11/08/2008
Brecha em ''blindagem'' reacende polêmica


O ESTADO DE S. PAULO - NACIONAL - 09/08/08
Brecha em ''blindagem'' reacende polêmica

A sanção ao projeto de inviolabilidade dos escritórios de advocacia, publicada ontem no Diário Oficial com três vetos ao texto, abriu uma nova divergência entre juízes, procuradores, advogados e governo.

Tudo porque o novo texto não diz expressamente que a polícia está proibida, mesmo com autorização judicial, de entrar no escritório de um advogado - que não é investigado - para buscar documentos essenciais para comprovar a autoria de crime cometido por cliente desse advogado.

O texto anterior liberava as operações de busca e apreensão nos escritórios com a única condição de que fossem autorizadas por um juiz, independentemente de o advogado ser ou não alvo de investigação.

VERSÕES
O texto novo definiu que os escritórios podem ser alvos de buscas quando houver indícios da prática de crime por parte de advogado. Porém, de acordo com juízes, não vedou outras motivações.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, defendeu a tese de que essas buscas ficaram proibidas com a mudança promovida na legislação.

"A lei é clara e estabelece que a única possibilidade de quebra da inviolabilidade é quando o advogado está sendo acusado da prática de um crime", afirmou.Para Britto, a sanção da lei, da forma como foi feita, significou "uma vitória da democracia".

Juízes, por sua vez, dizem que continuarão a ordenar buscas e apreensões quando julgarem necessário por não verem na nova redação uma proibição expressa para isso.

RUMO AO STF
No meio desse embate está o governo, que dá a sua versão de como interpreta a nova lei. Assessores do Ministério da Justiça que acompanharam a tramitação do texto afirmaram que a lei, de fato, não impede busca e apreensão nos escritórios se for necessário coletar uma prova, mesmo que o advogado não esteja sob investigação.

A divergência, adiantam os juízes e advogados, acabará no Supremo Tribunal Federal (STF), a quem caberá a última palavra nesse caso.

BUSCA DE PROVAS
A principal razão para a mudança no Estatuto dos Advogados foi colocar na lei o entendimento dos tribunais sobre o alcance da proteção aos escritórios de advocacia.

Alguns juízes permitiam, por exemplo, que conversas entre clientes e advogados fossem grampeadas. Outros determinavam que o computador de um advogado que não estava sob investigação fosse confiscado para buscar provas contra o cliente dele.

Decisões como estas eram, em vários casos, consideradas ilegais pelos tribunais, o que comprometia investigações. Felipe Recondo

Juiz vê afronta ao Código de Processo Penal

O texto sancionado pelo presidente da República em exercício, José Alencar, estabelecendo a inviolabilidade dos escritórios de advocacia, afronta princípio do Código de Processo Penal. O alerta foi dado ontem pelo desembargador Henrique Nelson Calandra, presidente da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis). Segundo ele, o parágrafo 6º da Lei 11.767/2008 é o que mais contraria o código e, por isso, deveria ter sido vetado. "Esse parágrafo se mostra incompatível com o artigo 243, parágrafo 2º, do Código de Processo Penal, que permite a apreensão da prova, ou do elemento de corpo de delito, até mesmo no escritório do advogado", assinala Calandra.

O parágrafo 6º da lei da inviolabilidade impõe que se o advogado não é autor, co-autor ou partícipe do crime, em princípio, não pode ser feita busca e apreensão da prova no seu escritório. Calandra é taxativo: "Gabinetes de desembargadores federais, e até de ministros, já foram alvos de operações de busca e apreensão de elementos de corpo de delito e nenhuma imunidade foi concedida."

"Além de proporcionar aos escritórios de advocacia a inviolabilidade de arquivos, anotações e demais materiais, ainda que seja prova de corpo de delito, o sexto parágrafo veda, em tese, a utilização de documentos e demais materiais que serviriam como prova em processos penais", adverte o desembargador.

A sanção do projeto da advocacia ocorreu na noite de quinta-feira. Foram vetados três parágrafos, 5º, 8º e 9º. Mas o presidente em exercício preservou o parágrafo 6º, para inconformismo dos magistrados.

Henrique Calandra destaca que o parágrafo 2º do artigo 243 do Código de Processo Penal define: "Não será permitida a apreensão de documento em poder do defensor do acusado, salvo quando constituir elemento do corpo de delito."

INVASÕES LEGALIZADAS
Para o advogado Robertson Emerenciano, da banca Emerenciano, Baggio e Associados - Advogados, os vetos limitaram o propósito e os objetivos iniciais da lei. "Acredito que o remédio funcionou ao contrário: o que se autorizou, e agora com base na lei, é o acesso ao ambiente de trabalho do advogado e a possibilidade de capturar dados e informações dos clientes sempre que estes estiverem envolvidos em qualquer investigação."

Emerenciano avalia que as invasões agora têm respaldo legal. "Ora, isso é uma situação que já ocorria, pois todas as invasões aos escritórios sempre foram para apreender documentos de advogados ou de clientes investigados, mas não havia suporte legal para tal. E a partir de agora a lei embasa e autoriza isso, pois as proteções pretendidas foram vetadas." Fausto Macedo

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