22/12/2015
Homologação de recuperação não precisa de certidão negativa

Homologação de recuperação não precisa de certidão negativa

21/12/2015

Por Giselle Sousa

Empresa em dificuldade financeira não tem a obrigação de apresentar certidão negativa de débito tributário para ter o pedido de recuperação aceito pelo Poder Judiciário. Foi o que definiu a 7ª Câmara do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em uma das primeiras decisões depois da edição da Lei 13.043/2014, que instituiu o parcelamento dos débitos junto à União para as companhias que se encontram nessa condição.

Promulgada em novembro de 2014, a lei fixa, no artigo 43, que “o empresário ou a sociedade empresária que pleitear ou tiver deferido o processamento da recuperação judicial” poderão “parcelar seus débitos com a Fazenda Nacional em 84 parcelas mensais e consecutivas”, observando-se alguns critérios estabelecidos na própria norma.

A adesão ao parcelamento passou a ser considerada nos pedidos de recuperação por viabilizar a certidão negativa de débito tributário exigida pelo artigo 57 da Lei 11.101/2005, que trata da recuperação judicial e extrajudicial das empresas em crise. Pelo artigo 58 da mesma legislação, somente depois de cumprida todas as exigências, o juiz pode autorizar a recuperação judicial do devedor.

Publicada na quinta-feira (17/12), a decisão da 7ª Câmara Cível do TJ-RJ mantém, na prática, a jurisprudência consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça antes da edição da Lei 13.043. Até então, para a corte, a inexistência de lei específica sobre as regras de parcelamento de dívida fiscal e previdenciária de empresas em recuperação judicial autoriza a homologação do plano sem necessidade de apresentação das certidões negativas exigidas.

Condições desfavoráveis
O caso chegou à 7ª Câmara Cível do TJ-RJ por meio de um agravo de instrumento interposto por uma empresa de engenharia, que queria se livrar da obrigação de ter que apresentar a certidão negativa. A companhia alegou que as condições de parcelamento iriam prejudicar o seu fluxo de caixa, que já estava comprometido com o plano de recuperação judicial. E argumentou que o financiamento estabelecido na Lei 13.043 não atende a finalidade da Lei 11.101/2005, que se orienta pelo princípio da preservação da pessoa jurídica.

O desembargador Luciano Rinaldi, que relatou o caso, acolheu o pedido da companhia por dois motivos. O primeiro foi cronológico: o pedido de recuperação foi feito em maio de 2013, portanto antes da Lei 13.043 entrar em vigor. O segundo pelo fato de a Lei 13.043 alcançar apenas os débitos federais. “Não é lógico, pelo prisma da razoabilidade que apenas a certidão negativa de débitos fiscais federais seja relevante para efeito de homologação do plano de recuperação, em detrimento das dívidas fiscais estaduais e municipais”, ponderou.

Mas segundo o desembargador, ainda que se admitisse que a Lei 13.043 atende a exigência do artigo 57 da Lei 11.101, o entendimento a prevalecer seria o que visasse à preservação da empresa em dificuldade. Nesse sentido, ele criticou a “clara dissintonia” do dispositivo com relação ao artigo 47 da mesma lei, que estabelece como o objetivo da recuperação judicial “viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeiro do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores”.

“Urge reconhecer que, em muitos casos, os artigos 47 e 57 são inconciliáveis, levando à inviabilização dos processos de recuperação judicial e, por consequência, impedindo o soerguimento da empresa em dificuldades financeiras, com risco de irem ao colapso, especialmente atentando-se para atual realidade brasileira, em momento de depressão econômica”, afirmou.

O relator lembrou que a cobrança judicial do crédito tributário não está sujeito aos efeitos da recuperação judicial. Mas o fato é que, na maior parte dos casos, a empresa em recuperação não dispõe de recursos suficientes para quitar as dívidas fiscais. Esses casos têm que ser avaliados com cuidados, afirmou o desembargador.

“No caso concreto, com amparo nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, deve prevalecer a proteção ao interesse jurídico e social mais relevante, que é a preservação da empresa […]. Nesse contexto, deve predominar a proteção ao emprego, aos valores sociais do trabalho, à preservação da empresa com potencial de se reerguer e contribuir para o desenvolvimento da economia, inclusive gerando a continuidade da arrecadação, que seria interrompida em caso de decretação de falência”, escreveu.

