redação há dois importantes apontamentos a fazer.
Primeiramente, sabe-se que está em curso acelerado um conjunto de projetos de lei que pretende alterar o processo civil brasileiro e, com ênfase, o processo de execução. Entre as medidas em estudo está a extinção do próprio processo de execução, ou, alternativamente, a imposição de fundas alterações a ele, entre elas a eliminação dos embargos à execução. Nesse quadro, é extremamente desaconselhável que haja previsão constitucional acerca dos embargos à execução fiscal. Pode-se chegar à situação de se ter na Constituição uma referência a uma figura recursal não mais existente na legislação infraconstitucional, propiciando uma delicadíssima situação interpretativa de aproximação de outras figuras recursais correlatas.
O segundo ponto versa sobre a má redação do dispositivo. A passagem Os pagamentos de precatórios somente ocorrerão após prévia compensação de valores nas hipóteses em que... leva a conclusões dúbias:
a) Não existindo as referidas situações de embargos à execução fiscal, o pagamento de precatórios ocorrerá após a prévia compensação de valores;
b) Existindo tais embargos, não haverá pagamento após prévia compensação, mas: a) haverá pagamentos sem compensação; ou b) não haverá pagamentos.
É deficiente a técnica da negação sobre negação, por retirar clareza e fluidez do texto. Como está, a enigmática redação certamente poderá se prestar a manobras hermenêuticas paralisantes dos processos de pagamentos dos precatórios, como já tentado e feito por diversas vezes nos regimes constitucionais já experimentados sobre o sistema, desde 1988.
Urge a imposição de profunda alteração redacional no dispositivo, atribuindo-se-lhe um mínimo de clareza e, principalmente, revelando com nitidez a vontade real do legislador constituinte.
2. Sobre o novo art. 96 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Preliminarmente, cabe recuperar a moldura constitucional hoje existente ao regime de pagamento dos precatórios.
2.1. Art. 33 do ADCT
Determina o parcelamento em até oito anos, a partir de 1º de julho de 1989, para pagamento em prestações anuais, iguais e sucessivas.
Esse sistema é aplicável aos créditos relativos a precatórios pendentes de pagamento na data de promulgação da Constituição (5 de outubro de 1988), incluindo o remanescente de juros e correção monetária de precatórios já pagos ou pagos parcialmente. São excetuados os créditos de natureza alimentar.
2.2. Art. 78 do ADCT
Determina o parcelamento em até dez anos, a partir da data de promulgação da Emenda 30 (13 de novembro de 2000), para pagamento em prestações anuais, iguais e sucessivas, dos créditos decorrentes:
-de precatórios pendentes na data de promulgação da Emenda 30;
-de ações ajuizadas até 31 de dezembro de 1999.
São excetuados:
-os créditos de pequeno valor;
-os de natureza alimentícia;
-os já parcelados na forma do art. 33;
-os que já tiveram seus recursos liberados ou depositados em juízo.
Combinados os dois modelos (pois o art. 78 restaura expressamente a validade do sistema do art. 33), tem-se que estão excluídos dessas previsões:
a) os créditos de natureza alimentícia,
b) os créditos de pequeno valor, sujeitos a pagamento direto;
c) os créditos relativos a ações ajuizadas após 31 de dezembro de 1999.
Além disso, deve ser registrado, por fundamental à análise dos modelos, que nem o primeiro, nem o segundo sistema de parcelamento foram cumpridos de maneira rigorosa, havendo, portanto, um largo estoque de precatórios parcelados e cujas parcelas não foram pagas.
O § 10 do novo art. 95 que se pretende ao ADCT determina:
§ 10 Os precatórios parcelados na forma do art. 78 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e ainda pendentes de pagamentos ingressarão automaticamente no regime especial de pagamentos de acordo com o valor consolidado das parcelas não pagas relativas a cada credor.
A expressão os precatórios parcelados...e ainda pendentes de pagamento pode designar tanto apenas as parcelas vincendas quanto estas e as vencidas e ainda não quitadas.
Por uma ou outra interpretação, resulta que as parcelas não pagas relativas ao sistema do art. 33 do ADCT e as referidas acima, vão se situar na possibilidade aberta pelo caput do novo art. 95. Nesse dispositivo lê-se que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão optar, por ato do Poder Executivo... Não havendo essa opção a ser feita pela entidade devedora, registre-se, muitas das quais tem reiteradamente demonstrado não ter qualquer interesse na quitação desse monumental passivo -, tais credores ficarão sumariamente excluídos de qualquer benefício que advenha do novo sistema que se pretende.
