Quarta-feira, 09 de Julho de 2008
STF concede liberdade ao banqueiro Daniel Dantas
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, concedeu pedido de Habeas Corpus (HC 95009) para o banqueiro Daniel Dantas, preso por decreto da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo. Na decisão, o ministro considerou que não há fundamentos suficientes que justifiquem o decreto de prisão temporária de Dantas e sua irmã, Verônica, bem como de outras nove pessoas (funcionários/sócios/acionistas do Banco Opportunity e do Opportunity Equity Partners), seja por ser desnecessário o encarceramento para imediato interrogatório, seja por nada justificar a providência para fins de confronto com provas colhidas.
Segundo ele, ainda que tais fundamentos fossem suficientes, o tempo decorrido desde a deflagração da operação policial indica a desnecessidade da manutenção da custódia temporária para garantir a preservação dos elementos probatórios.
O alvará de soltura foi expedido em favor de:
1) Daniel Valente Dantas;
2) Verônica Valente Dantas;
3) Daniele Silbergleid Ninnio;
4) Arthur Joaquim de Carvalho;
5) Carlos Bernardo Torres Rodenburg;
6) Eduardo Penido Monteiro;
7) Dório Ferman;
8) Itamar Benigno Filho;
9) Norberto Aguiar Tomaz;
10) Maria Amália Delfim de Melo Coutrin;
11) Rodrigo Bhering de Andrade.
Leia a íntegra da decisão.
Leia mais:
09/07/08 - STF garante acesso de Daniel Dantas ao processo
Processos relacionados
HC 9500ia
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LEIA ABAIXO A DECISÃO
MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 95.009-4 SÃO PAULO
RELATOR : MIN. EROS GRAU
PACIENTE(S) : DANIEL VALENTE DANTAS
PACIENTE(S) : VERÔNICA VALENTE DANTAS
IMPETRANTE(S) : NÉLIO ROBERTO SEIDL MACHADO E
OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES) : RELATOR DO HC Nº 107.514 DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DECISÃO: Em decisão de fls. 61-71, deferi o
pedido de medida liminar para permitir o acesso aos autos
pelos pacientes e seus procuradores dos processos autuados
sob os nºs. 2007.61.81.001285-2; 2008.61.81.008936-1; e
2008.61.81.008919-1, em curso perante a 6ª Vara Criminal
Federal da Seção Judiciária de São Paulo.
Requisitei, ainda, ao Juízo da 6ª Vara Criminal
Federal da Seção Judiciária de São Paulo, cópia da decisão
que decretou a prisão temporária dos pacientes e as
correspondentes medidas de busca e apreensão, assim como
outras informações que entendesse pertinentes.
Comunicada a decisão ao Juízo da 6ª Vara Criminal
Federal da Seção Judiciária de São Paulo (fls. 74-79), as
informações foram prestadas pelo Juiz Federal em Plantão
Judiciário (fls. 81-83), nos seguintes termos:
Inicialmente, cabe frisar que o acesso aos
autos foi imediatamente garantido em plantão, nos
termos da decisão liminar de Vossa Excelência,
sendo certo que até o presente momento não houve
comparecimento de qualquer procurador ou advogado
constituído.
Tendo em vista a grande quantidade de volumes e
apensos, bem como a complexidade do processo, não
é possível, ao menos de imediato, a prestação das
informações por Juiz de Plantão, razão pela qual
entrei em contato com Juiz natural Dr. Fausto De
Sanctis o qual comunicou-se com a Presidente do
Tribunal Regional Federal da Terceira Região que,
por sua vez, comprometeu-se a entrar em contato
direto com o Supremo Tribunal Federal. Além
disso, o referido Juiz natural do feito se
prontificou em prestar as informações na primeira
hora do dia 10 de julho de 2008, já que é feriado
estadual, estando a Justiça Federal funcionando
em regime de plantão. De toda sorte, encaminho,
desde já, a íntegra da decisão por meio
eletrônico. A transmissão via fac-símile é
inviável em virtude da mesma contar com elevado
número de laudas (175 folhas).
