10/02/2006
NELSON JOBIM - INTERPELAÇÃO JUDICIAL ARQUIVADA - ÍNTEGRA DA DECISÃO MONOCRÁTICA

PETIÇÃO 3.607-7 DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. JOAQUIM BARBOSA
REQUERENTE(S) : ALBERTO CRAVEIRO DE ALMEIDA E
OUTRO(A/S)
ADVOGADO(A/S) : IVAN NUNES FERREIRA E OUTRO(A/S)
REQUERIDO(A/S) : NELSON AZEVEDO JOBIM
DECISÃO: Trata-se de pedido de interpelação
judicial formulada nos seguintes termos (fls. 02-18):
ALBERTO CRAVEIRO DE ALMEIDA,
brasileiro, casado, magistrado aposentado do
TJ/RJ, ..., ALEXANDRE ANTÔNIO FRANCO CÂMARA,
brasileiro, casado advogado e professor, ...,
BENEDITO CALHEIROS BONFIM, brasileiro, casado,
advogado, ..., CARLOS EDUARDO DA ROSA FONSECA
PASSOS, brasileiro, casado, magistrado, ...,
CARLOS HENRIQUE DE CARVALHO FRÓES, brasileiro,
separado consensualmente, advogado, ..., CARLOS
RAFAEL SANTOS JÚNIOR, brasileiro, casado,
magistrado (Des. TJ/RS), ..., CARLOS RAIMUNDO
CARDOSO, brasileiro, casado, magistrado aposentado
(TJ/RJ), ..., CLÁUDIO LUÍS BRAGA, brasileiro,
casado, Juiz de Direito, ..., CLÁUDIO TAVARES DE
OLIVEIRA, brasileiro, casado, magistrado (Des.
TJ/RJ), ..., EDUARDO SEABRA FAGUNDES, brasileiro,
divorciado, advogado, ..., FELIPPE AUGUSTO DE
MIRANDA ROSA, brasileiro, casado, Magistrado
aposentado (Des. TJ/RJ), ..., FERNANDO MARQUES DE
CAMPOS CABRAL, brasileiro, casado, Magistrado,
..., GOFFREDO DA SILVA TELLES JÚNIOR, brasileiro,
casado, professor universitário, ..., GUSTAVO JOSÉ
MENDES TEPEDINO, brasileiro, casado, professor
universitário, ..., HÉLIO AUGUSTO SILVA DE
ASSUNÇÃO, brasileiro, divorciado, magistrado
aposentado, ..., JOEL ALVES ANDRADE, brasileiro,
casado, advogado, ..., JOEL RUFINO DOS SANTOS,
brasileiro, separado judicialmente, professor
universitário, ..., LETÍCIA DE FARIA SARDAS,
brasileira, divorciada, Magistrada (Des. TJ/RJ),
..., DOM LUCIANO MENDES DE ALMEIDA, brasileiro,
solteiro, Arcebispo de Mariana, ..., LUIZ FELIPE
DA SILVA HADDAD, brasileiro, casado, magistrado
(Des. TJ/RJ), ..., LUIZ FERNANDO RIBEIRO DE
CARVALHO, brasileiro, casado, Magistrado (Des.
TJ/RJ), ..., LUIZ JORGE WERNECK VIANNA,
brasileiro, casado, cientista social, ..., LUIZ
SÉRGIO WIGDEROWITZ, brasileiro, casado, Procurador
de Justiça, ..., MARCO AURÉLIO DOS SANTOS FRÓES,
brasileiro, casado, magistrado (Des. TJ/RJ), ...,
MARIA JOSÉ AGUIAR TEIXEIRA DE OLIVEIRA,
brasileira, viúva, magistrada, ..., MÁRIO DOS
SANTOS PAULO, brasileiro, casado, magistrado,
(Des. TJ/RJ), ..., MAURÍCIO DE ANDRADE,
economista, ..., MILTON FERNANDES DE SOUZA,
brasileiro, casado, magistrado, ..., NEWTON PAULO
AZEREDO DA SILVEIRA, brasileiro, casado,
magistrado, ..., OSCAR MAURÍCIO DE LIMA AZÊDO,
brasileiro, casado, jornalista, ..., PAULO MELLO
FEIJÓ, brasileiro, casado, magistrado, ...,
ROBERTO LUIS FELINTO DE OLIVEIRA, brasileiro,
casado, magistrado, ..., ROBERTO RICHELETTE FREIRE
DE CARVALHO, brasileiro, casado, advogado, ...,
ROMY MEDEIROS DA FONSECA, brasileira, viúva,
advogada, ..., SÉRGIO LÚCIO DE OLIVEIRA E CRUZ,
brasileiro, casado, magistrado, ..., THIAGO RIBAS
FILHO, brasileiro, casado, magistrado aposentado
(Des. TJ/RJ), ..., vêm, por seu advogado abaixo
assinado, com fulcro nos artigos 867 e seguintes
do CPC, apresentar INTERPELAÇÃO contra o EXMO.
