31/05/2008
Um veto "inconstitucional"


JORNAL DO COMMERCIO - DIREITO & JUSTIÇA
Um veto "inconstitucional"

Se os dispositivos que previam a penhora de bens de família de alto valor e dos salários 20 vezes maiores que o mínimo não tivessem sido vetados do projeto de lei que reformou o Código de Processo Civil, na parte relativa ao processo de execução, em 2006, e os magistrados do Trabalho pudessem aplicar ambas as previsões, isso contribuiria para dar mais agilidade à fase de execução, tradicionalmente a mais morosa do processo trabalhista, de acordo com o procurador da República Sérgio Cruz Arenhart, do Paraná.

Segundo o procurador, a justificativa dos vetos era a de que, embora fossem razoáveis, os dispositivos quebravam a tradição jurídica brasileira de que o bem de família e a renda mensal são impenhoráveis. "Essas previsões estão em harmonia com outras regras do Direito. Em minha opinião, esse veto é inconstitucional", disse o procurador, destacando que os vetos presidenciais também estão sujeitos ao controle de constitucionalidade. "Entendo que se pode contestar a inconstitucionalidade de um veto. Essa é uma discussão, inclusive, que já foi levada ao exame do Supremo Tribunal Federal (STF)", disse.

De acordo com Arenhart, o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo, tem defendido essa fiscalização. "Existem dois tipos de vetos: o político, que não tem como contestar porque tem como fundamento o interesse público, e o veto legal. Esse último, e o ministro já escreveu sobre isso, pode ser controlado e declarado inconstitucional", acrescentou.

Arenhart argumenta a vigência dos dispositivos. "A jurisprudência tenta burlar um pouco a lei, supondo que esses dois dispositivos estejam vetados. Por exemplo, no STJ existe a seguinte opinião: quando você tem um imóvel residencial muito grande, composto por vários lotes, o lote onde não fica a casa do sujeito pode ser penhorada. Tem até uma decisão recente que permitiu a penhora de um pedaço do imóvel onde ficava a piscina. Mas acho que a gente não precisa ter toda essa construção. Acho que, como o veto foi inconstitucional, os dois dispositivos foram aprovados", disse o procurador, para quem a adoção dos dispositivos vetados é importante para se garantir a efetividade da decisão trabalhista.

MULTAS
Um ponto também criticado pelo procurador está relacionado à falta de efetividade das multas aplicadas pelos magistrados do Trabalho em caso de descumprimento da decisão judicial. Em palestra no 14ª edição do Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Conamat), no início deste mês, Arenhart explicou que o juiz pode estipular a taxa, porém não a pode cobrar de ofício.

"Por interpretação da jurisprudência brasileira, o juiz pode ordenar sob pena de multa. No entanto, ele não a pode exigir de ofício. Ele depende de a parte pedir e promover uma nova execução para realizar a cobrança. Ou seja, depende que o autor, ao que se entende que é o beneficiário da multa, peça para o juiz a execução da multa", afirmou Arenhart, para quem esse entendimento não tem a menor base.

Na opinião dele, a multa deve ser cobrada pelo magistrado de ofício, tão logo seja verificado o descumprimento pelo devedor. E mais: os valores arrecadados deveriam ser revestidos para o Estado e não para a parte que moveu a ação. "A multa iria para o Estado porque ela visa à proteção da decisão do juiz, portanto visa à proteção da decisão do Estado. Não tem o menor sentido você pegar esse dinheiro que é posto para a proteção da autoridade do Estado e dar para o autor", disse.

Para Arenhart, a multa não pode servir como meio de enriquecimento. "O credor já vai ganhar outros valores, além da multa que resultar da mora. Quem sabe até uma indenização pela demora. Então, ele tem outras garantias. Em minha opinião, dar esse dinheiro para o autor significaria enriquecimento sem causa", afirmou.

AUDÁCIA
A tradicional morosidade da fase de execução poderia ser menor se os juízes julgassem com mais audácia, no sentido de dar plena efetividade ao que diz a letra fria da lei. Essa é a avaliação do juiz trabalhista do Mato Grosso do Sul Júlio César Bebber, que também realizou palestra no 14º Conamat. Segundo o magistrado, a maior parte das decisões segue uma linha "excessivamente positivista e legalista."

Na avaliação de Bebber, esse posicionado talvez ocorra porque o Direito passou a ser pensado apenas como um produto de Estado. "O juiz passou a aplicar a lei e não o seu conteúdo. O juiz passou a ser um solitário e a não se envolver com a sociedade para não ser influenciado", criticou o magistrado, que pede mais ousadia da classe.

De acordo com Bebber, os juízes devem agir de maneira a garantir a efetividade das decisões que proferem. Ele citou como exemplo a súmula do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que visa a preservar o bem do devedor no caso da penhora provisória. O entendimento vai no sentido de se evitar a penhora sob dinheiro, tendo em vista que a sentença poderá ser modificada no futuro. Para o magistrado, essa orientação não deve ser seguida cegamente.

"Por que não penhorar o dinheiro e até mesmo liberá-lo para o credor? É uma questão de analisar os riscos. Se houver risco de que a sentença venha a ser reformada, mantém-se o direito e não se avança", disse Bebber, defendendo a aplicação da súmula nessas situações. No caso em que não existem chances de o recurso modificar a decisão, ele defende a penhora na forma da lei.

"Na execução provisória, o entendimento do TST é de que não se pode penhorar dinheiro. Mas em situações em que esse recurso tem probabilidade mínima de êxito, não tem razão não se penhorar e, inclusive, liberar esse dinheiro. É preciso mais ousadia. Mais atitude. Mais coragem", afirmou.

Segundo Bebber, o processo do trabalho sempre esteve na vanguarda. Nos últimos anos, porém, vem "enfrentando uma crise de personalidade". É que as regras processuais previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) acabaram sendo postas de lado em virtude do que o Código de Processo Civil estabelece. "Devemos buscar o CPC, mas também temos que dar importância à disciplina do assunto que existe na CLT. Usamos o processo civil ao invés de utilizarmos a criatividade para solucionar os problemas do processo do Trabalho", criticou.

O magistrado explicou que a ousadia é necessária porque as leis tendem a ficar desatualizadas. "Não é para o juiz deixar de aplicar a lei. O que digo é que a legislação está envelhecida. Quando a lei foi editada, visava a proteger determinados valores. Ao aplicar essa lei hoje é preciso saber se ela protege esses mesmos valores ou se eles mudaram. O importante é atualizar a legislação. A legislação nunca vai conseguir acompanhar o ritmo da vida", disse ainda.

GISELLE SOUZA
DO JORNAL DO COMMERCIO


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