Informo que na data de ontem, ou seja, em 08 de
julho, foi deferida pelo Juiz Titular da 6ª Vara
Federal Criminal, Dr. Fausto Martin De Sanctis,
aos advogados constituídos que compareceram em
Secretaria, a entrega de uma cópia de excerto da
decisão relativa as prisões e buscas e
apreensões, conforme certidão cuja segue, também
em meio eletrônico.
A íntegra da decisão e o acesso irrestrito aos
autos não foi garantido de pronto, na medida em
que alguns endereços constantes da referida
decisão e, consequentemente dos autos, continham
endereços ainda não diligenciados. Portanto,
entendeu-se que a ciência de tais diligências
pudesse prejudicar sua realização.
Por outro lado, o acesso ao excerto da decisão,
do qual não constaram endereços ainda não
diligenciados poderia garantir a ampla defesa e
propiciar eventual insurgência junto aos
Tribunais.
Sendo estas as informações que reputo cabíveis,
sem prejuízo do envio de outras pelo Juiz natural
do feito amanhã pela manhã, consigno protestos de
elevada estima e consideração, me colocando a
disposição para maiores esclarecimentos que Vossa
Excelência entender pertinentes (fls. 82/83).
O Juízo da 6ª Vara Criminal Federal da Seção
Judiciária de São Paulo também enviou a este Tribunal
documentos constantes dos processos autuados sob os nºs.
2007.61.81.001285-2; 2008.61.81.008936-1; e
2008.61.81.008919-1, inclusive o decreto de prisão
temporária dos pacientes, os quais foram juntados aos autos
deste habeas corpus.
Assim, os elementos presentes nos autos já
permitem o exame do pedido de concessão de liberdade,
apresentado por meio da Petição n° 97672/2008, fundado na
inexistência dos requisitos para o decreto de prisão
temporária dos pacientes.
Passo a decidir.
Como indicado na decisão de fls. 61-71, o
presente habeas corpus foi impetrado para (a) obtenção de
acesso aos autos do inquérito e (b) expedição de salvo
conduto que impedisse a prática de atos constritivos em
desfavor dos pacientes, providências negadas em habeas
corpus impetrados no Tribunal Regional Federal da 3ª Região
e no Superior Tribunal de Justiça.
Pendia o exame da liminar, nesta Corte, de
parecer do Ministério Público Federal quando deflagrada a
operação que culminou com a prisão temporária dos pacientes
e de diversas outras pessoas, o que motivou novo
requerimento dos impetrantes (Petição n° 97672/2008),
reiterando o pedido de acesso aos autos do inquérito e,
diante do novo quadro, a libertação dos pacientes, bem como
de todos os demais funcionários/sócios/acionistas do
Opportunity Equity Partners e do Banco Opportunity,
conforme arrolados.
Deferida, liminarmente, a consulta aos dados
investigados, e devidamente recebida as informações do
Juízo Federal impetrado, resta agora examinar o pedido de
libertação, plenamente possível a esta Corte nos autos do
mesmo habeas corpus de natureza preventiva inicialmente
impetrado.
A tal conclusão se chega porque o ato temido
pelos impetrantes, consistente na expedição de medidas
constritivas com base em investigações a cujos autos não
conseguiam ter acesso, se tornou real.
Nesse quadro, o writ preventivo assume, agora,
caráter liberatório, indicando restar desatualizado o
parecer ministerial na parte em que afirma o seguinte:
A reportagem questionada, contudo, não traz
nenhum dado objetivo que justifique o deferimento
de salvo conduto em favor dos pacientes, pois não
há como bem ressaltou o Ministro Arnaldo
Esteves Lima, sequer periculum in mora ou a
indicação precisa da autoridade coatora. De
outro lado, a se admitir hábeas corpus com base
em notícias de imprensa estar-se-á admitindo, por
conseqüência, manipulações e subjetivismos,
incompatíveis com este remédio heróico. Se o
mandamus não se compadece de dilação probatória,
porque lhe é inerente prova pré-constituída,
muito mais não se compadece de impetração sem
impetrado ou de autoridade coatora inexistente.
(fl. 38).