SR. MINISTRO NELSON JOBIM - PRESIDENTE DESSE
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, pelas razões que passam
a expor:
A TOGA E O CANDIDATO
Nelson Jobim pretende
retomar a carreira política em 2006. A
campanha começou faz tempo.
(Jornalista Augusto Nunes, em crônica
intitulada Pastoral Parlamentar,
originalmente publicada no Jornal do
Brasil e incluída em seu livro A
Esperança Estilhaçada, Ed. Planeta
do Brasil, 2005, pág. 79)
1- A Constituição da República, em seu
art. 95, parágrafo único, III, bem como a Lei
Orgânica da Magistratura Nacional, em seu art.
26, inciso II, alínea (c), vedam ao magistrado o
exercício de atividade político-partidária.
Entendeu o legislador que esse tipo de atividade
e absolutamente incompatível com a natureza da
função jurisdicional.
2- Afora o preceito legal, qualquer
pessoa com o mínimo de bom-senso percebe essa
incompatibilidade, na medida em que, no exercício
da magistratura, o juiz deve pairar acima de toda
e qualquer disputa pública de natureza políticopartidária,
suscetível de comprometer a sua aura
de imparcialidade no julgamento das causas que
lhe sejam submetidas, mormente quando se trata de
um membro da Suprema Corte, na qual desembocam as
questões de maior repercussão política.
3- Ocorre que, há alguns meses, os
órgãos de comunicação de massa veiculam
reiteradas notícias a respeito de uma suposta
pré-candidatura do Requerido a Presidência ou a
Vice-Presidência da República, as quais, ao
sentir dos Requerentes, jamais foram
peremptoriamente desmentidas.
4- Publicações a respeito dessa précandidatura
podem ser encontradas nos mais
variados órgãos de imprensa; em matérias de
articulistas políticos; em sites especializados
e até em charges de jornais de grande
circulação. Como era de se esperar, a existência
do suposto candidato de toga deu ensejo às mais
cáusticas críticas, como retratam alguns dos
artigos a esse respeito, acostados a esta peça.
Mais recentemente, chegou a ser veiculado no
Jornal Nacional (Rede Globo de Televisão) de
19/01/06, para perplexidade dos meios jurídicos e
da parcela da população mais informada a respeito
das regras vedações eleitorais, que o Min. Nelson
Jobim contaria, em pesquisa de opinião realizada
junto ao eleitorado nacional, com 1% (um por
cento) de intenções de voto para sua eventual
candidatura à Presidência da República, sendo
evidente na hipótese a irrelevância do aludido
percentual, ao lado da gravidade da simples
menção da possibilidade consignada na referida
pesquisa.
5- Em data recente, diversos órgãos de
imprensa noticiaram que o atual presidente do
Supremo Tribunal Federal teria avisado extraoficialmente
à cúpula do PMDB (Partido do
Movimento Democrático Brasileiro) que admitiria
deixar o STF para disputar a Presidência da
República por aquele partido. Os títulos dessas
matérias vão desde PMDB articula Jobim para
Presidência até Jobim já admite candidatura à
Presidência, como se vê de algumas publicações
do dia 25/11/2005 (documentos em anexo).
6- Diante dos termos da Constituição
Federal e da Lei Orgânica da Magistratura e dos
mais elementares princípios éticos, não podem
coexistir a permanência do Requerido no cargo de
Ministro da Suprema Corte e a anunciada précandidatura,
sem que estejam atingidas a imagem e
a credibilidade da Suprema Corte deste país,
principalmente quando o Requerido a preside. Ao
Supremo Tribunal Federal são submetidas as
questões de maior relevância política, social e
econômica, o que poderia gerar na sociedade
suspeita de que, ao proferir seus votos, o
candidato visaria mais a obtenção de
dividendos políticos eleitorais do que a
distribuição de justiça.
