O ESTADO DE S. PAULO - NACIONAL - 23/08/08
Governo prepara nova reforma para facilitar acesso à Justiça
Afogado em pilhas de processos e marcado pela pecha de ser um Poder só acessível aos "ricos", o Judiciário passará por nova reforma. A idéia do que vem sendo chamado de "pacto do Judiciário" é multiplicar as instâncias de conciliação para tratar de assuntos coletivos - como defesa do consumidor e disputas com o INSS - fora da engrenagem da Justiça. Essas instâncias de conciliação reduzem a sobrecarga do sistema ao evitar que qualquer conflito vire ação judicial.
Outra idéia para desafogar a Justiça é criar um mecanismo para barrar os recursos que entopem os gabinetes dos ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e não têm nenhuma chance de prosperar. Somente nos primeiros sete meses deste ano, 64.121 recursos chegaram aos gabinetes dos ministros do STJ. Com a criação desse mecanismo - chamado de súmula impeditiva -, recursos que tratem de decisões já tomadas pelo tribunal superior em outros casos serão barrados e encerrados ainda na Justiça de segunda instância, pondo fim à produção em escala industrial dos recursos.
Os juízes de primeira instância também terão um instrumento poderoso para diminuir o volume de processos que chegam às suas mãos: as ações coletivas. Caso detectem uma onda de ações sobre o mesmo assunto, como reclamações contra uma construtora, poderão suspendê-las imediatamente e pedir que o Ministério Público reúna todas elas em uma só. Assim, a decisão que valer para uma valerá para todas, o que poupa tempo e dinheiro da Justiça.
Todas essas propostas constarão de um pacto que deverá ser assinado em novembro pelos presidentes dos três Poderes. Algumas propostas, como a das ações coletivas, precisarão de nova legislação, o que obrigará o encaminhamento de um projeto de lei ao Congresso. Outras medidas, que já tramitam no Legislativo há anos, serão "apadrinhadas" pelo Executivo e pela cúpula do Judiciário. Uma terceira vertente de alterações independe de leis, como a ampliação de câmaras de conciliação, e serão tocadas pelos respectivos Poderes.
Os estudos dessas propostas e a coordenação de reuniões para discutir o assunto estão a cargo do secretário de Reforma do Judiciário, Rogério Favreto, e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), presidido pelo ministro Gilmar Mendes. O Ministério da Justiça, por exemplo, contratou uma consultoria para levantar quais assuntos poderiam ser resolvidos fora dos tribunais, em cartórios extrajudiciais e em câmaras de conciliação.
Atualmente, divórcios, inventários e partilhas de bens podem ser resolvidos nos cartórios. Se há acordo, nada disso chega à Justiça e os envolvidos ficam dispensados de contratar advogados e aguardar por meses para ter o caso resolvido por um juiz.
Nas câmaras de conciliação, mesmo pouco difundidas, casos polêmicos já foram solucionados, como as indenizações aos parentes de vítimas do acidente aéreo da TAM ocorrido no ano passado. E a idéia, de acordo com o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay, é que essas câmaras solucionem o máximo de processos coletivos - como indenizações repetitivas por conta de acidentes de consumo. "Temos de trabalhar com a idéia de oferecer justiça sem precisar do Judiciário", diz Abramovay.
Outra mudança na legislação envolve a execução de sentenças da Justiça do Trabalho. O projeto que tramita no Congresso obriga o patrão processado pelo ex-empregado a pagar a dívida reconhecida judicialmente em 48 horas ou encaminhar para a penhora os bens que possui, mesmo que sejam insuficientes para o pagamento integral. Isso coibiria as manobras feitas por empresas para evitar o pagamento da dívida.
Pacote inclui lei contra abuso de autoridade
As operações da Polícia Federal realizadas diante das câmeras de TV, com a exposição de investigados presos e algemados em casa, de pijama, e o vazamento de informações para comprometer autoridades públicas levaram à inclusão, no pacote da reforma do Judiciário, da proposta de atualizar a lei que trata de abusos de autoridade.
A nova lei foi uma demanda do Judiciário, que na semana passada editou uma súmula vinculante para restringir a casos extremos o uso de algemas em operações policiais. E teve como principal defensor o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, crítico contumaz das ações da PF e do Ministério Público e da profusão de grampos telefônicos nas investigações judiciais.
Mas ao contrário do que foi inicialmente proposto como uma nova legislação, pelo deputado Raul Jungmann (PPS-PE), o governo não pretende rever as penas estabelecidas pela lei que vigora desde 1965.
O principal ponto da proposta de Jungmann era justamente elevar de 6 meses para 8 anos de reclusão a pena máxima prevista em lei. A idéia do governo, ao contrário, é apenas acelerar os processos administrativos e a aplicação de sanções aos servidores e agentes públicos acusados de abuso.
O governo argumenta, em conversas com Jungmann, que o caminho mais curto para coibir eventuais abusos é punir os responsáveis. Uma das formas de fazer isso é ampliar as estruturas das ouvidorias, conselhos e corregedorias dos órgãos públicos e dos Poderes para apurar reclamações dos contribuintes.
"Queremos deixar claro que numa democracia ninguém está livre de controles. Mas como exercer esses controles? As corregedorias têm de se abrir para a população", afirmou o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay. "Por que o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho do Ministério Público, por exemplo, não têm postos nos Estados para receber reclamações de abuso de autoridade?"
O governo ainda negocia a formatação do projeto que será encaminhado ao Congresso. O presidente do STF já sugeriu que qualquer cidadão possa processar judicialmente um agente público por abuso de autoridade, sem depender, como ocorre hoje, do Ministério Público. Além disso, Mendes propôs que a Justiça crie varas especializadas para julgar casos de abuso de autoridade. Nenhuma das propostas está nos planos do governo.
Felipe Recondo
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