Se se adotar, para interpretar o § 10 do art. 95 pretendido, a interpretação restritiva, de que a inserção automática no regime especial é dirigida apenas às parcelas vincendas (...parcelas não pagas...), somar-se-á a esses créditos descobertos também todas as parcelas já vencidas, relativas ao segundo parcelamento, e ainda não adimplidas pelas Fazendas Públicas.
O esvaziamento do sistema fica, então, evidente.
Com essas considerações preliminares, passamos ao exame tópico dos dispositivos que se pretendem vir a compor o novo artigo transitório.
3. Sobre o novo art. 95 do ADCT
3.1. O caput do novo art. 95
Há deficiências evidentes na redação proposta.
O regime especial de pagamentos dos precatórios é formulado claramente como uma opção às Fazendas devedoras (...poderão optar, por ato do Poder Executivo...). Basta que essa opção não seja feita para que todos os credores, exceto os beneficiados pela inclusão automática do § 10, já referido acima (e que admite interpretação restritiva), fiquem completamente à margem de qualquer benefício que o novo modelo eventualmente contenha.
Não importa qual efetivo ou necessário seja o sistema que o Congresso Nacional venha a montar para o regime especial que se pretende, basta que a entidade federativa devedora não faça a referida opção para que tudo fique exatamente como está, caindo a Emenda à Constituição em que eventualmente se converta a PEC nº 12 num vazio e numa inocuidade absolutas.
A base de cálculo dos recursos que serão destinados ao regime especial é o conceito de despesas primárias líquidas. Embora essa definição seja encontrável no § 1º do art. 1º do projeto de lei que acompanhou originalmente a proposta de emenda constitucional, deve ser registrado que:
a) absolutamente nada garante que o Congresso Nacional, ao deliberar sobre os termos de tal projeto de lei, vá manter a definição veiculada. Basta uma modificação conceitual mais restritiva para inviabilizar qualquer pretensão à efetividade do novo sistema;
b) absolutamente nada garante que a tramitação do projeto de lei referido vá receber do Congresso a mesma atenção que a presente proposta de Emenda à Constituição. Como o conceito de despesas primárias líquidas é central ao novo sistema, por ser a fonte dos recursos do regime especial, todo o sistema a ser inaugurado pelo novo art. 95 classificar-se-á como norma constitucional de eficácia limitada, ou seja, inerte de efeitos até que seja publicada a lei que disponha sobre as conceituações;
c) Os termos, condições e prazos do novo sistema serão, todos, definidos por lei federal. Sem tais definições, por nucleares ao regime especial, todo o modelo fica completamente paralisado, engessado, aguardando a regulamentação. Pode-se afirmar com absoluta correção a completa inocuidade da eventual Emenda Constitucional em que se transforme a proposição até que sejam finalizadas as referidas leis.
3.2. O § 1º do art. 96 do ADCT
A redação consagra que os recursos aplicados no pagamento de precatórios serão equivalentes.... Não há nenhuma referência ao regime especial. Embora se possa chegar a essa conclusão pela interpretação sistemática do novo dispositivo, a prática recente demonstra à saciedade que as Fazendas devedoras agarram-se a todo e qualquer argumento para esquivarem-se do pagamento. A redação, como está, poderá ser interpretada como relativa a qualquer pagamento de precatório. Embora essa linha interpretativa seja juridicamente frágil, a cautela no trato normativo do tema recomenda, enfaticamente, que todas as alternativas interpretativas laterais sejam objetivamente fechadas.
3.3. Os §§ 2º, 3º e 4º
A redação do sistema de distribuição dos recursos está satisfatória e clara. A anotar, apenas, a inexistência de previsão objetiva sobre o responsável pela movimentação da conta especial referida no § 3º. O sistema aponta para o Executivo, o que pode ser desaconselhável por representar mais um entrave possível à liberação dos recursos. Contraria, também, o sistema da Emenda 30, que determinou a alocação dos recursos ao Poder Judiciário. Cremos na necessidade de um desenvolvimento melhor para esse aspecto.
3.4. Os §§ 5º e 6º
O regramento do leilão de precatórios é claramente insatisfatório. As regras de habilitação, a funcionalidade, a avaliação das propostas, os critérios de seleção dos lances vencedores e a possibilidade de decomposição ou de competição por parcelas ideais do total devido devem ser claramente definidos no corpo da própria Emenda.