7- Mais recentemente ainda, os jornais
e sites especializados noticiaram que o
Requerido pretende deixar a Suprema Corte em
março deste ano, pois sua saída, nesse período,
lhe daria maiores chances de vir a ser escolhido
pelo PMDB para a disputa presidencial ou
viabilizaria sua candidatura como Vice na chapa do
atual Presidente da República.
8- A postura dúbia do Requerido em
relação às aludidas ambições políticas acaba por
propiciar críticas muito graves à sua atuação
como Ministro da Suprema Corte. Alguns
relacionam essas suas aspirações com a
acusação de subserviência ao Executivo,
principalmente por meio de pedidos de vista em
ações diretas de inconstituciona1idade, que
seriam do interesse do Governo Federal, como se
extrai do site do Instituto Polis, em anexo.
9- A imputação de que o Requerido
posterga o julgamento de diversas ADINs,
extrapolando os prazos de vista do art. 134 do
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e
da Resolução 278/2003, para atender interesses
do Governo Federal, só poderia vir a ser
comprovada com pesquisa nessa Suprema Corte, a
partir dos elementos adiante explicitados,
extraídos do site próprio:
ADIN MINISTRO DIA DA VISTA RETORNO
ADIN 255 NELSON JOBIM 03/07/02 ATÉ HOJE
Renovado o
pedido de vista
em 28/04/2004
ADIN 423 NELSON JOBIM 09/02/99 ATÉ HOJE
Renovado o
pedido de vista
em 28/04/2004
ADIN 494 NELSON JOBIM 30/12/97 ATÉ HOJE
Vista renovada
em 28/04/2004
ADIN 682 NELSON JOBIM 26/03/98 ATÉ HOJE
Vista renovada
em 28/04/2004
ADIN 1764 NELSON JOBIM 07/05/98 ATÉ HOJE
VISTA RENOVADA
em 28/04/2004
ADIN 1491 NELSON JOBIM 01/07/98 ATÉ HOJE
Vista renovada
em 28/04/2004
ADIN 1625 NELSON JOBIM 09/10/03 ATÉ HOJE
Vista renovada
em 28/04/04
ADIN 1648 NELSON JOBIM 27/09/02 ATÉ HOJE
Vista renovada
em 28/04/04
ADIN 1894 NELSON JOBIM 02/12/98 ATÉ HOJE
Vista renovada
em 28/04/04
ADIN 1945 NELSON JOBIM 08/06/99 ATÉ HOJE
Vista renovada
em 28/04/04
ADIN 1924 NELSON JOBIM 10/11/03 ATÉ HOJE
Vista renovada
em 28/04/04
ADIN 1923 NELSON JOBIM 10/08/99 ATÉ HOJE
Vista renovada
em 28/04/04
ADIN 2077 NELSON JOBIM 10/11/03 ATÉ HOJE
Vista renovada
em 28/04/04
ADIN 2135 NELSON JOBIM 08/07/02 ATÉ HOJE
Vista renovada
em 28/04/04
ADIN 2591 NELSON JOBIM 04/11/02 Novamente,
autos conclusos
desde
30/07/2004
ADIN 1940 NELSON JOBIM O Ministro é o
Relator do
processo e os
autos estão
conclusos desde
19/03/2003, com
parecer da PGR,
pela
improcedência.
10- Como facilmente se observa, a
conduta de perenização de certas causas,
decorrente dos aludidos pedidos de vista e
conseqüente interrupção por inexplicável lapso de
tempo - datando o mais antigo de 03/12/97,
portanto há mais de 8 (oito) anos em poder do
Ministro  no andamento dos referidos processos
poderia ser enquadrada no art. 39, 4 e 5, da Lei
1.079/50, o que tipificaria, s.m.j., patente
desídia no cumprimento dos deveres dos deveres do
cargo e procedimento incompatível com a honra,
dignidade e decoro de suas funções. Ademais, no
entendimento dos Requerentes, uma autoridade que
pose de arauto do choque de gestão e da
celeridade dos processos judiciais deveria dar o
primeiro exemplo.
11- Entretanto, o importante, neste
momento, é que as alegações, mencionadas a partir
do item 8, associadas à suposta pré-candidatura,
alimentam, por óbvio, comentários desairosos na
imprensa sobre a postura do Presidente da Suprema
Corte e, lamentavelmente, debilitam a imagem e a
credibilidade daquele Tribunal perante a opinião
pública, o que afeta toda a magistratura do país.
