18/08/2015
Opinião - Carf não pode reter cópia de identidade para retirada de cópia de processos

Opinião - Carf não pode reter cópia de identidade para retirada de cópia de processos
17 de agosto de 2015, 8h31

Por Dalton Cesar Cordeiro de Miranda

Rui Barbosa sustentava que "o primeiro advogado foi o primeiro homem que, com a influência da razão e da palavra defendeu os seus semelhantes contra a injustiça, a violência e a fraude."[1]

Recentemente, publicamos em rede social profissional comentário intitulado O Papel do Advogado:

O papel e figura do advogado deve ser objeto de admiração, por mais que alguns nos queiram fazer pensar e sentir o contrário. O profissional da advocacia — pública e privada — deve oficiar para o cumprimento e construção da imagem de um porto seguro contra as ilegitimidades e injustiças praticadas contra (todas) as pessoas. Assim, certo é que seu papel perante a sociedade é muito mais relevante do que detratores buscam retratar. Em momentos conturbados e em face da ausência de uma liderança efetivamente representativa reclama-se ainda mais a atuação dos causídicos em prol do bem-estar comum, na tribuna, nas ruas ou através da pena deitada ao papel, sem medo, sem censura! São tempos difíceis, mas não impossíveis. E é neste cenário que deve se destacar com ética, zelo, luta e dedicação, o papel do advogado.

E é "deitando a pena" sobre a tela em branco à nossa frente que promovemos a defesa dos profissionais que atuam junto ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e contra prática ilegítima que vem sendo levada a efeito por aquele tribunal administrativo.

Por oportuno, destacamos o comando insculpido na Constituição Federal de que o "advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei." (artigo 133). Some-se a tal dispositivo o fato de que "todos têm o direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral...." (inciso XXXIII, artigo 5º CF/88).

Ora, ocorre que de algum tempo para cá aquele Carf vem promovendo e exigindo a retenção de cópia de documento de identificação — profissional ou pessoal — para a entrega de cópia de peças de processos administrativos em trâmite naquele tribunal; não obstante, frisamos, já ter o requerente a obrigação de apresentar e entregar (i) a guia Darf devidamente quitada — quando for o caso —; (ii) a cópia do instrumento de procuração ou substabelecimento que tenha outorgado poderes ao profissional, combinado essa (iii) a apresentação simples do documento de identidade.

Tudo isso sob o argumento de que estão cumprindo ordens superiores.

Além de ser violência grave contra a pessoa, o profissional e ao texto constitucional, pois que deve-se levar em consideração a presunção de idoneidade e boa-fé do indivíduo, é preciso ter em boa conta que tal conduta configura crime: Artigos 1º e 3º da Lei nº 5.553 de 06 de Dezembro de 1968.

Art. 1º A nenhuma pessoa física, bem como a nenhuma pessoa jurídica, de direito público ou de direito privado, é lícito reter qualquer documento de identificação pessoal, ainda que apresentado por fotocópia autenticada ou pública-forma, inclusive comprovante de quitação com o serviço militar, título de eleitor, carteira profissional, certidão de registro de nascimento, certidão de casamento, comprovante de naturalização e carteira de identidade de estrangeiro.

Art. 3º Constitui contravenção penal, punível com pena de prisão simples de 1 (um) a 3 (três) meses ou multa de NCR$ 0,50 (cinqüenta centavos) a NCR$ 3,00 (três cruzeiros novos), a retenção de qualquer documento a que se refere esta Lei.

Parágrafo único. Quando a infração for praticada por preposto ou agente de pessoa jurídica, considerar-se-á responsável quem houver ordenado o ato que ensejou a retenção, a menos que haja, pelo executante, desobediência ou inobservância de ordens ou instruções expressas, quando, então, será este o infrator.

Causa ainda mais espécie a ilegítima exigência estar sendo cometida por órgão da Administração e servidores nele lotados, uma vez que estes estão expressamente subordinados ao princípio da legalidade, implicando o mesmo na "subordinação completa do administrador à lei. Todos os agentes públicos, desde o que lhe ocupe a cúspide até o mais modesto deles, devem ser instrumentos de fiel e dócil realização das finalidades normativas."[2]

Fazemos o alerta na esperança do Carf cessar tal prática e, se assim não o for, que os órgãos competentes e de representação reclamem e tomem as medidas cabíveis no sentido de obstar a ilegítima e infracional exigência, consubstanciada na retenção de cópia de documento de identidade no ato da retirada de cópia de processos administrativos, cujos poderes podem ser comprovados mediante a simples conferência de dados.

E assim também procedemos para impedir que medidas ainda mais gravosas tenham de ser adotadas contra aquele tribunal, cujas feridas estão a tempos em processo de cicatrização, evitando-se ainda a cena final em que os administradores fiquem "com aquela cara de Senhora Mariquinha cadê seu frade?", nas palavras da saudosa personagem Odorico Paraguaçu[3].

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1 In Novos Discursos e Conferências, p. 58 - cit: Ruy de Azevedo Sodré; Ética Profissional e Estatuto do Advogado, 4. ed., LTr, p. 267
2 CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, RDP nº 90, pp. 57-58
3 personagem de O Bem-Amado, telenovela brasileira escrita por Dias Gomes, produzida pela Rede Globo e levada ao ar de 24 de janeiro a 3 de outubro de 1973, às 22h, com direção de Régis Cardoso e supervisão de Daniel Filho. Foi a primeira telenovela em cores no Brasil, tendo sido a 17ª "novela das dez" exibida pela emissora

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Dalton Cesar Cordeiro de Miranda é advogado e especialista em Administração Pública pela EBAP-FGV.

Revista Consultor Jurídico, 17 de agosto de 2015, 8h31
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