JORNAL DO COMMERCIO - DIREITO & JUSTIÇA
STJ nega validade a interrogatório
A possibilidade de se realizar interrogatórios por meio da videoconferência foi derrotada mais uma vez no Judiciário. Decisão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), divulgada na última sexta-feira, declarou ilícita a utilização desse instrumento.
Os ministros, seguindo voto da desembargadora convocada Jane Silva, relatora da ação, deram provimento ao habeas corpus interposto em favor de Wagner Antônio dos Santos, condenado por tráfico de drogas. Especialistas na área criminal elogiam a decisão por considerar que o mecanismo fere princípios constitucionais.
Na ação, a defesa do réu requeria a nulidade do interrogatório e da audiência realizada por videoconferência. Ela alegou a ocorrência de constrangimento ilegal devido à decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) de dar parcial provimento à apelação criminal apenas para reduzir suas penas.
Ao analisar o caso, a desembargadora convocada entendeu que interrogatório deve ser realizado sempre na presença do magistrado e do réu, de modo a satisfazer o princípio do contraditório e da ampla defesa consagrado pela Constituição.
Para o criminalista David Rechulski, sócio do escritório Rechulski e Ferraro Advogados, a decisão foi acertada. De acordo com ele, independentemente das vantagens que a videoconferência possa trazer - celeridade processual, economia com o transporte dos presos e até maior segurança com o fim do deslocamento - é preciso cuidado para que o processo não perca seu objetivo maior: o de buscar a verdade dos fatos.
"No processo, se busca a verdade real. Não se pode preteri-la em nome da celeridade", afirmou o advogado, destacando que o interrogatório é oportunidade que o juiz tem de extrair do réu as mais minuciosas impressões, como se ele está ou não mentindo ou se demostra estar arrependido. Pode ainda observar se o réu está em perfeitas condições físicas e mentais, além de poder relatar possíveis maus-tratos. "No interrogatório por videoconferência se perde boa parte da sensibilidade para se aferir corretamente impressões que só pessoalmente podem ser captadas", acrescentou o advogado.
O advogado Miguel Pachá, sócio do Tostes e Associados Advogados, tem opinião semelhante. Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ), ele destaca que é no interrogatório que o juiz tem a oportunidade de formar seu convencimento. "É preciso que haja a presença do juiz, pois só assim ele formará seu convencimento acerca das circunstâncias não só do fato, mas também das características do réu", destacou o especialista, destacando que a videoconferência seria um instrumento possível apenas na oitiva das testemunhas.
Em sua decisão, a desembargadora convocada explicou que a informatização tem papel importante no Judiciário atual, inclusive mediante a Lei 11.419/06, que estabeleceu a informatização do processo judicial, criando o peticionamento eletrônico e reduzindo gastos financeiros e de tempo. Ela afirmou que por isso não se trata de desvalorizar o papel do desenvolvimento tecnológico no processo. Na avaliação dela, para a realização do interrogatório, não é possível preterir a presença de juiz e acusado frente a frente.
CONTROVÉRSIAS
A utilização da videoconferência em interrogatórios ainda é uma questão controvertida no Judiciário. No dia 11 de julho do ano passado, por exemplo, a então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Ellen Gracie, indeferiu liminar proposta pela defesa de J.S.C. em Habeas Corpus para suspender o julgamento por tráfico de entorpecentes, uma vez que seu interrogatório havia sido realizado por meio de videoconferência.
O interrogatório foi realizado pelo TJ-SP conforme prevê a Lei estadual 11.819/05, que regula a utilização da videoconferência para interrogar no Estado. A defesa sustentou a inconstitucionalidade formal e material da norma, porque a lei violaria "a repartição constitucional de competência legislativa, invadindo o rol reservado à União e os princípios do devido processo legal, ampla defesa, contraditório, publicidade e igualdade". Dessa forma, a defesa requereu liminar ao STF contra o acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que negou o habeas lá impetrado.
Em 14 de agosto do mesmo ano, porém, a Segunda Turma do STF adotou posição diferente. Ao julgar habeas corpus concedido em favor de um condenado a mais de 14 anos de prisão por extorsão mediante seqüestro e roubo, os ministros anularam, a partir do interrogatório, o processo aberto contra ele na 30ª Vara Criminal do Foro Central de São Paulo, por considerarem que o procedimento, realizado por meio de videoconferência, foi ilegal.
A regulamentação da videoconferência no processo é tema de algumas preposições em tramitação no Congresso, entre elas a de número 2.081/07. O projeto de lei torna obrigatório o uso de videoconferência nos interrogatórios ou audiências com acusados considerados perigosos, presos ou não. De acordo com o autor, o procedimento já é amplamente usado em muitos países e mesmo pela Justiça brasileira.
A proposta prevê a presença do advogado ou defensor público na audiência. Segundo o autor, a medida visa a assegurar o direito de defesa, assim como a obrigatoriedade, também prevista no projeto, de que o acusado saiba que será ouvido por meio de videoconferência. Outro objetivo do projeto é garantir maior segurança pública.
GISELLE SOUZA
DO JORNAL DO COMMERCIO
|