ADAPTAÇÃO ÀS NORMAS CONTÁBEIS INTERNACIONAIS
Fonte: MONITOR MERCANTIL, | Data: 23/5/2008
Para o presidente do Conselho Regional de Contabilidade do Estado do Rio de Janeiro (CRC-RJ), Antonio Miguel Fernandes, a edição da Lei 11.638/07, que referenda, no Brasil, as normas contábeis internacionais , é positiva para os contabilistas e para a sociedade em geral.
Nesta entrevista exclusiva ao MONITOR MERCANTIL, ele reconhece que a nova legislação, esperada para 2008, pegou empresários e contabilistas de surpresa, mas pondera que as novas exigências servirão como estímulo à maior qualificação dos profissionais da área.
"Estamos no caminho certo. É uma grande oportunidade, que vai gerar mais empregos para quem se qualificar e ajudar as grandes empresas a se prepararem para abertura de capital. A lei chegou em ótimo momento, quando o Brasil obteve grau de investimento. Se a economia se mantiver assim, atrairemos investimentos produtivos, permanentes. E quem vier para o Brasil vai precisar de contadores, advogados, economistas, etc. "
O senhor concorda com as críticas de alguns renomados acadêmicos quanto à nova legislação que, segundo eles, prioriza os critérios subjetivos e aumenta o risco para o exercício da profissão?
"É preciso evitar paixões doutrinárias. A Lei 11.638/07 é um avanço significativo para contabilidade e para a sociedade em geral. A lamentar, somente a data que a fez entrar em vigor - primeira semana de janeiro de 2008. A notícia acabou pegando as companhias abertas e as grandes empresas de surpresa. Caiu como uma bomba.
As empresas não sabiam que a nova lei seria aprovada, mais cedo ou mais tarde?
Sim, mas estava programado para 2009.
Qual o objetivo da nova legislação, em sua opinião?
A idéia é que as empresas com ativos de no mínimo R$ 240 milhões ou faturamento a partir de R$ 300 milhões passem a estar alinhadas aos padrões internacionais. Isso traz algumas questões ligadas ao suposto subjetivismo: foi criado o subgrupo dos ativos intangíveis - marcas, patentes, etc. - e não há mais demonstração de lucros acumulados. Houve alteração significativa do patrimônio líquido. Além disso, todo resultado tem que ter destinação bem definida, ou seja, deve estar claro o que vai para o acionista, o que fica como reserva de lucros, se houve aumento de capital. Para as companhias abertas, houve modificações no registro de doações e na demonstração do valor adicionado, espécie de PIB da empresa, que agora deverão estar demonstrados no fluxo de caixa. Tudo isso tem também o objetivo de demonstrar os balanços sociais. Acabou o instituto da reavaliação de ativos - reserva de reavaliação.
Isso não aumentou o risco do contador?
Faz parte da profissão. A responsabilidade do contabilista sempre foi essa. O risco aumentou a partir do novo código civil, que já nasceu meio velho, e com o próprio cerco da sociedade. Sempre existiu. As pessoas têm que ter competência para se estabelecer. Não dá para exercer contabilidade apenas para ser um profissional de formalismo. A profissão vai muito além. O contabilista está para a empresa como o médico está para a família. Mas precisa se mostrar valorizado para ser valorizado.
O que o contabilista deve fazer?
Agora ele deve se preparar melhor para o risco. Algumas normas internacionais são complexas e ainda não foram regulamentadas, como avaliações de ativos e passivos, ajustes patrimoniais. Mas a mudança é positiva, pois mudou o conceito de forma que a essência está acima da forma, exige conteúdo. Não existe uma receita de bolo. É uma oportunidade para os profissionais perceberem que a profissão é útil para tomada de decisões, mas isso não é responsabilidade apenas do contador. Por isso, as empresas também terão que se adaptar para que informações fluam com maior segurança. Isso exige aprimoramento do controle interno, investimento em tecnologia da informação (TI), entre outras iniciativas , para que o contador possa exercer seu ofício.
Mas não tem havido uma tendência a culpar o contabilista pelos erros cometidos por gestores de riquezas?
É verdade. As mudanças do tratamento com a informação contábil muitas vezes são imputadas ao contador, mas ele não compra, vende ou deixa de pagar tributo. Às vezes ele está na linha de frente, mas não exerce a gestão dessas riquezas. A contabilidade tem que ser reflexo da gestão, caso contrário não exerce sua utilidade. Vale lembrar que existe um laudo aprovado pela assembléia de acionistas, no caso de companhia aberta, ou pela diretoria, quando se trata de uma grande empresa. O contador vai registrar com base no laudo técnico e, se no futuro a empresa for vendida por outro valor ele não pode ser responsabilizado.
Se não houver um freio à excessiva liberalidade, a definição do "valor justo" de uma empresa não pode resultar em falsidade?
Pode, mas é uma visão conservadora. Valor justo é tão subjetivo quanto o exercício da arbitragem. Cada caso é um caso. A lei diz que as grandes empresas têm que ter auditor independente. Essa figura existe para isso, para dar respaldo às demonstrações contábeis. Tudo isso exige mudança de postura em relação ao que tínhamos em termos de profissão.
O que o senhor acha da imposição normativa de considerar o Arrendamento Mercantil (Leasing) como Imobilizado?
É uma velha discussão, que agora pelo menos tem uma diretriz. Tudo que se faz em contabilidade depende da intenção. Se você tem ações da Vale e a intenção é ter lucratividade a qualquer momento, esse ativo não é investimento, mas um ativo realizável. O leasing é uma forma disfarçada de financiamento de um bem e deve ser tratado como imobilizado, mesmo que seja pelo valor residual. Enquanto não for pago o bem é do financiador. Como são operações ligadas à substituição de ativos ligados ao imobilizado, à equipamentos, veículos, não há intenção de venda, mas são usados para fazer a empresa operar. Aviões, navios, são bens de capital. Exigem grande investimento. Há também a questão da substituição tecnológica. É diferente de alugar um veículo para uso próprio, que deve ser tratado como despesa.
No futuro, a nova legislação não redundará em novos problemas nos mercados de capitais?
É uma questão de opinião. A partir de 2010 o mundo inteiro adotará essas normas. O Mercado Comum Europeu já aderiu desde de 2005. Até os mais resistentes (EUA), já capitularam. O mercado de capitais tende a ser cada vez mais globalizado. Como lançar títulos no exterior adotando critérios locais?
Rogério Lessa
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