Conforme consta da decisão do Juízo da 6ª Vara
Criminal Federal da Seção Judiciária de São Paulo, a prisão
temporária dos pacientes foi decretada como forma de se
obter maiores elementos acerca do delito de corrupção
ativa, bem como dos demais delitos em averiguação.
Entendeu o Juízo Federal, dessa forma, que a prisão
temporária seria imprescindível às investigações.
Ademais, considerou-se que a prisão seria necessária para a
audiência imediata dos investigados. Transcrevo o teor do
decreto de prisão temporária dos pacientes:
10.2 PRISÃO TEMPORÁRIA
A prisão temporária, de natureza cautelar, foi
instituída pela Lei n.º 7.960, de 21.12.1989, e tem a
finalidade de garantir a investigação criminal
realizada por intermédio de procedimento criminal,
sendo utilizada para a apuração de delitos de maior
gravidade, entre estes os perpetrados contra o
Sistema Financeiro Nacional e os cometidos por
quadrilha ou bando.
Para a sua decretação, faz-se necessária a
imprescindibilidade para as investigações criminais e
que o crime conste do rol de seu inciso III.
A autoridade policial representou pela decretação
da prisão temporária de Maria Alice Carvalho Dantas,
Maria Amália Delfim de Melo Coutrin, Rodrigo Bhering
de Andrade e Paulo Moisés, que estariam, em tese,
vinculados a Daniel Valente Dantas.
Representou, ainda, pela decretação desta medida em
relação a Robert Naji Nahas, Nathalie Nahas Rifka,
Toufik Hamal Rifka, Patrícia Nahas Germano, Maria do
Carmo Antunes Jannini, Carmini Enrique Filho, Muriel
Matalon e Andréa Luiza Miranda Michel Ferreira de
Mello.
O órgão ministerial manifestou-se contrariamente ao
pedido em relação a esta última nominada.
Já, desde o princípio das investigações, tem-se
aferido que Daniel Valente Dantas voltar-se-ia, em
tese, ao cometimento dos delitos, ora em averiguação,
com a absoluta certeza de sua impunidade tanto é que
diligentemente exerceria seu poder de mando sobre os
demais investigados sem adoção de ações visíveis,
porquanto se nome não consta de muitas empresas
investigadas; utiliza-se de telefone com parcimônia,
deixando entrever, em poucos, mas significativos
diálogos, sua posição de proeminência; raramente faz
uso de e-mails, fato por ele claramente revelado em
um dos diálogos monitorados (a título ilustrativo,
merece mais uma vez ser salientado sua articulação
para confundir autoridade judiciária da Corte de New
York na ocasião em que prestara depoimento em
processo movido pelo Citibank) e, de forma evasiva,
vale-se dos demais investigados, que comporiam
formalmente se Grupo, cujas supostas atividades
ilícitas estariam se divisando neste atual estágio de
investigações.
Como salientado em tópico precedente, o crime de
corrupção ativa que teria sido perpretado por
Humberto José da Rocha Braz e Hugo Chincaroni e que
motivou a decretação de suas prisões preventivas,
aparentemente guardaria liame com as condutas de
Daniel Valente Dantas.
Os vínculos desse investigado com aqueles que,
aparentemente, em seu nome, oferecem e entregam à
autoridade policial altas somas em dinheiro (para
possivelmente afastá-lo, bem como sua irmã e outro
familiar), fornecem subsídios ao juízo no sentido de
que tais pessoas (Hugo e Humberto) teriam atuado sob
suposta orientação do primeiro (Daniel Valente
Dantas). Tal inferência, se de um lado impõe cautela
na apreciação do pedido de decretação da prisão
preventiva requerido pela autoridade policial e pelo
Ministério Público Federal, de outro, aconselha a
decretação de sua prisão temporária como forma de se
obter maiores elementos acerca do delito de corrupção
ativa, bem como dos demais delitos em averiguação,
afigurando-se, pois a medida constritiva
imprescindível às investigações.