12- Dentre os Requerentes encontram-se
magistrados que, por essa condição, têm todo o
interesse em preservar a credibilidade e a
honorabilidade do Poder Judiciário e da função
jurisdicional no país. Por isso, com fulcro no
art. 102, inciso I, alínea (n), da Constituição
Federal, dirigem-se a essa Suprema Corte para
interpelar o Requerido, visando obter de S. Exa
uma posição definitiva sobre a tão falada précandidatura
para o próximo pleito eleitoral.
13- Por outro lado, a suposta précandidatura,
se confirmada, além de desrespeitar
a Carta da República e a Lei Orgânica da
Magistratura, poderia constituir crime de
responsabilidade, nos termos do art. 39, item 3,
da Lei 1.079, de 10 de abril de 1950, e
implicaria em crispar de suspeição atos
recentemente praticados pelo Interpelado na
condição de Presidente e/ou de Ministro da mais
alta Corte de Justiça do país. Tal circunstância,
mesmo se desmentida, não suprime a premente
necessidade de afastar - de forma categórica -
qualquer dúvida que paire a propósito da questão,
especialmente delicada, repise-se, pela natureza
das matérias submetidas ao elevado exame do STF,
veneranda instituição republicana cuja elevação do
conceito e na estima dos concidadãos se revela
umbilicalmente ligada ao da ausência de qualquer
suspeição ou dubiedade na conduta pública de seus
componentes.
14- Como bem acentuou o saudoso e
eminente Ministro do STF Oscar Dias Corrêa, um
ministro do Supremo não deve depender de ninguém,
porque que tem de ser absolutamente livre e não
pode estar sujeito a nenhuma outra peia, a não ser
a peia da Constituição. O Supremo não pode se
meter em brigas, nem pode tomar partido.
(Trecho extraído do artigo Réquiem para Oscar
Dias Corrêa, de Murilo Mello Filho - Jornal do
Brasil, 07/12/05 - Caderno B).
15- Por outro lado, não pode restar
dúvida quanto à competência do Supremo
Tribunal Federal para processar esta
interpelação, conforme o disposto no art. 102,
inciso I, alínea (n), da Constituição Federal e
no art. 41 c/c o art. 61 da Lei 1.079/1950.
16- O julgamento de crime de
responsabilidade contra Ministro dessa Corte
ocorre sob a presidência do seu Ministro-Chefe,
o que atrai a competência dessa Suprema Corte
para processar medida preparatória de eventual
ação por crime de responsabilidade contra seus
Ministros, inclusive, pela ausência de
previsão legal de outro órgão competente, não
possuindo o Senado Federal essa competência
específica, senão para o próprio processo e
julgamento dos Ministros do STF nos crimes de
responsabilidade (art. 52, II, CF).
17- No que tange ao cabimento
desta interpelação, a medida, e para a sua
natureza administrativa, não se lhe aplicando os
dois pressupostos das medidas cautelares (fumus
boni iuris e periculum in mora):
Os protestos, notificações
e interpelações em geral não chegam a
ser verdadeiras medidas cautelares,
correspondendo a simples medidas
conservativas de direito, que
prescindem da existência de periculum
in mora. Pode ocasionalmente
introduzir-se em qualquer deles algum
conteúdo cautelar, mas este não chega
a ser relevante a ponto de
qualificar a medida como tal. (Pontes
de Miranda, tratado da ações, v. III,
p. 259).
Os protestos, as
notificações e interpelações não têm
caráter contencioso no sentido de
constituir uma lide. Exaurem-se em
suas peculiaridades e exteriorizações
de vontade receptíceas. Basta que o
requerente demonstre seu interesse em
judicializar essas manifestações de
vontade e convença o Juiz de sua
hipotética legitimidade (OVÍDIO
BAPTISTA DA SILVA, Comentários ao
Código de Processo Civil, Ed. lEJUR,
v. XI, Do Processo Cautelar, Porto
Alegre, 1985, p. 560).
São atos da própria
pessoa interessada, com a
participação efetiva da autoridade
judiciária, em síntese integração
administrativa, para lhes emprestar de
forma mais rígida e confiável.
Procedimento, pois, de jurisdição
voluntária (Ernane Fidelis dos Santos,
Manual de Direito Processual Civil, Ed.
Saraiva, 1989, v.V, p. 254).
O protesto, a notificação e
a interpelação são procedimentos não
contenciosos, meramente conservativos
de direitos, que não podem ser
incluídos, tecnicamente, entre as
medidas cautelares. (HUMBERTO THEODORO
JR., Processo Cautelar, Ed. Leud, 13ª
Ed, p. 343).
