OPA da Souza Cruz reacende debate com Fisco
23/10/2015
Por Daniela Meibak | De São Paulo
A oferta de aquisição de ações da Souza Cruz pela controladora British Tobacco, com o objetivo de fechar o capital da companhia, trouxe à tona a questão da tributação de ganho de capital para o investidor estrangeiro.
Grandes acionistas residentes fora do país anteciparam a venda de ações da fabricante de cigarros em bolsa para garantir a isenção do tributo, em vez de esperar o leilão da OPA. Eles não quiseram correr o risco de serem tributados no leilão.
A discussão que coloca de um lado investidores e do outro a Receita Federal é se o leilão da OPA tem o mesmo tratamento tributário de uma operação comum em bolsa, que isenta o investidor estrangeiro da alíquota de 15% sobre o ganho de capital.
O caso da Souza Cruz chamou atenção porque a empresa tem uma grande base de acionistas estrangeiros. No fim de setembro, quase 70% dos papéis em circulação estavam nas mãos de acionistas não residentes no Brasil. Mas a discussão esteve presente também em uma oferta por ações da companhia aérea TAM, decorrente da fusão com a chilena LAN, em 2012, e foi parar na Justiça.
Do ponto de vista econômico, a tributação do leilão não faz sentido, segundo a sócia da área tributária do escritório Demarest Eloisa Curi, uma vez que o investidor pode vender os ativos dias antes no mercado por um preço parecido, já que a cotação das ações em bolsa tende a buscar o valor definido para a oferta. Para outro advogado que preferiu não se identificar, a tentativa de tributar por parte da Receita Federal traz insegurança ao investidor estrangeiro, que prefere sair do papel antes do leilão.
O argumento da Receita é que a OPA não é uma operação em bolsa de valores porque a liquidação do negócio se dá de 30 a 45 dias depois da publicação do edital, o que é diferente de uma transação feita no mercado. O Fisco alega ainda que na oferta pública o mecanismo de formação de preço é completamente diferente daquele que se verifica na bolsa – o valor a ser pago por ação é pré-determinado pelo controlador.
O processo judicial decorrente da oferta da TAM envolve a União e os acionistas Morgan Stanley Uruguay e Morgan Stanley & Co International. O Morgan Stanley Uruguay tinha 6,85% das ordinárias e 6,15% das preferenciais, no total de 4,97% do capital social da companhia de aviação, de acordo com o último formulário de referência antes do leilão da OPA. O Morgan Stanley & Co International não aparecia como um acionista relevante no documento. O processo tramita no Tribunal Regional Federal da 3ª Região e os acionistas conseguiram liminar para evitar o pagamento do imposto cobrado pela Receita, decisão contestada pela União, mas sem sucesso.
O argumento dos investidores é que o ganho de capital seria, de fato, obtido apenas na operação em bolsa de valores. Apesar das etapas anteriores do processo, até a realização do leilão o ganho não se concretiza. Os acionistas têm a seu favor um parecer da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Após consulta feita em 2012, o superintendente de registro de valores mobiliários da CVM na ocasião, Reginaldo Pereira de Oliveira, afirmou que a área técnica da autarquia entende que o leilão realizado como parte da OPA, embora observe procedimento próprio, caracteriza-se como operação realizada em bolsa.
A Instrução CVM 361/2002 prevê, no mínimo, duas fases constituintes da OPA: uma fora de bolsa de valores, com oferta pública de aquisição, utilizando-se de qualquer meio de publicidade da oferta, e outra dentro da bolsa de valores, referindo-se ao leilão de compra propriamente dito.
Em setembro de 2013, durante o processo decorrente da OPA da TAM, o Ministério da Fazenda também foi consultado e seguiu o entendimento da CVM. “A oferta pública de aquisição de ações, quando a sua efetivação é realizada em bolsa, enquadra-se inequivocadamente no conceito de operação típica de bolsa de valores e não enseja a ocorrência em tese do fato gerador do ganho de capital”, diz o parecer do ministério.
Procurados, Receita Federal, Morgan Stanley e os advogados envolvidos no caso da TAM não quiseram falar sobre o assunto.
A resposta de uma consulta de 2010 à Receita Federal em outro tipo de operação mostra a posição contrária da instituição sobre esse assunto. Na ocasião, a consulta foi feita à Receita sobre a tributação da venda de cotas de fundo de investimento imobiliário na Cetip. O Fisco avaliou que a operação na Cetip não poderia ser considerada venda em bolsa, sobretudo no que diz respeito aos mecanismos de formação de preços. É o mesmo questionamento dos leilões de OPA.
Com o temor de passar pelo mesmo processo de tributação, investidores da Souza Cruz preferiram antecipar a venda. Advogados afirmam que a preocupação dos estrangeiros é recorrente.
O analista de bebidas, alimentos e tabaco do Bradesco, Gabriel Lima, diz que muitos investidores da Souza Cruz são antigos e corriam o risco de pagar grande volume de impostos sobre ganhos acumulados, o que levou alguns a sair do ativo antes do fechamento de capital.
No dia 7 de outubro, 86,5 milhões de ações da fabricante de cigarros foram vendidas em bolsa, o que corresponde a 5,65% do capital total. O preço foi de R$ 26,85, próximo ao valor oferecido pela controladora, de R$ 27,20. O leilão ocorreu no dia 15 de outubro.
Valor Econômico
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