Por certo, a decretação da prisão temporária de
Daniel Valente Dantas e das pessoas a ele vinculadas,
como também a Naji Robert Nahas, não se justifica
para simples tomada de depoimento do investigado, mas
sua pertinência evidencia-se, além dos elementos
acima, pela necessidade da audiência imediata dos
investigados, para que seja possível confrontar com a
prova já produzida e a ser obtida com a medida de
Busca e Apreensão. Evita-se, com isto, destruição ou
manipulação dos indícios existentes, que
inviabilizaria a busca da verdade.
Observo que as pessoas a seguir nominadas
realizariam atividades supostamente ilícitas de
interesse direto de Daniel Valente Dantas: Verônica
Valente Dantas, Danielle Silbergleid Ninnio, Arthur
Joaquim de Carvalho, Carlos Bernardo Torres
Rodenburg, Eduardo Penido Monteiro, Dório Ferman,
Itamar Benigno Filh, Norberto Aguiar Tomaz, Maria
Amélia Delfim de Melo Coutrin e Rodrigo Bhering de
Andrade.
Estes manteriam estreitos vínculos em suas
atividades diuturnas, conforme se extraiu dos
monitoramentos telefônicos e telemáticos e das demais
atividades desenvolvidas pelas equipes que conduzem a
investigação, conferindo suporte para que seja
decretada suas prisões temporárias, na forma prevista
na Lei n.º 7.960, de 21.12.1989, de molde a evitar a
troca de informações e a destruição da prova
indiciária, com colheita célere de indispensáveis
informações, viabilizando, desta feita, a eficácia da
investigação, apesar repise-se, de conhecimento
prévio.
Tais medidas sustentam-se, portanto, por existirem
fundadas, razões acerca da prática dos delitos
anteriormente elencados, dada a existência de vasta
prova indiciária colhida no curso da presente
investigação, e por não ser possível ignorar a
gravidade que advém da macrocriminalidade econômica
que se utiliza de mecanismos cada vez mais
sofisticados para burlar o controle do Sistema
Financeiro Nacional.
De igual modo, devem ser decretadas as prisões
temporárias de Naji Robert Nahas, Fernando Naji
Nahas, Maria do Carmo Antunes Jannini, Antonio
Moreira Dias Filho, Roberto Sande Caldeira Bastos,
Celso Roberto Pitta de Carvalho, Carmine Enrique,
Carmine Enrique Filho, Miguel Jurno Neto, Lucio
Bolonha Funaro e Marco Ernest Matalon, supostamente
vinculados a Naji Robert Nahas que, por sua vez,
manteria aparente vínculo com Daniel Valente Dantas,
fato também a ser melhor aclarado.
O conjunto indiciário formado em relação a estes
investigados revelaria, além de outros delitos, a
existência de mercado informal de câmbio atuante, bem
como de supostas remessas de valores ao exterior, sem
a devida autorização das autoridades competentes,
demonstrando, assim, a constatação de sérios indícios
da suposta prática de crimes econômico-financeiros,
sendo evidente a necessidade da presente medida
cautelar, sob pena de comprometimento do sucesso da
investigação criminal.
A necessidade da prisão temporária de Celso Roberto
Pitta de Carvalho decorre da relevância em se obter
sua incontinenti versão sobre a origem dos valores
que vem recebendo por meio dos demais investigados,
qualificado pela autoridade policial, como fruto de
corrupção.
Para que as investigações tenham um bom andamento,
é indispensável que os supostos autores dos delitos
sejam ouvidos imediatamente para que não possam
planejar e executar ações tendentes ao desfazimento
de provas, impedindo, assim, o esclarecimento dos
fatos. Desse modo, fica assegurado os seus
isolamentos, para colheita de elementos aptos à
elucidação dos crimes e quebra da cadeia de
informações mantida entre alguns deles.
Não se trata, pois, de medida midiática (como
insistentemente veicula-se acerca de investigações
conduzidas pela Polícia Federal), mas medida
absolutamente indispensável para a apuração séria,
criteriosa e circunspecta, com foco na sua eficácia.
Há de se ressaltar que a decretação da prisão
temporária não guarda qualquer relação com a
circunstância de ter-se pretendido a todo custo obter
informações do Poder Judiciário, após notícia
veiculada em 26.04.2008 em jornal de grande
circulação, sobre uma suposta investigação sigilosa
em curso em face de sua pessoa, até porque
compreensível.