Os protestos, notificações
e interpelações, constituem atos da
chamada jurisdição voluntária, nas
quais exerce o Juiz, de regra, função
de mero agente transmissor de
comunicação de vontade. (C. A. ALVARO
DE OLIVEIRA E GALENO LACERDA,
Comentários ao Código de Processo
Civil, Ed. Forense, 2ª edição, v. 8,
tomo II, p. 379).
18- Ressalte-se, ainda, que, na
hipótese de confirmação do desejo de concorrer
nas próximas eleições presidenciais, não caberia
ao Requerido escolher a data de sua
conveniência para renunciar ao cargo de
Ministro e/ou se aposentar, pois esta função
e a pré-candidatura não podem coexistir nem
por um minuto. Aliás, se verdadeiras as
notícias espalhadas pela imprensa de todo o
país, S. Exª já deveria ter deixado o cargo.
19- Em conclusão, esta demanda decorre
do sentimento de insubmissão republicana e
inspira-se no pensamento, atual, de Norberto
Bobbio:
Quando no século passado
se manifestou o contraste entre
liberais e democratas, a corrente
democrática levou a melhor, obtendo
gradual mas inexoravelmente a
eliminação das discriminações
políticas, a concessão do sufrágio
universal. Hoje, a reação democrática
diante dos neoliberais consiste em
exigir extensão do direito d
participar na tomada de decisões
coletivas para lugares diversos
daqueles em que se tomam as decisões
políticas, consiste em procurar
conquistar novos espaços para a
participação popular e, portanto, em
prover a passagem - para usar a
descrição das várias etapas do processo
de democratização feita por Macpherson
- da fase da democracia de equilíbrio
para a fase da democracia de
participação. (extraído da introdução
da obra Direito da Participação
Política - Legislativa Administrativa -
Judicial (Fundamentos e Técnicas
Constitucionais da Democracia), Diogo
de Figueiredo Moreira Neto, Editora
Renovar, 1992).
PEDIDO
20- Por todas essas razões, nos termos
dos artigos 867 e seguintes do Código de Processo
Civil, os Requerentes pedem a essa Suprema Corte
que determine a intimação do Requerido para que,
no prazo de 5 (cinco) dias:
(a) declare não ser pré-candidato a
cargo político nas próximas eleições e, com isso,
afaste, de uma vez por todas, as notícias sobre
sua pré-candidatura; ou
(b) declare ser pré-candidato nas
próximas eleições e se proponha a renunciar,
incontinenti, à função de magistrado, sob pena de
vir a ser denunciado pelos Requerentes por crime
de responsabilidade.
21- Intimado o Requerido, pedem a
entrega dos autos, independentemente de
traslado.
22 Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00
(hum mil reais).
É o relatório.
Decido.
Inicialmente, examino o fundamento da alegada
competência da Corte com base no disposto no art. 102, I, n,
da Constituição federal, que diz respeito à natureza da
causa.
A primeira parte desse dispositivo constitucional
preceitua que compete ao Supremo Tribunal Federal processar e
julgar a ação em que todos os membros da magistratura sejam
direta ou indiretamente interessados. A alegada
aplicabilidade dessa norma adviria da condição de alguns dos
interpelantes, que, sendo magistrados, têm todo o interesse
em preservar a credibilidade e a honorabilidade do Poder
Judiciário e da função jurisdicional do país (fls. 13).
Cumpre definir, para a finalidade restrita de
determinar-se a competência ou incompetência desta Corte, o
exato alcance da expressão interesse da magistratura.
O Supremo Tribunal Federal, interpretando a
Constituição nesse ponto, entende que essa disposição se
refere inegavelmente à garantia de idoneidade da prestação
jurisdicional, considerando-se que qualquer membro da
magistratura interessado não poderia decidir a causa sem
afetar interesse direto ou indireto seu. É o caso das ações
que discutem questões remuneratórias da magistratura estadual
ou federal, nas quais os direitos invocados são próprios e
exclusivos dos membros da magistratura (AO 969, rel. min.
Maurício Corrêa, Pleno, j. 18.06.2003; AO 183, rel. min.
Marco Aurélio, Pleno, j. 11.09.2003; Rcl 2.370-AgR, rel. min.
Carlos Velloso, Pleno, j. 23.10.2003; Rcl 961, rel. min.