3.5. Os §§ 7º e 8º
A definição dos critérios para a composição da fila única de precatórios a serem quitados deixa claro que os pagamentos serão feitos em ordem crescente dos valores atualizados sempre com prioridade aos de menor valor, independentemente da data de apresentação. Como a alocação de valores será anual, na lei orçamentária, com dois depósitos por ano, e admitida, por lógica, a possibilidade de inscrição de novos débitos a cada exercício, é razoável a conclusão de que o sistema é montado para pagar os pequenos credores, pelo menos nos primeiros anos que se seguirem ao início de funcionamento efetivo do sistema.
3.6. O § 9º
O dispositivo cuida de remover a intervenção federal como possibilidade de coação do ente federativo que negue os pagamentos devidos em precatórios. A previsão é de pouca utilidade. A jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal (v.g. a IF nº 2915, de 3.2.2003) já vem negando a intervenção federal no caso de não alocação suficiente de recursos para saldar precatórios.
Afasta-se, também, a incidência do sistema geral do art. 100, a definição de crédito de natureza alimentícia, a consignação de valor ao Poder Judiciário e a possibilidade de seqüestro de quantia, a vedação de expedição de precatório complementar ou suplementar e de fracionamento, repartição ou quebra do valor de execução e a possibilidade de definição diferenciada do pequeno valor para fins de pagamento direto.
O afastamento do regime geral, constante no art. 100, caput, elimina, como uma de suas conseqüências, a preferência cronológica dos créditos de natureza alimentícia. A eliminação da definição constitucional, constante do § 1º-A, reforça esse objetivo. Não haverá preferência aos créditos alimentícios nem nos leilões, nem na fila única.
A eliminação da ordem de consignação dos valores orçamentários relativos a precatórios ao Poder Judiciário reforça a conclusão de que se pretende a alocação, novamente, ao Poder Executivo. A possibilidade de seqüestro de quantia, existente nesse § 2º, é retomada pelo projeto, no § 11, de onde se conclui que o objetivo foi, realmente, permitir ao Executivo a retomada do controle do processo.
O afastamento da incidência do § 4º do art. 100, que veda a expedição de precatório complementar ou suplementar, e, igualmente, o fracionamento, repartição ou quebra de valor de execução, sinaliza a possibilidade de o regime especial vir a adotar essas medidas. O § 13 do novo art. 95 prevê, expressamente, embora de maneira tímida, a possibilidade de desmembramento.
A eliminação da possibilidade de fixação diferenciada de pequenos valores (art. 100, § 5º), variável com as diferentes capacidades financeiras das entidades federativas devedoras, mas não a do pagamento direto dos créditos de pequeno valor (art. 100, § 3º), indica uma tentativa de adoção de pequeno valor nacionalmente unificado. Esse resultado atenta contra o próprio regime especial e contra a lógica do sistema de precatórios. É inviável a adoção de um pequeno valor nacional, à vista das diferentes realidades econômicas dos entes devedores. A previsão precisa ser revista. Essa conclusão da possibilidade de pagamento direto, sem precatório, como exceção à unicidade do regime especial - é reforçada pelo que consta no § 14 do texto da proposição.
3.7. O § 11
Restaura-se aqui a possibilidade de seqüestro de quantia relativa à vinculação estabelecida no § 1º. O valor seqüestrado deverá ser depositado na consta especial prevista no § 3º e será, por isso, manuseado pelo próprio Chefe do Poder Executivo que negou a liberação tempestiva dos recursos.
3.8. O § 12
A previsão de que o Chefe do Executivo responderá por crime de responsabilidade é historicamente inócua. Esse processamento é feito em ambiente político, e a possibilidade de uma punição efetiva é bastante remota.
3.9. O § 13
A redação desse dispositivo necessita de grande revisão. O desmembramento admitido está timidamente lançado e deve ser mais bem explorado, indicando, por exemplo, se tal desmembramento é possível tanto aos leilões quanto à fila única.
Embora uma interpretação livre conduza à conclusão de que o dispositivo parece cuidar de desmembramento de precatório que tenha um conjunto de credores, em litisconsórcio, são poucos os elementos a firmar essa conclusão.
Há que se estabelecer uma redação clara que leve à possibilidade de habilitação, por credores individuais, de parcelas do total do crédito, tanto nos leilões quanto na fila única.
3.10. O § 14
A prescrição deixa claro que o sistema de pagamento direto, sem precatório, sobrevive ao regime especial. Havendo desmembramento do valor do crédito, a análise da sujeição ou não ao regime de precatório será feita a partir do valor original, do total devido.
3.11. O § 15
A previsão é abusiva. A compensação tributária é um dos instrumentos de recuperação do valor devido pelo Poder Público ao credor em precatório. Sujeitar essa compensação ao critério do ente da federação, ou seja, ao devedor, é uma violência contra direitos constitucionais do credor e contra a lógica mais rasa. Somando-se essa previsão à faculdade do caput do art. 95, o quadro é de ofensa aos direitos constitucionais do credor das Fazendas Públicas.