Portanto, existindo fundados indícios de que tais
pessoas tenham participação nos fatos delituosos e
pelos motivos já expostos, decreto suas prisões
temporárias, pelo prazo de 05 (cinco) dias, com
fundamento no art. 1º, incisos I e III, alíneas l e
o, da Lei nº 7.960, de 21.12.1989, observando-se o
artigo 3º da Lei retro citada (grifamos)
O art. 1º da Lei n° 7.960, de 21.12.1989,
prescreve que caberá prisão temporária: I quando
imprescindível para as investigações do inquérito policial;
II quando o indiciado não tiver residência fixa ou não
fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua
identidade; III quando houver fundadas razões, de acordo
com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria
ou participação do indiciado nos seguintes crimes: a)
homicídio doloso; b) seqüestro ou cárcere privado; c)
roubo; d) extorsão; e) extorsão mediante seqüestro; f)
estupro; g) atentado violento ao pudor; h) rapto violento;
i) epidemia com resultado de morte; j) envenenamento de
água potável ou substância alimentícia ou medicinal
qualificado pela morte; l) quadrilha ou bando; m)
genocídio; n) tráfico de drogas; o) crimes contra o sistema
financeiro.
O § 2º do art. 1º da Lei n° 7.960/89 estabelece
que o despacho que decretar a prisão temporária deverá ser
fundamentado.
No caso em exame, a fundamentação utilizada pelo
decreto de prisão temporária indubitavelmente a espécie
mais agressiva de prisão cautelar não é suficiente para
justificar a restrição à liberdade dos pacientes.
Com efeito, não se pode decretar prisão
temporária com base na mera necessidade de oitiva dos
investigados, para fins de instrução processual. O
interrogatório constitui ato normal do inquérito policial,
em regra levado a efeito com o investigado solto, ante a
garantia fundamental da presunção de inocência.
Nesse ponto, ressalto que não há, no ordenamento
jurídico brasileiro, prisão com a exclusiva finalidade de
interrogatório dos investigados, providência que, grosso
modo, em muito se assemelha à extinta prisão para
averiguação, que grassava nos meios policiais na vigência
da ordem constitucional pretérita.
Quanto ao pretendido confronto da prova que vier
a ser obtida pela medida de busca e apreensão com o
depoimento dos investigados, nada consta da decisão que
justifique a necessidade de acontecer de imediato. Colhida
a prova, poderá a mesma ser confrontada a qualquer tempo,
não só com os interrogatórios, como com qualquer outro
elemento anterior ou posteriormente coligido na
investigação, o que independe do encarceramento decidido
pelo juízo de primeiro grau.
Evidencia-se, assim, uma patente violação a
direitos individuais dos pacientes, caracterizada não
apenas pela ausência de justa causa para a prisão
temporária, decretada pelo Juízo da 6ª Vara Criminal
Federal da Seção Judiciária de São Paulo, mas,
principalmente, pela manutenção da restrição à liberdade
dos pacientes frente ao atual contexto fático.
Com efeito, ainda que justificável a prisão
temporária decretada, é certo que, no contexto atual, sua
manutenção se revela totalmente descabida, nisso
considerando-se o tempo decorrido desde a deflagração da
operação policial, suficiente para que todos os elementos
de prova buscados fossem recolhidos. A propósito, observese
o teor do ofício 176/2008 STG, encaminhado hoje, às
12:24, pelo Delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz
ao juiz da 6ª Vara Criminal Federal da Subseção Judiciária
de São Paulo, dando conta de que apenas dois mandados de
busca e apreensão pendiam de cumprimento.
A Constituição Federal de 1988 atribuiu
significado ímpar aos direitos individuais. Já a colocação
do catálogo dos direitos fundamentais no início do texto
constitucional denota a intenção do constituinte de
emprestar-lhes significado especial. A amplitude conferida
ao texto, que se desdobra em setenta e oito incisos e
quatro parágrafos (CF, art. 5o), reforça a impressão sobre
a posição de destaque que o constituinte quis outorgar a
esses direitos. A idéia de que os direitos individuais
devem ter eficácia imediata ressalta, portanto, a
vinculação direta dos órgãos estatais a esses direitos e o
seu dever de guardar-lhes estrita observância.
