28/07/2008
Remessa de lucro tributada

JORNAL DO COMMERCIO - DIREITO & JUSTIÇA
Remessa de lucro tributada

Sob protestos de advogados tributaristas, começa a tramitar, na Câmara dos Deputados, o projeto de lei que visa a pôr fim à isenção do Imposto de Renda (IR) sobre a remessa de lucros e dividendos para o exterior. De autoria do deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ), a Proposta nº 3.007/08 prevê a modificação do artigo 10 da Lei 9.249, de dezembro de 1995, e estabelece alíquota de 15% para o retorno dos investimentos ao país de origem, sob o argumento de se evitar "sangria de recursos". Na avaliação dos especialistas, porém, a proposição é retrógrada e põe em risco um mecanismo eficaz de atrair recursos estrangeiros.

O projeto foi apresentado em março, mas apenas no mês passado recebeu um relator, o deputado Tarcísio Zimmermann (PT-RS). Pela redação proposta, "os lucros ou dividendos pagos ou creditados por pessoas jurídicas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, a beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no país, integrarão a base de cálculo do Imposto de Renda do beneficiário."

O projeto acrescenta parágrafo único à norma, para estabelecer que "os rendimentos auferidos sob a forma de distribuição de lucros e dividendos creditados a beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no exterior, ficarão sujeitos à incidência de Imposto de Renda na fonte de 15%". Chico Alencar alega, em sua justificativa, que o benefício estabeleceu um "incentivo sem precedentes" para a remessa de lucros e dividendos ao exterior, o que estaria provocando "sangria de recursos" e problemas no "balanço de pagamentos".

De acordo com o deputado, dados do Banco Central indicam que, em 2006, as empresas estrangeiras enviaram US$ 16,4 bilhões para fora. No ano passado, as remessas somaram US$ 21,236 bilhões, 29,85% mais que o verificado em 2006. "Só para ter uma idéia, em 2002, esse valor foi de U$ 5,2 bilhões", disse Alencar. Segundo afirmou, ainda segundo informações do Banco Central, os bancos estrangeiros remeteram ao exterior US$ 1,4 bilhão. Além disso, apenas as montadoras enviaram US$ 2,702 bilhões a suas sedes, no ano passado.

Devolução
Segundo o deputado, nunca as multinacionais instaladas no Brasil enviaram tanto dinheiro ao exterior. "Contrariando a tese de que investimentos estrangeiros desenvolvem o País, a transferência de recursos aumenta tão rápido quanto os próprios investimentos. No ano passado, as remessas representaram 87% de todo o investimento direto que entrou no Brasil. Ou seja, quase tudo o que foi investido em 2006 retornou em forma de lucros. Desde 1991, a relação entre investimento e remessas não atingia níveis tão altos, quando chegou a 93%", afirmou o deputado, acrescentando que a isenção, "longe de beneficiar a economia, se constitui em mais um estímulo à sangria de recursos para o exterior".

Na avaliação dele, a alíquota de 15 % não é excessiva. "A presente proposição elimina, assim, uma isenção injustificada, que tem servido única e exclusivamente como instrumento de transferência de receita tributária para outros países. Essa alíquota visa a incentivar a aplicação de capital no setor produtivo, sem a injustificada isenção do artigo 10 da Lei 9.249/95, já que as aplicações em fundos de renda fixa no mercado financeiro são taxadas 20%, portanto 5% a mais que o proposto ao setor produtivo nesse projeto", explicou.

A proposição restabelece também a cobrança do IR sobre os rendimentos auferidos a título de distribuição de lucros e dividendos a beneficiário, pessoa física ou jurídica, face à existência de capacidade contributiva. "Essa iniciativa tem o cunho de ampliar o grau de justiça fiscal do sistema, estabelecendo tratamento isonômico para todos os contribuintes, sejam assalariados ou detentores de participação acionária", alegou o parlamentar.

Contestação
Especialistas não concordam com as justificativas apresentadas. O advogado Celso Botelho de Moraes, sócio titular do escritório Advocacia CBM, explicou que a isenção existe porque esses lucros já foram objeto de tributação na pessoa jurídica que distribui os dividendos. Isso quer dizer que os acionistas/quotistas da empresa já foram tributados, via pessoa jurídica da qual são sócios.

Na avaliação de Moraes, as empresas estrangeiras não estão em vantagem em relação às nacionais, como argumenta a justificativa do projeto, pois a isenção vale para ambas as companhias. "Em minha opinião, se o projeto for transformado em lei, haverá aumento da carga tributária, pois a mesma renda estará sendo tributada duas vezes", afirmou.

Opinião semelhante tem o advogado Igor Mauler Santiago, da banca Sacha Calmon - Misabel Derzi Consultores e Advogados. Segundo afirmou, a isenção prevista na lei é benéfica para a economia nacional, na medida em que atrai investimentos estrangeiros que, de outro modo, poderiam ser canalizados para outros países.

"O projeto, se aprovado, acarretará dupla tributação dos lucros. a primeira vez, quando auferidos pela empresa; a segunda, quando distribuídos ao acionista, pessoa física ou jurídica, residente no País ou no exterior. Embora as pessoas sejam diversas, a empresa e seus acionistas, o dinheiro é o mesmo, não se justificando que seja novamente submetido ao Imposto de Renda", explicou.

A tributarista Daniela Gusmão, do Tozzini Freire Advogado, classificou o projeto como retrógrado. "É absurso e retrógrado o Projeto de Lei 3.007/2008. Pessoas jurídicas pagam seus impostos normalmente, a depender da atividade de cada uma. Considerando que a empresa já paga o Imposto de Renda, há uma isenção legal para os dividendos, que são o resultado final das atividades da empresa. Hoje, os dividendos, seja de investidores estrangeiros, seja de investidores brasileiros, não são tributados", afirmou.

GISELLE SOUZA
DO JORNAL DO COMMERCIO

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