JF/SP dispensa empresa de cumprir obrigação fiscal prevista na MP 685
Empresa deveria comunicar à RF suas operações e atos ou negócios jurídicos que acarretassem supressão, redução ou diferimento de tributo.
quinta-feira, 3 de setembro de 2015
A JF/SP concedeu liminarmente a uma empresa a suspensão da obrigação de comunicar à Secretaria da Receita Federal a realização de seu planejamento fiscal do último ano, contendo as operações e atos ou negócios jurídicos que acarretem supressão, redução ou diferimento de tributo. A obrigação fiscal estava prevista na MP 685/15, que institui o Programa de Redução de Litígios Tributários - Prorelit. A decisão é da juíza Raquel Fernandez Perrini, da 4ª Vara Federal Cível em São Paulo/SP.
De acordo com a norma, a informação deveria ser remetida à administração tributária federal até 30 de setembro. A MP estabelece que, em caso de descumprimento, será caracterizada omissão dolosa do contribuinte com intuito de sonegação ou fraude, e os tributos devidos serão cobrados acrescidos de juros de mora e multa.
De acordo com a autora do pedido, a medida permite que a fiscalização atue com base em critérios indefinidos e subjetivos, além de criar a presunção do dolo, fraude e sonegação, sem que o Fisco faça a necessária prova. Alega ainda a inconstitucionalidade e ilegalidade na determinação, uma vez que não observa, entre outros, os princípios da legalidade, da capacidade contributiva e da livre iniciativa.
Para a juíza, a prova para caracterizar a omissão dolosa com intuito fraudatório deve ser produzida pelo Fisco, não cabendo presumir, de forma automática, o dolo do contribuinte, especialmente quando a norma utiliza conceitos vagos como, por exemplo, 'razões extraordinárias relevantes'.
"O planejamento tributário (ou elisão fiscal), desde que concebido nos limites da ordem jurídica, é procedimento legítimo, dado que capaz de gerar legalmente uma redução da carga tributária incidente sobre a atividade empresarial."
• Processo: 0016111-48.2015.403.6100
Veja a decisão.
Consulta da Movimentação Número : 3 PROCESSO 0016111-48.2015.4.03.6100 Autos com (Conclusão) ao Juiz em 19/08/2015 p/ Despacho/Decisão S/LIMINAR *** Sentença/Despacho/Decisão/Ato Ordinátorio
Vistos, etc. Cuida-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por MAQUIMASA DO BRASIL INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA, contra ato do DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DE ADMINIST TRIBUTÁRIA EM SP - DERAT, objetivando não ser compelida ao cumprimento dos artigos 7º a 12 da Medida Provisória nº 685/2015.Sustenta que a MP 685/2015 instituiu a obrigação do contribuinte comunicar à Secretaria da Receita Federal do Brasil sobre a realização de seu planejamento fiscal, informando atos e negócios jurídicos praticados no ano anterior e que acarretem a redução, eliminação ou diferimento do pagamento de tributo. Outrossim, a não comunicação configurará omissão dolosa do sujeito passivo com intuito de sonegação ou fraude, resultando na multa agravada de 150% (cento e cinquenta por cento) e representação ao Ministério Público Federal para fins criminais. Alega que, dessa forma, criou-se uma presunção de dolo, fraude e sonegação, sem que o Fisco faça a necessária prova; além disso, permite que a fiscalização atue com base em critérios indefinidos e subjetivos, posto que ausentes parâmetros legais precisos. Sustenta que o planejamento fiscal é inerente ao princípio da livre iniciativa, não podendo o Fisco presumir a ausência de propósito negocial nos atos praticados pelo contribuinte. Ademais, a cláusula geral antielisiva (art. 116, parágrafo único, CTN, incluído pela LC nº 116/01) se dirige somente ao abuso de direito e não atinge o regular planejamento fiscal. Aduz, em síntese, haver inconstitucionalidade e ilegalidade na determinação, uma vez que não observa, entre outros, os princípios da legalidade, da capacidade contributiva e da livre iniciativa. Juntou documentos. É o relatório. Decido. Ante o "Quadro Indicativo de Possibilidade de Prevenção" constante do termo de fl. 30/31, afasto a possibilidade de prevenção, por se tratar de assuntos diversos. Quanto ao tema, a MP nº 685, de 21/07/2015, institui o "Programa de Redução de Litígios Tributários - PRORELIT, cria a obrigação de informar à administração tributária federal as operações e atos ou negócios jurídicos que acarretem supressão, redução ou diferimento de tributo e autoriza o Poder Executivo federal a atualizar monetariamente o valor das taxas que indica". Seus artigos 7º, 8º, 9º, 11 e 12 assim dispõem:
"Art. 7º. O conjunto de operações realizadas no ano-calendário anterior que envolva atos ou negócios jurídicos que acarretem supressão, redução ou diferimento de tributo deverá ser declarado pelo sujeito passivo à Secretaria da Receita Federal do Brasil, até 30 de setembro de cada ano, quando: I - os atos ou negócios jurídicos praticados não possuírem razões extratributárias relevantes; II - a forma adotada não for usual, utilizar-se de negócio jurídico indireto ou contiver cláusula que desnature, ainda que parcialmente, os efeitos de um contrato típico; ou III - tratar de atos ou negócios jurídicos específicos previstos em ato da Secretaria da Receita Federal do Brasil. Parágrafo único. O sujeito passivo apresentará uma declaração para cada conjunto de operações executadas de forma interligada, nos termos da regulamentação. Art. 8º. A declaração do sujeito passivo que relatar atos ou negócios jurídicos ainda não ocorridos será tratada como consulta à legislação tributária, nos termos dos art. 46 a art. 58 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972. Art. 9º. Na hipótese de a Secretaria da Receita Federal do Brasil não reconhecer, para fins tributários, as operações declaradas nos termos do art. 7º, o sujeito passivo será intimado a recolher ou a parcelar, no prazo de trinta dias, os tributos devidos acrescidos apenas de juros de mora. Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica às operações que estejam sob procedimento de fiscalização quando da apresentação da declaração.(...) Art. 11. A declaração de que trata o art. 7º, inclusive a retificadora ou a complementar, será ineficaz quando: I - apresentada por quem não for o sujeito passivo das obrigações tributárias eventualmente resultantes das operações referentes aos atos ou negócios jurídicos declarados; II - omissa em relação a dados essenciais para a compreensão do ato ou negócio jurídico; III - contiver hipótese de falsidade material ou ideológica; e IV - envolver interposição fraudulenta de pessoas. Art. 12. O descumprimento do disposto no art. 7º ou a ocorrência de alguma das situações previstas no art. 11 caracteriza omissão dolosa do sujeito passivo com intuito de sonegação ou fraude e os tributos devidos serão cobrados acrescidos de juros de mora e da multa prevista no 1º do art. 44 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996". De acordo com a Exposição de Motivos da MP 685/2015, a medida "estabelece a necessidade de revelação de estratégias de planejamento tributário, que visa aumentar a segurança jurídica no ambiente de negócios do país e gerar economia de recursos públicos em litígios desnecessários e demorados. A ausência de informações completas e relevantes a respeito das estratégias de planejamentos tributários nocivos é um dos principais desafios enfrentados pelas administrações tributárias no mundo. O acesso tempestivo a tais informações oferece a oportunidade de responder rapidamente aos riscos de perda de arrecadação tributária por meio de fiscalização ou de mudança na legislação. (...) O principal objetivo dessa medida é instruir a administração tributária com informação tempestiva a respeito de planejamento tributário, além de conferir
segurança jurídica à empresa que revela a operação, inclusive com cobrança apenas do tributo devido e de juros de mora caso a operação não seja reconhecida, para fins tributários, pela RFB. Ademais, destaca-se que a medida estimula postura mais cautelosa por parte dos jurisdicionados antes de fazer uso de planejamentos tributários agressivos". Da leitura da norma e de sua exposição de motivos, ressalta que, ao lado de seu propósito de transparência e segurança, a medida também se presta a facilitar a fiscalização, uma vez que torna obrigatória a declaração do conjunto de operações realizadas no ano-calendário anterior que envolva atos ou negócios jurídicos que acarretem supressão, redução ou diferimento de tributo. Ao que tudo indica, a regra veio para regulamentar o artigo 116, parágrafo único do Código Tributário Nacional, verbis: "Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos: I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios; II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável. Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária". Na forma do artigo 62 da CF, a edição de MP requer a presença simultânea dos requisitos de relevância e urgência, que, em princípio, não estão presentes, levando-se em conta que o parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional está em vigor desde 2001, quando foi introduzido pela Lei Complementar nº 104, de 10.1.2001. Mas, este não é o principal argumento para a análise do pedido. Ressalta do texto legal que o denominado planejamento tributário, que envolva atos ou negócios jurídicos que acarretem supressão, redução ou diferimento de tributo, deve ser submetido ao Fisco. Por outro lado, caso a autoridade administrativa não reconheça como válido o planejamento, estará autorizada a, além de cobrar os tributos em 30 dias, com juros de mora, considerar que houve omissão dolosa do sujeito passivo com intuito de sonegação ou fraude, cobrando-se o valor devido acrescido de juros de mora e da multa prevista no 1º do art. 44 da Lei nº 9.430/96, vale dizer, com incidência da sanção imposta às fraudes tributárias. Quanto a esse aspecto, cabe avaliação por duas óticas. O artigo 7º, I e II, da MP 685/2015 utiliza expressões vagas, de contornos imprecisos, mencionando "razões extratributárias relevantes" e forma adotada não usual. Essas expressões podem ser interpretadas de forma elástica, contribuindo para eventual subjetivismo que acarreta insegurança jurídica.
Outro vetor importante é o fato de que o descumprimento das obrigações acessórias, por si só, permite que seja caracterizada omissão dolosa, com intuito fraudatório. Isso significa que se estabeleceu a presunção de dolo por parte do contribuinte. Cabe anotar que, ordinariamente, o propósito de uma pessoa jurídica é a realização de seu objeto social. Daí incide a máxima de que o ordinário se presume e o extraordinário deve ser provado. E essa prova há que ser produzida pelo Fisco, não cabendo presumir, de forma automática, o dolo do contribuinte, especialmente quando a norma permite a utilização de conceitos vagos como, por exemplo, "razões extratributárias relevantes". Evidente que não se compactua com a fraude fiscal ou condutas marginais. Porém, ao prever que o contribuinte deve submeter ao Fisco o planejamento tributário do ano anterior e, ainda, declaração de atos ou negócios jurídicos ainda não ocorridos, significa que a fiscalização poderá ser prévia ou a posteriori. O processo de consulta já é previsto pelos artigos 46 a art. 58 do Decreto nº 70.235/72, tanto que expressamente mencionado pelo artigo 8º da MP 685/2015, sendo faculdade do sujeito passivo ("Art. 46. O sujeito passivo poderá formular consulta sobre dispositivos da legislação tributária aplicáveis a fato determinado"). A obrigação, à primeira luz, não observa o princípio da livre iniciativa (art. 1º, IV, CF), da livre concorrência (art. 170, IV, CF) e o da propriedade privada (art. 170, II, CF), ao suprimir do contribuinte a autonomia de equacionar seus negócios da forma que melhor entender. O planejamento tributário (ou elisão fiscal), desde que concebido nos limites da ordem jurídica, é procedimento legítimo, dado que capaz de gerar legalmente uma redução da carga tributária incidente sobre a atividade empresarial. Por fim, o arcabouço legal dispõe de medidas aptas a coibir o abuso da personalidade jurídica (v.g., art. 50, Código Civil) e o ilícito fiscal, inclusive na seara criminal. Nessa medida, presente o fumus boni iuris. O periculum in mora, de seu turno, consiste na obrigação de entrega das informações até o dia 30/09/2015. Anoto que nenhum prejuízo será carreado ao impetrado, uma vez que, caso improcedente a demanda, o Fisco poderá exigir a entrega das informações e impor a penalidade eventualmente cabível. Pelo exposto, defiro a liminar. Notifique-se a autoridade impetrada, a fim de que preste suas informações no prazo de 10 (dez) dias. Após, remetam-se os autos ao Ministério Público Federal e tornem conclusos para sentença. Int. Oficie-se.
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