11/07/2008
Norma da Receita Federal é criticada

JORNAL DO COMMERCIO - DIREITO & JUSTIÇA
Norma da Receita Federal é criticada

Uma portaria editada pela Receita Federal para estabelecer os procedimentos necessários à formalização de representações fiscais para fins penais tem recebido muitas críticas. Advogados consideram a norma inconstitucional por imputar aos auditores fiscais práticas próprias de uma investigação criminal. Publicada no final de abril, a Portaria nº 665 visa principalmente a combater os crimes de sonegação fiscal e outros listados na Lei 8.137/90, contra a ordem financeira e as relações de consumo. As representações, que devem ser encaminhadas ao Ministério Público - que pode ou não aceitá-las -, seriam formuladas sempre que os agentes identificassem situações que configurariam um delito no âmbito do órgão.

O especialista em Direito Penal Maurício Silva Leite - do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados - critica o artigo 1º e incisos da portaria. O dispositivo estabelece o passo-a-passo que os auditores têm que cumprir na hora de formular a representação. Entre as atribuições, estão a de expor minuciosamente os fatos caracterizadores do ilícito penal; fornecer o original da prova material do crime e outros documentos sob suspeição que tenham sido apreendidos no curso da ação fiscal; identificar as pessoas físicas que se atribua o delito, bem como a pessoa jurídica autuada e as pessoas que possam ser arroladas como testemunhas, consideradas assim aquelas que tenham conhecimento do fato.

Depoimentos
Pelo dispositivo, também seria da competência do auditor fornecer "termos lavrados de depoimentos, declarações, perícias e outras informações obtidas de terceiros, utilizados para fundamentar a constituição do crédito tributário ou a apreensão de bens sujeitos à pena de perdimento, bem como cópia autenticada do documento de constituição do crédito tributário, se for o caso, e dos demais termos fiscais lavrados".

De acordo com Maurício Leite, esses atos são próprios da polícia. "A portaria obriga o fiscal a realizar práticas de investigação criminal, o que é inconstitucional", afirmou o advogado, que teme que o processo penal possa vir a ser utilizado para obrigar o contribuinte a quitar a dívida perante a Receita.

O especialista explicou que, pela Lei nº 10.684/03, o pagamento do tributo devido pode extinguir o processo criminal. "Minha preocupação diz respeito à utilização do processo penal como forma de obrigar o contribuinte a pagar o imposto. A Receita busca a efetivação dos tributos. Essa atividade não pode se confundir com a da investigação criminal. Aí está o problema. O órgão não tem competência para isso", disse.

Contrasenso
O especialista em Direito Tributário Igor Mauler Santiago, sócio do escritório Sacha Calmon - Misabel Derzi Consultores e Advogados, não vê problemas quanto aos procedimentos que foram atribuídos aos auditores pela portaria. Na avaliação dele, muitos dos atos - como a colheita do depoimento - já é feito pelo fiscal durante a apuração do débito. Ele, então, apenas forneceria as informações que obteve durante a fiscalização que procedeu.

Para o advogado a idéia da portaria - de regularizar e padronizar a atuação da Receita em relação aos crimes tributários - é positiva. O problema está na instrumentalização dela. "A norma contém algumas falhas que afrontam a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal", afirmou Igor Mauler.

Nesse sentido, o especialista propõe a revisão de dois pontos. O primeiro seria o artigo 4º do inciso 2º, que estabelece que "caso o crédito tributário correspondente ao ilícito penal seja integralmente extinto pelo julgamento ou pelo pagamento, os autos da representação, juntamente com a cópia da respectiva decisão administrativa, quando for o caso, deverão ser arquivados".

"Isso é um contrasenso, um absurdo. A portaria diz que o contribuinte, nesse momento em que comparece espontaneamente para pagar o que deve, terá de ser processado. Isso vai desestimular o sujeito que se arrepende, confessa que deve e se dispõe a pagar. Além disso, vai de encontro à jurisprudência do Supremo, que é no sentido de que o parcelamento suspende a pretensão punitiva", argumentou Igor Mauler.

Outro ponto também criticado pelo especialista é o artigo 6º. De acordo com Igor Mauler, a norma dá tratamento diferenciado e mais severo para os tributos previdenciários. O dispositivo diz que "a representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a Previdência Social será formalizada e protocolada em 10 dias contados da data da constituição de crédito tributário, devendo ser remetida pelo Delegado da Receita Federal do Brasil responsável pelo controle do processo administrativo fiscal em até dez dias, contados da data de sua protocolização, ao órgão do Ministério Público Federal que for competente para promover a ação penal."

O artigo 3º, porém, ao estabelecer o procedimento para a representação para fins penais relativa ao crime contra a ordem tributária, dá outro tratamento, prevendo que ela permaneça "no âmbito da unidade de controle até que o referido crédito se torne definitivo na esfera administrativa, respeitado o prazo para cobrança amigável".

Processo penal
"Pelo artigo 6º, ainda que haja contestação por parte do contribuinte, antes do julgamento da ação administrativa, deverá ser iniciado o processo penal. Isso novamente contraria a jurisprudência do Supremo, que diz que, quando há uma autuação e o contribuinte a impugna, a ação penal somente pode ser proposta ao final da ação administrativa, quando for declarada a dívida", explicou Igor Mauler, acrescentando que a Suprema corte não diferencia o tributo previdenciário dos demais. "Não há nada na jurisprudência que confirme essa distinção", ressaltou.

GISELLE SOUZA
DO JORNAL DO COMMERCIO




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