16/02/2006
Pedagogia da lei - Supremo dita manual dos poderes e limitações das CPIs

Pedagogia da lei
Supremo dita manual dos poderes e limitações das CPIs
por Maria Fernanda Erdelyi
Diante de mais um pedido de Habeas Corpus para assegurar direitos de depoentes em CPI, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal acabou por montar uma cartilha de orientação para os parlamentares entenderem melhor seus poderes e limitações.
O ministro explica, didaticamente, que as CPIs têm basicamente os mesmos poderes instrutórios que o Poder Judiciário, contudo  como o STF já reafirmou inúmeras vezes  a CPI não dispõe dos poderes elencados pela Constituição na cláusula de reserva de jurisdição. Ou seja: aqueles exclusivos da magistratura.
Isso significa, que em virtude dessa limitação imposta pela própria Constituição, as CPIs não podem expedir mandado de prisão cautelar (preventiva) contra qualquer pessoa, embora possa prender em flagrante quem eventualmente pratique delito contra o órgão parlamentar. Celso de Mello lembra que o direito de prender em flagrante, aliás é de qualquer um do povo, nos termos do artigo 301 do Código de Processo Penal.
O ministro, autor dos principais votos condutores nessa matéria, explica que as CPIs também não podem ordenar interceptação de conversações telefônicas, o que está claro no artigo 5º, inciso da Constituição. E, por fim, as CPIs tampouco podem expedir mandado de busca domiciliar, por força do artigo 5º inciso XI da CF.
Direito de calar
No caso concreto, Celso de Mello apreciou pedido de Habeas Corpus impetrado em favor de Jorge Ribeiro dos Santos, dono da São Paulo CCTVM, corretora de valores, convocado para depor na CPI dos Correios nesta quarta-feira (15/2). O ministro assegurou ao depoente o direito de se fazer assessorar por seu advogado, observadas todas as prerrogativas em vigor previstas na Lei 8.906/94  o Estatuto da Advocacia.
No HC, o advogado de Ribeiro dos Santos, pedia que fosse assegurado o direito do depoente de ficar calado e não se auto-incriminar. Pedia que o depoente pudesse estar acompanhado por seu advogado e com este poder se comunicar durante o depoimento, além de não ser obrigado a assinar Termo de Compromisso na condição de testemunha.
O ministro Celso de Mello concedeu o pedido de liminar, para assegurar que Ribeiro dos Santos seja assistido e possa comunicar com o seu advogado. O ministro também concedeu o direito ao depoente de permanecer em silêncio e de não produzir provas contra si próprio, se e quando inquirido sobre fatos cujo esclarecimento possa importar em sua auto-incriminação, sem dispensá-lo, contudo, da obrigação de comparecer perante o órgão parlamentar ora apontado como coator.
Celso de Mello ressaltou em seu voto que as CPIs estão sujeitas as mesmas limitações impostas a qualquer autoridade pública, porque no sistema constitucional brasileiro não há poderes absolutos nem ilimitados, o que significaria a deformação do próprio regime democrático que não convive com poderes que não se sujeitem a limitações da Constituição e das Leis da República.
Leia o voto do ministro Celso de Mello:

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 88.015-1 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