O constituinte reconheceu, ainda, que os direitos
fundamentais são elementos integrantes da identidade e da
continuidade da Constituição, considerando, por isso,
ilegítima qualquer reforma constitucional tendente a
suprimi-los (art. 60, § 4º). A complexidade do sistema de
direitos fundamentais recomenda, por conseguinte, que se
envidem esforços no sentido de precisar os elementos
essenciais dessa categoria de direitos, em especial no que
concerne à identificação dos âmbitos de proteção e à
imposição de restrições ou limitações legais.
E no que se refere aos direitos de caráter penal,
processual e processual-penal, talvez não haja qualquer
exagero na constatação de que esses direitos cumprem um
papel fundamental na concretização do moderno Estado
democrático de direito.
Como observa Martin Kriele, o Estado territorial
moderno arrosta um dilema quase insolúvel: de um lado, há
de ser mais poderoso que todas as demais forças sociais do
país por exemplo, empresas e sindicatos , por outro,
deve outorgar proteção segura ao mais fraco: à oposição,
aos artistas, aos intelectuais, às minorias étnicas (Cf.
KRIELE, Martín. Introducción a la Teoría del Estado -
Fundamentos Históricos de la Legitimidad del Estado
Constitucional Democrático. Trad. de Eugênio Bulygin.
Buenos Aires: Depalma, 1980, p. 149-150).
O estado absolutista e os modelos construídos
segundo esse sistema (ditaduras militares, estados
fascistas, os sistemas do chamado centralismo
democrático) não se mostram aptos a resolver essa questão.
Segundo ressalta Kriele:
(...) A Inglaterra garantiu os direitos
humanos sem necessidade de uma constituição
escrita. Por outro lado, um catálogo
constitucional de direitos fundamentais é
perfeitamente compatível com o absolutismo,
com a ditadura e com o totalitarismo.
Assim, por exemplo, o art. 127 da
Constituição soviética de 1936 garante a
`inviolabilidade da pessoa´. Isso não
impediu que o terror stalinista tivesse
alcançado em 1937 seu ponto culminante. A
constituição não pode impedir o terror,
quando está subordinada ao princípio de
soberania, em vez de garantir as condições
institucionais da rule of law. O mencionado
artigo da Constituição da União Soviética
diz, mas adiante, que `a detenção requer o
consentimento do fiscal do Estado´. Esta
fórmula não é uma cláusula de defesa, mas
tão-somente uma autorização ao fiscal do
Estado para proceder à detenção. Os fiscais
foram nomeados conforme o critério político
e realizaram ajustes ao princípio da
oportunidade política, e, para maior
legitimidade, estavam obrigados a respeitar
as instruções. Todos os aspectos do
princípio de habeas corpus ficaram de lado,
tais como as condições legais estritas para
a procedência da detenção, a competência
decisória de juízes legais independentes, o
direito ao interrogatório por parte do juiz
dentro de prazo razoável, etc. Nestas
condições, a proclamação da
`inviolabilidade da pessoa´ não tinha
nenhuma importância prática. Os direitos
humanos aparentes não constituem uma defesa
contra o Arquipélago Gulag; ao contrário,
servem para uma legitimação velada do
princípio da soberania: o Estado tem o
total poder de disposição sobre os homens,
mas isto em nome dos direitos humanos.
(Kriele, Martín. Introducción a la Teoría del
Estado. cit., p. 160-161)
A solução do dilema diz Kriele consiste no
fato de que o Estado incorpora, em certo sentido, a defesa
dos direitos humanos em seu próprio poder, ao definir-se o
poder do Estado como o poder defensor dos direitos humanos.