Gilmar Mendes, Pleno, j. 02.04.2003; AO 755, rel. min. Gilmar
Mendes, Pleno, j. 12.03.2003; Rcl 1.813, rel. min. Moreira
Alves, Pleno, j. 29.11.2001; AO 642, rel. min. Ellen Gracie,
Pleno, j. 28.11.2002; AO 586-MC-QO, rel. min. Ilmar Galvão,
Pleno, j. 24.06.1999)
Em conseqüência, quando se trata de ações em que
se pleiteiam direitos atribuídos não apenas a magistrados mas
também a outras categorias do serviço público, por exemplo,
entende-se que o Supremo Tribunal Federal não é competente
para julgá-las. Nesse sentido, cf. Rcl 1.952-AgR (rel. min.
Ellen Gracie, Pleno, j. 19.02.2004), AO 870-QO (rel. min.
Carlos Velloso, Pleno, j. 30.04.2003), AO 955-AgR (rel. min.
Ellen Gracie, Pleno, j. 13.02.2003), AO 21-QO (rel. min.
Ilmar Galvão, Pleno, j. 06.05.1999), AO 230-QO (rel. min.
Moreira Alves, Pleno, j. 17.03.1999), AO 334-QO (rel. min.
Moreira Alves, Pleno, j. 1º.04.1997), AO 468-QO (rel. min.
Moreira Alves, Primeira Turma, j. 20.05.1997), Pet 505-QO
(rel. min. Néri da Silveira, Pleno, j. 03.02.1992) e MS
21.441-QO (rel. min. Paulo Brossard, Pleno, j. 04.12.1991),
v.g..
Esses exemplos dizem respeito a direitos
individuais, relacionados ao regime remuneratório de
magistrados.
Os requerentes invocam interesse de cunho
institucional na preservação da credibilidade da magistratura
nacional. Não obstante o mérito do sentimento de insubmissão
republicana (fls. 16) deles, ocorre que, para efeito de
fixação da competência do Supremo Tribunal Federal, esta
Corte não inclui na noção de interesse de membros da
magistratura o interesse genérico na defesa de prerrogativas
ou garantias constitucionais asseguradas à instituição do
Judiciário (cf., a respeito, o MS 21.291-AgR-QO, rel. min.
Celso de Mello, Pleno, j. 12.04.1991).
É de se reter a precisa síntese da ministra Ellen
Gracie sobre a questão, em caso análogo ao presente:
2 - A norma de competência prevista no
artigo 102, I, n, da Constituição, que encarrega o
Supremo Tribunal Federal do processamento e do
julgamento das ações em que todos os membros da
magistratura sejam direta ou indiretamente
interessados, traduz-se como regra explícita de
conformação entre os princípios constitucionais do
juízo natural e da imparcialidade. Busca
resguardar o dever da boa prestação jurisdicional
e restabelecer a igualdade de forças entre as
partes no processo. Sendo, portanto, norma
excepcionalíssima de supressão da competência do
juiz natural, esta somente poderá ser invocada
quando for indispensável à garantia de
imparcialidade do julgador da causa e,
conseqüentemente, de lisura da decisão judicial a
ser proferida. Adverte a precisa doutrina de Luís
Roberto Barroso que, como toda norma de exceção,
sua aplicação deve ficar restrita aos casos
especiais a que se destina, não se tratando, pois,
de mera opção concedida à parte interessada para
escolher o juízo de sua preferência. Assim, é
preciso verificar se estão presentes, no caso em
exame, os requisitos necessários à fixação da
competência originária deste Supremo Tribunal. A
jurisprudência da Casa, desde os primeiros anos
que se seguiram à promulgação da Carta de 1988,
tem demonstrado que não basta a autorizar a
incidência do referido dispositivo constitucional
a mera presença de um magistrado como parte ou a
existência, na causa deduzida em juízo, de tema
relacionado à magistratura. Faz-se necessário,
dessa forma, visualizar, com clareza, os elementos
(i) interesse direto ou indireto e (ii) totalidade
dos membros da magistratura, presentes quando a
decisão da causa poderá beneficiar ou prejudicar
interesse de cada um dos juízes chamados a julgar
a causa, pelo mero fato de serem magistrados (MS
21.071, rel. Min. Célio Borja). 3 - O interesse na
questão jurídica levada a juízo, mesmo se
indireto, deverá ser efetivo, ou seja, capaz de
repercutir na situação daquele que julgaria a
causa única e exclusivamente por ostentar a
condição de magistrado. Por essa razão, é que o
Supremo Tribunal Federal reconheceu, como sendo de
interesse de toda a magistratura, ações em que se
discutiram, por exemplo, a exigibilidade imediata
ou não do imposto de renda sobre a representação
mensal, a possibilidade de acréscimo de um terço
sobre os vencimentos de ambos os meses de férias
gozados, a legitimidade do direito de greve ou o
direito à licença-prêmio. Note-se que, em todos
esses casos, a decisão judicial eventualmente
favorável teria eficácia limitada ao juiz
litigante, mas poderia ser invocada perante a
Administração ou o Judiciário, como precedente,
pelo próprio julgador ou por qualquer outro
magistrado, pelo simples fato de serem integrantes
da magistratura. São causas nas quais o efetivo
interesse no resultado delas, despertado em todos
aqueles que teriam natural competência para julgálas,
retira, como um todo, a imparcialidade
necessária. (AO 1.667, DJ 07.06.2005)
Não nego que interessa genericamente aos membros
da magistratura defender a credibilidade do Poder Judiciário.
