Receita avalia tributar devolução de propina
27 de agosto de 2015
A Receita Federal está diante de um impasse na Operação Lava-Jato: cobrar ou não impostos sobre recursos devolvidos pelos delatores do esquema de corrupção na Petrobras. O sistema tributário brasileiro segue a máxima de que dinheiro não tem cheiro. Para o Fisco, pouco importa a origem do rendimento na hora de tributar.
Como os delatores da Lava-Jato receberam milhões desviados da Petrobras, esse dinheiro está em teoria sujeito a cobrança de imposto e multa. A entrada de recursos, no caso a propina, faz surgir a obrigação tributária -no jargão técnico, o “fato gerador” do tributo.
Mas alguns especialistas da Receita ponderam que, se o delator devolver o total recebido ilegalmente, não terá condições de pagar imposto sobre esse dinheiro. Dificilmente o salário de um executivo atingirá as cifras desviadas de contratos bilionários da Petrobras. Um grupo de auditores entende que a autuação da Receita seria inócua na prática, apurou o Valor.
Outros defendem que, com a entrada de recursos, a administração se torna legalmente obrigada a agir. O Código Tributário Nacional prevê que tanto atividades ilícitas quanto negócios considerados juridicamente nulos estão sujeitos a cobrança de impostos.
A questão de tributar ou não o dinheiro devolvido pelos delatores está em discussão, atualmente, entre especialistas da Receita e procuradores da força-tarefa da Lava-Jato no Paraná, ainda sem definição.
Essa é a primeira vez que a Receita se vê diante desse tipo de impasse. Nunca houve um processo judicial no Brasil com tantas delações premiadas envolvendo quantias tão altas como a Lava-Jato. O Ministério Público Federal fechou até agora 28 acordos de delação premiada dentro da operação. Ao todo, já foram recuperados R$ 870 milhões.
Alguns especialistas da Receita simpáticos à ideia de não tributar os delatores asseguram que procuraram, mas não encontraram qualquer norma que permita o perdão. Nem a legislação tributária nem a lei das organizações criminosas, que regulamenta o uso da delação premiada, faz esse tipo de previsão.
Para completar, os acordos de delação premiada também não abordaram os efeitos tributários da confissão dos crimes e devolução de dinheiro.
O problema dos auditores é que, se a Receita optar por liberar os delatores, eles não poderão simplesmente fazer vista grossa, e nem usar a mera justificativa de que esse é o caminho mais justo ou mais viável na prática. Eventual determinação de não cobrar imposto terá que ser legalmente e formalmente explicitada.
Com o vácuo legal, especialistas buscam precedentes em cortes administrativas e no Judiciário. Já foi aventado, por exemplo, um paralelo com casos de apreensão e devolução para o Estado de bens obtidos com a prática de crimes. Algumas decisões judiciais concluíram que sobre esses valores não incide imposto. Para essa corrente, a mesma lógica se aplicaria ao dinheiro envolvido nos acordos de delação. Mas auditores e procuradores ainda buscam um embasamento jurídico mais sólido para corroborar possível ação nesse sentido. Os que defendem a tributação, por outro lado, apontam a obrigação prevista em lei.
O juiz Sergio Moro, responsável pela Lava-Jato na Justiça Federal de Curitiba, determinou à Receita que eventuais representações fiscais por crimes contra a ordem tributária envolvendo delatores sejam encaminhadas ao grupo de procuradores “para providências”.
A Receita conta com uma equipe especial para cuidar da Lava-Jato, formada por 39 auditores fiscais executando as ações e mais de 15 analisando os procedimentos e selecionando os alvos de fiscalização. A tendência é que mais funcionários sejam destacados para o trabalho. Alguns integrantes do grupo defendem uma mudança na lei brasileira para prever, claramente, como enquadrar a atuação do Fisco em casos de devolução de dinheiro por meio de acordos de delação.
Por Maíra Magro
Valor Econômico
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