Acórdão.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO SÉTIMA CÂMARA CÍVEL Agravo de Instrumento nº 0050788-91.2015.8.19.0000 Agravante: PROEN PROJETOS ENGENHARIA COMÉRCIO E MONTAGENS LTDA. - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL Relator: Desembargador Luciano Saboia Rinaldi de Carvalho (Classificação: 05)
DIREITO EMPRESARIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DECISÃO AGRAVADA CONDICIONANDO A HOMOLOGAÇÃO DO PLANO À APRESENTAÇÃO DE CERTIDÕES NEGATIVAS DE DÉBITOS FISCAIS EXIGIDAS PELO ART. 57 DA LRF, CONSIDERANDO O ADVENTO DA LEI Nº 13.043/2014, QUE DISCIPLINA O PARCELAMENTO ESPECIAL PARA DÍVIDAS FISCAIS COM A UNIÃO DE EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DESNECESSIDADE. REFORMA. 1. Antes da edição da referida Lei nº 13.043/2014, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se definiu assentando que a inexistência de lei específica acerca das regras de parcelamento de dívida fiscal e previdenciária de empresas em recuperação judicial autoriza a homologação do plano sem necessidade de apresentação de certidões negativas exigidas pelo art. 57 da LRF. 2. Segundo orientação do Superior Tribunal de Justiça, “o art. 57 da Lei n. 11.101/2005 e o art. 191-A do CTN devem ser interpretados à luz das novas diretrizes traçadas pelo legislador para as dívidas tributárias, com vistas, notadamente, à previsão legal de parcelamento do crédito tributário em benefício da empresa em recuperação, que é causa de suspensão da exigibilidade do tributo, nos termos do art. 151, inciso VI, do CTN”. E, ainda, “que eventual descumprimento do que dispõe o art. 57 da LRF só pode ser atribuído, ao menos imediatamente e por ora, à ausência de legislação específica que discipline o parcelamento em sede de recuperação judicial, não constituindo ônus do contribuinte, enquanto se fizer inerte o legislador, a apresentação de certidões de regularidade fiscal para que lhe seja concedida a recuperação”. (REsp 1187404/MT, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, j. 19/06/2013) 3. No caso presente, o pedido de recuperação judicial foi protocolizado em 20/05/2013, antes, portanto, da edição da Lei nº 13.043/2014, que entrou vigor somente em 13/11/2014. Dessa forma, como não havia lei regulamentadora acerca do parcelamento especial na ocasião do ajuizamento da ação, a controvérsia deve ser decidida com base no princípio tempus regit actum, sem perder de vista outro princípio, da segurança jurídica. Assim, por tal motivo, o art. 57 da LRF não pode obstaculizar a homologação do plano de recuperação judicial, na linha de entendimento da Corte Superior.
4. Ademais disso, o parcelamento objeto da Lei nº 13.043/2014 alcança apenas os débitos federais, mantendo a lacuna legislativa em relação às dívidas fiscais estaduais e municipais, sendo ilógico, pelo prisma da razoabilidade, que apenas a certidão negativa de débitos fiscais federais seja relevante para efeito de homologação do plano de recuperação, em detrimento das dívidas fiscais estaduais e municipais, como se houvesse uma impensável ordem hierárquica para o recolhimento de tributos. Logo, o parcelamento especial concebido pela Lei nº 13.043/2014, por incompleto, não atende a exigência contida no art. 57 da LRF, devendo, por conseguinte, ser mantida a jurisprudência prevalecente na Corte Superior a respeito do tema, no sentido de permitir a dispensa das certidões negativas para fins de homologação do plano de recuperação. 5. Urge reconhecer que, em muitos casos, os artigos 47 e 57 da LRF são inconciliáveis, levando à inviabilização dos processos de recuperação judicial e, por consequência, impedindo o soerguimento da empresa em dificuldades financeiras. Embora a homologação do plano de recuperação esteja condicionada à apresentação das certidões negativas de débitos fiscais (art. 57, LRF e art. 191-A, CTN), deve preponderar o princípio da preservação da empresa, insculpido no art. 47 da lei recuperacional, cujo propósito maior é proteger a fonte produtora, o emprego, a função social da empresa e o estímulo à atividade econômica.
6. As disposições da LRF devem ser aplicadas de forma harmônica e sistemática, e não isoladamente. O art. 47 expõe categoricamente seu objetivo de viabilizar a empresa viável, com chance real de recuperação, preservando a fonte produtora e geradora de empregos, promovendo sua função social e estimulando a atividade econômica. O art. 57, por seu turno, limita-se à obrigatoriedade formal de assegurar a quitação fiscal, prestigiando a arrecadação. Ambos os interesses (preservação da empresa x arrecadação) militam em favor da coletividade; o primeiro pela manutenção de empregos e atividade produtiva; o segundo porque o produto da arrecadação, presumivelmente, reverte para o bem comum, de modo a atender as demandas da sociedade.
7. No caso concreto, com amparo nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, deve prevalecer a proteção ao interesse jurídico e social mais relevante, que é a preservação da empresa, mesmo porque, conforme art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Nesse contexto, deve predominar a proteção ao emprego, aos valores sociais do trabalho, à preservação da empresa com potencial de se reerguer e contribuir para o desenvolvimento da economia, inclusive gerando a continuidade da arrecadação, que seria interrompida em caso de decretação de falência. Por conclusão lógica, pode-se afirmar que a continuidade da empresa viável atende também ao interesse arrecadatório do próprio Fisco e, em última análise, da coletividade.
8. Doutrina e jurisprudência sobre o tema.
9. Provimento do recurso, dispensando-se a necessidade de apresentação de certidões negativas de débitos fiscais como condicionante à homologação do Plano de Recuperação Judicial, mesmo após a edição da Lei 13.043/2014.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 0050788-91.2015.8.19.0000, em que é Agravante PROEN PROJETOS ENGENHARIA COMÉRCIO E MONTAGENS LTDA. - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
Acordam os Desembargadores que integram a Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em prover o recurso, nos termos do voto do Desembargador Relator.

ConJur
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