Temos para nós que urge atribuir auto-executoriedade e eficácia plena à possibilidade de compensação de créditos.
3.12. O § 16
A exclusão de incidência de juros compensatórios é questão complexa, cujo trato inadequado pode resultar em prejuízos aos direitos dos credores. O Supremo Tribunal Federal afasta a sua incidência nos precatórios relativos às desapropriações, afirmando que excluem-se os juros moratórios e compensatórios do pagamento de precatórios decorrentes de desapropriação, realizado conforme o art. 33 do ADCT, contanto que se observem as épocas próprias dos vencimentos das prestações. Os juros moratórios são cabíveis nos casos de inadimplência da Fazenda Pública no pagamento do parcelamento previsto no art. 33 do ADCT. (RE 155.979/SP, de 23.02.2001; RE 400.413-AgR/SP, de 8.11.2004; e RE 459057, de 08.11.2005).
3.13. O art. 3º
Já nos posicionamos contra qualquer remissão à legislação ordinária. A Emenda, e o sistema que ela veicula, devem ser clara e inequivocamente auto-executáveis.
3.14. O art. 4º
O dispositivo limita-se a regular o retorno do sistema de pagamentos de precatórios ao regime geral do art. 100, com vedação de nova instituição do regime especial. Aqui, vê-se a necessidade de fixação de prazo, de sorte a não perenizar o sistema especial.
3.15. O art. 5º
A fixação de prazo para a adesão ao regime especial, contraposta à faculdade de o Executivo o fazer, existente no caput do art. 95, não melhora em nada a expectativa do credor, já que do silêncio da entidade devedora ao cabo dos 180 dias estabelecidos depreender-se-á a opção pela manutenção do modelo atual.
Anote-se que o curso do prazo inicia-se não da publicação da Emenda Constitucional, mas da publicação da lei federal que a venha regulamentar, jogando para um futuro incerto a utilização do sistema.
À vista de todo o exposto, tem-se, pelas razões e argumentos sistêmicos e jurisprudenciais colacionados, que:
1- O sistema de regime especial de pagamento de precatórios admite melhorias pois, como está posto, pode vir a se somar a outras iniciativas não efetivas sobre a questão dos débitos de precatórios, pelo que demonstrado.
2- A idéia de um fila única de pagamentos e dos leilões de valores tem méritos e merece uma análise mais cuidadosa, no sentido de seu aperfeiçoamento. Bem desenhada, poderá se converter em um instrumento efetivo na recuperação de créditos contra as Fazendas Públicas recalcitrantes nos pagamentos dos seus débitos judicialmente assentados.
3- São elementos centrais a serem eliminados:
a) qualquer referência a faculdades ou possibilidades executivas na adoção do sistema, por, pela negativa, poder inviabilizar qualquer efeito positivo que se pretenda;
b) qualquer remissão à regulamentação por legislação ordinária, tanto nas questões conceituais quanto operacionais ou procedimentais, já que a mora do Legislativo gerará fatalmente a imprestabilidade de qualquer mecanismo idealizado para beneficiar os credores ou dar efetividade ao sistema de precatórios;
c) o poder de o Chefe do Poder Executivo gerenciar o sistema e adotar decisões dentro dele, dado que, como devedor, seu interesse no desembolso é evidentemente pequeno.
Como dito acima, existe claramente a necessidade de ser dada uma resposta efetiva aos credores de precatórios das Fazendas Públicas, e a tramitação da presente proposição oferece o momento e o argumento necessários a isso. O atual regime constitucional, apesar de alterado por duas vezes, ainda não apresenta funcionalidade que homenageie o Estado de Direito. Apesar de a proposição que temos sob exame não responder adequadamente aos desafios e fragilidades do sistema, as linhas gerais que lança são utilizáveis, e, demais disso, a proposta em si cria para o Parlamento Nacional o momento apropriado a solver essa dolorosa chaga no modelo constitucional brasileiro vigente.
Demais disso, ao longo da análise elaborada por esta relatoria, de inúmeras reuniões que realizamos com os segmentos diretamente interessados no assunto e da leitura atenta das dezenas de sugestões que recebemos, resultou a necessidade de alterações importantes também na parte permanente da Carta da República, vertendo para o art. 100 novas previsões e novos instrumentos. O alcance dessas alterações nos motivou a reescrever novamente todo o dispositivo, inserindo as mudanças que nos pareceram necessárias.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 13 de maio de 2008
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