PACIENTE(S): JORGE RIBEIRO DOS SANTOS

IMPETRANTE(S): ALBERTO TICHAUER

COATOR(A/S)(ES)
:
PRESIDENTE DA COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUÉRITO - CPMI DOS CORREIOS

EMENTA: COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO (CPI). PRIVILÉGIO CONSTITUCIONAL CONTRA A AUTO-INCRIMINAÇÃO: GARANTIA BÁSICA QUE ASSISTE À GENERALIDADE DAS PESSOAS. A PESSOA SOB INVESTIGAÇÃO (PARLAMENTAR, POLICIAL OU JUDICIAL) NÃO SE DESPOJA DOS DIREITOS E GARANTIAS ASSEGURADOS PELA CONSTITUIÇÃO E PELAS LEIS DA REPÚBLICA. DIREITO À ASSISTÊNCIA EFETIVA E PERMANENTE POR ADVOGADO: UMA PROJEÇÃO CONCRETIZADORA DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DO DUE PROCESS OF LAW. A PRIMAZIA DA RULE OF LAW. A PARTICIPAÇÃO DOS ADVOGADOS PERANTE AS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO E O NECESSÁRIO RESPEITO ÀS PRERROGATIVAS PROFISSIONAIS DESSES OPERADORES DO DIREITO (MS 25.617/DF, REL. MIN. CELSO DE MELLO, DJU 03/11/2005, V.G.). O POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES E A LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE, PELO JUDICIÁRIO, DAS FUNÇÕES INVESTIGATÓRIAS DAS CPIs, SE E QUANDO EXERCIDAS DE MODO ABUSIVO. DOUTRINA. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
DECISÃO: Trata-se de habeas corpus preventivo, que, impetrado contra a CPMI dos Correios, objetiva preservar o status libertatis do ora paciente, por ela convocado a depor em sessão a ser realizada no próximo dia 15 de fevereiro.
Busca-se, com a presente ação de habeas corpus, a obtenção de provimento jurisdicional que assegure, cautelarmente, ao ora paciente, (a) o direito de ser assistido por seu Advogado e de com este comunicar-se durante o curso de seu depoimento perante a referida Comissão Parlamentar de Inquérito e (b) o direito de exercer o privilégio constitucional contra a auto-incriminação, sem que se possa adotar, contra o ora paciente, como conseqüência do regular exercício dessa especial prerrogativa jurídica, qualquer medida restritiva de direitos ou privativa de liberdade, não podendo, ainda, esse mesmo paciente, ser obrigado a assinar Termo de Compromisso na condição de testemunha (fls. 11).
Passo a apreciar o pedido de medida liminar formulado nesta sede processual.
E, ao fazê-lo, defiro a postulação em causa, nos termos referidos no parágrafo anterior (a e b), notadamente para o fim de assegurar, ao ora paciente, além do direito de ser assistido e de comunicar-se com o seu advogado, também o direito de permanecer em silêncio e de não produzir provas contra si próprio, se e quando inquirido sobre fatos cujo esclarecimento possa importar em sua auto-incriminação, sem dispensá-lo, contudo, da obrigação de comparecer perante o órgão parlamentar ora apontado como coator.
CPI E O PRIVILÉGIO CONSTITUCIONAL CONTRA A AUTO-INCRIMINAÇÃO.
Tenho enfatizado, em decisões proferidas no Supremo Tribunal Federal, a propósito da prerrogativa constitucional contra a auto-incriminação (RTJ 176/805-806, Rel. Min. CELSO DE MELLO), e com apoio na jurisprudência prevalecente no âmbito desta Corte, que assiste, a qualquer pessoa, regularmente convocada para depor perante Comissão Parlamentar de Inquérito, o direito de se manter em silêncio, sem se expor - em virtude do exercício legítimo dessa faculdade - a qualquer restrição em sua esfera jurídica, desde que as suas respostas, às indagações que lhe venham a ser feitas, possam acarretar-lhe grave dano (Nemo tenetur se detegere).
É que indiciados ou testemunhas dispõem, em nosso ordenamento jurídico, da prerrogativa contra a auto-incriminação, consoante tem proclamado a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal (RTJ 172/929-930, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RDA 196/197, Rel. Min. CELSO DE MELLO  HC 78.814/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Cabe acentuar que o privilégio contra a auto-incriminação - que é plenamente invocável perante as Comissões Parlamentares de Inquérito (OVÍDIO ROCHA BARROS SANDOVAL, CPI ao Pé da Letra, p. 64/68, itens ns. 58/59, 2001, Millennium; UADI LAMMÊGO BULOS, Comissão Parlamentar de Inquérito, p. 290/294, item n. 1, 2001, Saraiva; NELSON DE SOUZA SAMPAIO, Do Inquérito Parlamentar, p. 47/48 e 58/59, 1964, Fundação Getúlio Vargas; JOSÉ LUIZ MÔNACO DA SILVA, Comissões Parlamentares de Inquérito, p. 65 e 73, 1999, Ícone Editora; PINTO FERREIRA, Comentários à Constituição Brasileira, vol. 3, p. 126-127, 1992, Saraiva, v.g.) - traduz direito público subjetivo, de estatura constitucional, assegurado a qualquer pessoa pelo art. 5º, inciso LXIII, da nossa Carta Política.
Convém assinalar, neste ponto, que, Embora aludindo ao preso, a interpretação da regra constitucional deve ser no sentido de que a garantia abrange toda e qualquer pessoa, pois, diante da presunção de inocência, que também constitui garantia fundamental do cidadão (...), a prova da culpabilidade incumbe exclusivamente à acusação (ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO, Direito à Prova no Processo Penal, p. 113, item n. 7, 1997, RT - grifei).
É por essa razão que o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu esse direito também em favor de quem presta depoimento na condição de testemunha, advertindo, então, que Não configura o crime de falso testemunho, quando a pessoa, depondo como testemunha, ainda que compromissada, deixa de revelar fatos que possam incriminá-la (RTJ 163/626, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - grifei).

Revista Consultor Jurídico, 14 de fevereiro de 2006

« VOLTAR