Mas a Constituição federal, ao definir o interesse direto ou
indireto dos membros da magistratura, para os efeitos do seu
art. 102, I, n, atribuiu-lhe uma noção precisa, de modo a
delimitar excepcionalmente a competência do Supremo Tribunal
Federal em contraposição à das demais Cortes.
No caso presente, ampliar o sentido de interesse,
para adotar aquele indicado pelos requerentes, significaria
uma capitis diminutio das instâncias ordinárias, por
entender-se que nenhuma delas seria isenta para defender as
prerrogativas do Judiciário (cf. AO 1.107, rel. min. Marco
Aurélio, DJ 1º.02.2005).
Concluo que, em relação à natureza da causa, esta
Corte não é competente para examinar o presente pedido.
Passo a examinar o segundo fundamento, referente à
competência por prerrogativa de foro, suscitada ante a
circunstância de o interpelado ocupar cargo de ministro do
Supremo Tribunal Federal.
Observo que os requerentes manifestam
expressamente a finalidade da interpelação, que é a de
instruir acusação pela possível prática de crime de
responsabilidade por parte do ministro presidente desta
Corte.
A esse respeito, indicam expressamente dispositivo
da Lei 1.079/1950 (art. 39, 4 e 5) e pedem a interpelação
como ato preparatório.
Esse dado é relevante para a definição da
competência desta Corte para processar o presente pedido (Pet
1.249-AgR, rel. min. Celso de Mello, DJ 09.04.1999), uma vez
que, para processar a medida preparatória, o Supremo Tribunal
Federal deve ser, nos termos da lei, competente para decidir
a acusação.
Mas esse não é o caso.
Se, por um lado, o Supremo Tribunal Federal é
competente, nos termos do art. 102, I, b, para processar e
julgar, nas infrações penais comuns, seus próprios ministros,
o Senado Federal, por outro, nos termos do art. 52, II, da
Constituição, é competente para processar e julgar os
ministros do Supremo Tribunal Federal nos crimes de
responsabilidade.
Trata-se, sem maiores dúvidas, de uma separação
constitucional rigorosa entre jurisdições distintas.
Essa divisão faz parte de nossa tradição
republicana, desde os idos da Constituição de 1891.
Comentando o art. 100 da Constituição de 1946, o qual
dispunha sobre a competência do Senado Federal para processar
e julgar os ministros do Supremo Tribunal Federal nos crimes
de responsabilidade, Themistocles Brandão Cavalcanti (A
Constituição Federal Comentada. 3. ed. rev. Rio de Janeiro:
José Konfino, 1956. vol. II, p. 312-314), assim resolveu a
questão:
Não há acusação nem processo por outro
órgão, cabendo ao Senado em toda a sua plenitude
todo o processo até o final.
Essa conclusão não seria menos válida hoje, pois a
Constituição de 1988 não se limitou a atribuir ao Senado
apenas o julgamento dos ministros do Supremo Tribunal Federal
nos crimes de responsabilidade, mas atribuiu-lhe também
competência para processar as acusações.
E, nesse sentido, lê-se processamento como o rito
previsto na legislação específica, que vem a ser a Lei
1.079/1950.
Noto, a esse respeito, que os poderes instrutórios
do Senado são plenos após o recebimento da denúncia, tal como
disposto no art. 45 da referida lei. Nessa dimensão, não há
como negar que a Constituição federal erigiu o Senado Federal
em órgão judicante máximo nessa matéria.