Todavia, adverte Kriele, sem divisão de poderes e em
especial sem independência judicial isto não passará de uma
declaração de intenções. É que, explicita Kriele, os
direitos humanos somente podem ser realizados quando
limitam o poder do Estado, quando o poder estatal está
baseado na entrada em uma ordem jurídica que inclui a
defesa dos direitos humanos. (KRIELE, Martín. Introducción a
la Teoría del Estado, cit. p.150)
Nessa linha ainda expressiva a conclusão de
Kriele:
Os direitos humanos estabelecem
condições e limites àqueles que têm
competência de criar e modificar o direito
e negam o poder de violar o direito.
Certamente, todos os direitos não podem
fazer nada contra um poder fático, a
potestas desnuda, como tampouco nada pode
fazer a moral face ao cinismo. Os direitos
somente têm efeito frente a outros
direitos, os direitos humanos somente em
face a um poder jurídico, isto é, em face a
competências cuja origem jurídica e cujo
status jurídico seja respeitado pelo
titular da competência.
Esta é a razão profunda por que os
direitos humanos somente podem funcionar em
um Estado constitucional. Para a eficácia
dos direitos humanos a independência
judicial é mais importante do que o
catálogo de direitos fundamentais contidos
na Constituição (g.n). KRIELE, Martín.
Introducción a la Teoría del Estado, cit.
p. 159-160.
Tem-se, assim, em rápidas linhas, o significado
que os direitos fundamentais e, especialmente os direitos
fundamentais de caráter processual, assumem para a ordem
constitucional como um todo.
Acentue-se que é a boa aplicação dos direitos
fundamentais de caráter processual aqui merece destaque a
proteção judicial efetiva que permite distinguir o Estado
de Direito do Estado Policial!
Não se pode perder de vista que a boa aplicação
dessas garantias configura elemento essencial de realização
do princípio da dignidade humana na ordem jurídica. Como
amplamente reconhecido, o princípio da dignidade da pessoa
humana impede que o homem seja convertido em objeto dos
processos estatais. (Cf. MAUNZ-DÜRIG. Grundgesetz
Kommentar. Band I. München: Verlag C. H. Beck , 1990, 1I
18)
Na mesma linha, entende Norberto Bobbio que a
proteção dos cidadãos no âmbito dos processos estatais é
justamente o que diferencia um regime democrático daquele
de índole totalitária:
A diferença fundamental entre as duas
formas antitéticas de regime político,
entre a democracia e a ditadura, está no
fato de que somente num regime democrático
as relações de mera força que subsistem, e
não podem deixar de subsistir onde não
existe Estado ou existe um Estado despótico
fundado sobre o direito do mais forte, são
transformadas em relações de direito, ou
seja, em relações reguladas por normas
gerais, certas e constantes, e, o que mais
conta, preestabelecidas, de tal forma que
não podem valer nunca retroativamente. A
conseqüência principal dessa transformação
é que nas relações entre cidadãos e Estado,
ou entre cidadãos entre si, o direito de
guerra fundado sobre a autotutela e sobre a
máxima Tem razão quem vence é substituído
pelo direito de paz fundado sobre a
heterotutela e sobre a máxima Vence quem
tem razão; e o direito público externo,
que se rege pela supremacia da força, é
substituído pelo direito público interno,
inspirado no princípio da supremacia da
lei (rule of law). (BOBBIO, Norberto. As
Ideologias e o Poder em Crise, p.p. 97-98)
Em verdade, tal como ensina o notável mestre
italiano, a aplicação escorreita ou não dessas garantias é
que permite avaliar a real observância dos elementos
materiais do Estado de Direito e distinguir civilização de
barbárie.
Nesse sentido, forte nas lições de Claus Roxin,
também compreendo que a diferença entre um Estado
totalitário e um Estado (Democrático) de Direito reside na
forma de regulação da ordem jurídica interna e na ênfase
dada à eficácia do instrumento processual penal da prisão
provisória. Registrem-se as palavras do professor Roxin:
"Entre as medidas que asseguram o
procedimento penal, a prisão preventiva é
a ingerência mais grave na liberdade
individual; por outra parte, ela é
indispensável em alguns casos para uma
administração da justiça penal eficiente.
A ordem interna de um Estado se revela no
modo em que está regulada essa situação de
conflito; os Estados totalitários, sob a
antítese errônea Estado-cidadão,
exagerarão facilmente a importância do
interesse estatal na realização, o mais
eficaz possível, do procedimento penal.
Num Estado de Direito, por outro lado, a
regulação dessa situação de conflito não é
determinada através da antítese Estadocidadão;
o Estado mesmo está obrigado por
ambos os fins: assegurar a ordem por meio
da persecução penal e proteção da esfera
de liberdade do cidadão.Com isso, o
princípio constitucional da
proporcionalidade exige restringir a
medida e os limites da prisão preventiva
ao estritamente necessário." (ROXIN, Claus.
Derecho Procesal Penal. Buenos Aires: Editores
del Puerto; 2000, p. 258)
Nessa linha, sustenta Roxin que o direito
processual penal é o sismógrafo da Constituição, uma vez
que nele reside a atualidade política da Carta Fundamental.
(Cf.ROXIN, Claus. Derecho Procesal Penal, cit., p.10).
A prisão provisória é medida excepcional que,
exatamente por isso, demanda a explicitação de fundamentos
consistentes e individualizados com relação a cada um dos
cidadãos investigados (CF, art.93,IX e art. 5o, XLVI).
A idéia do Estado de Direito também imputa ao
Poder Judiciário o papel de garante dos direitos
fundamentais. Por conseqüência, é necessário ter muita
cautela para que esse instrumento excepcional de constrição
da liberdade não seja utilizado como pretexto para a
massificação de prisões provisórias.
Na ordem constitucional pátria, os direitos
fundamentais devem apresentar aplicabilidade imediata (CF,
art. 5o, §1o).
A realização dessas prerrogativas não pode nem
deve sujeitar-se unilateralmente ao arbítrio daqueles que
conduzem investigação de caráter criminal.
Em nosso Estado de Direito, a prisão provisória é
uma medida excepcional e, por essa razão, não pode ser
utilizada como meio generalizado de limitação das
liberdades dos cidadãos.
No caso concreto, visualiza-se que a manutenção
da prisão temporária tem por escopo a premissa de que a
custódia dos pacientes será imprescindível para a
regularidade dos trabalhos investigatórios, assim como para
a imediata colheita de seus depoimentos.
Resulta claro que a prisão temporária há que ser
embasada em decisão judicial devidamente fundamentada nas
hipóteses previstas no art. 1º da Lei n° 7.960/89.
Como se observa, o provimento cautelar vincula-se
à demonstração prévia de seus pressupostos, quais sejam, a
plausibilidade do direito subjetivo invocado e a urgência
da pretensão cautelar.
Abre-se, portanto, a esta Corte, a via para o
deferimento da medida liminar reparadora do estado de
constrangimento ilegal causado pelas decisões das
instâncias inferiores, ainda que essas tenham sido
proferidas monocraticamente (não conhecimento da causa ou
indeferimento de liminar, casos em que se possibilita o
afastamento da Súmula no 691 do STF).
Logo, vislumbro patente situação de
constrangimento ilegal apta a afastar a aplicação da Súmula
no 691/STF para admitir o cabimento deste pedido, nos
termos dos precedentes firmados por esta Corte (cf. HC no
85.463/RJ, Rel. Carlos Britto, 1ª Turma, unânime, DJ de
10.2.2006; HC no 84.345/PR, Rel. Joaquim Barbosa, 2ª Turma,
unânime, DJ de 24.3.2006; e HC no 87.353/ES, de minha
relatoria, 2ª Turma, unânime, julgado em 7.11.2006).
Pelo exposto, conclui-se:
a) o conhecimento do pedido de liberdade por esta
Corte se mostra possível em virtude da conversão da
natureza do presente writ, de preventivo para liberatório;
b) não há fundamentos suficientes que justifiquem
o decreto de prisão temporária dos pacientes, seja por ser
desnecessário o encarceramento para imediato
interrogatório, seja por nada justificar a providência para
fins de confronto com provas colhidas;
c) ainda que tais fundamentos fossem suficientes,
o tempo decorrido desde a deflagração da operação policial
indica a desnecessidade da manutenção da custódia
temporária para garantir a preservação dos elementos
probatórios.
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