Parece-me claro que o Supremo Tribunal Federal é
manifestamente incompetente para as finalidades pretendidas.
Com efeito, assim decidiu a Corte em interpelação
relacionada a alegações de crime de responsabilidade
supostamente cometido pelo presidente da República, em
decisão lapidar do eminente ministro Celso de Mello:
O Supremo Tribunal Federal  mesmo
tratando-se de pessoas ou autoridades que dispõem,
em razão de ofício, de prerrogativa de foro, nos
casos estritos de crimes comuns  não tem
competência originária para processar notificação
judicial, quando tenha esta por objetivo alcançar
fins de caráter extrapenal. A competência
originária do Supremo Tribunal Federal, por
qualificar-se como um complexo de atribuições
jurisdicionais de extração essencialmente
constitucional  e ante o regime de direito
estrito a que se acha submetida  não comporta a
possibilidade de ser estendida a situações que
extravasem os rígidos limites fixados, em numerus
clausus, pelo rol exaustivo inscrito no art. 102,
I, da Constituição da República. (Pet 2.357, DJ
20.06.2001)
Por esse fundamento, portanto, é inviável o exame
do pedido por esta Corte, pois a Constituição não lhe atribui
competência para tanto.
Observo que essa conclusão não é incompatível com
a ordem constitucional vigente, pois dela não resulta que o
processo, de caráter político, instaurado sob essa ordem
constitucional, tramite sem nenhuma vinculação jurídica a
garantias fundamentais previstas na Constituição federal.
No julgamento do MS 20.941 (rel. para o acórdão
min. Sepúlveda Pertence, Pleno, j. 09.02.1990), impetrado por
senadores em face de ato pelo qual a Presidência da Câmara
dos Deputados deixara de receber denúncia oferecida contra o
presidente da República, diversos ministros de Estado e o
consultor-geral da República, a Corte decidiu o seguinte:
2. Preliminar de falta de jurisdição
do Poder Judiciário para conhecer do pedido:
rejeição, por maioria dos votos, sob o fundamento
de que, embora a autorização prévia para a sua
instauração e a decisão final sejam medidas de
natureza predominantemente política  cujo mérito
é insusceptível de controle judicial  a esse cabe
submeter a regularidade do processo de impeachment
, sempre que, no desenvolvimento dele, se alegue
violação ou ameaça ao direito das partes; votos
vencidos, no sentido da exclusividade, no processo
de impeachment, da jurisdição constitucional das
Casas do Congresso.
Por último, caberia examinar a viabilidade
jurídica de interpelações nos termos em que formulada no
presente pedido (com base no art. 867 do Código de Processo
Civil).
O Supremo Tribunal Federal recebe rotineiramente
interpelações fundadas no art. 144 do Código Penal e no art.
25 da Lei de Imprensa, destinadas a produzir explicações em
Juízo sobre possíveis calúnias, difamações ou injúrias. Como
bem anotado pelo eminente ministro Sepúlveda Pertence na Pet
3.349 (DJ 14.03.2005), em interpelações desse tipo, não cabe
ao juiz decidir sobre a significação penal de recusa de
prestá-las ou sobre serem satisfatórias, ou não aquelas
prestadas.
Porém, o ministro Sepúlveda Pertence ainda observa
que essa regra não ilide evidentemente o poder-dever de
decidir, antes de ordenar a interpelação requerida, da sua
admissibilidade processual, que implica pronunciamento sobre
os pressupostos do pedido na medida cautelar preparatória ou
a respeito da viabilidade da prenunciada ação penal, a cuja
eventual propositura vise o pedido de explicações: é firme
nesse sentido a orientação do Supremo Tribunal.
No caso mencionado, em que era interpelado o
presidente da República, concluiu o ministro Sepúlveda
Pertence que não é a interpelação substitutiva de
investigação, pelos meios adequados, de possíveis omissões
funcionais do Presidente da República, nem, menos ainda, para
obter do interpelado que informe o que declaradamente não
quis informar.
Ainda que o presente pedido não seja relacionado à
medida prevista no Código Penal ou na Lei de Imprensa, é de
se perguntar se essas observações também não seriam
aplicáveis ao que ora se pede com base na lei processual
civil (art. 867), em face da finalidade pretendida.
Do exposto, com base no § 1º do art. 21 do
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, nego
seguimento ao pedido.
Publique-se.
Arquive-se.
Brasília, 08 de fevereiro de 2006.
Ministro JOAQUIM BARBOSA
Relator

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