26/08/2008
Penhora antecipada de bens deve sofrer oposição no Congresso

VALOR ECONÔMICO - BRASIL
Penhora antecipada de bens deve sofrer oposição no Congresso

O governo quer, primeiro, remover as dúvidas dos parlamentares antes de enviar, ao Congresso Nacional, o pacote de quatro projetos de lei e uma medida provisória que muda os procedimentos para a cobrança de dívidas tributárias. O objetivo dessas medidas é dar maior rapidez e flexibilidade aos processos, agregando à fase administrativa etapas que, atualmente, são atribuições dos juízes. O exemplo mais polêmico dos poderes que o Executivo pretende obter é o da penhora de bens dos devedores.

Dúvidas não faltarão e a queda-de-braço será intensa. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, prometeu ao presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), que está à disposição dos líderes, mas sua tarefa é ingrata.

Desde 2000, com o programa de parcelamento de dívidas conhecido por Refis, o Congresso vem tomando direção contrária e sendo tolerante com os inadimplentes. Depois do Refis, deputados e senadores ainda autorizaram dois grandes refinanciamentos: o Paes, em 2003, e o Paex, em 2006.

Em 2005, o governo decidiu que a Receita Federal tinha de absorver as atribuições da Secretaria da Receita Previdenciária e, por meio da MP 258, submeteu a idéia aos parlamentares. Acabou derrotado pelos senadores da oposição que se recusaram a apreciar o mérito da proposta no prazo legal. A confusão demorou mais de um ano para ser resolvida, com a aprovação de um projeto de lei.

São fartos os sinais das dificuldades políticas que o governo vai enfrentar no Congresso se quiser apertar o cerco aos devedores, mas o procurador-geral da Fazenda Nacional, Luís Inácio Lucena Adams, defende que o país precisa de uma nova lei de cobrança de tributos que dê mais poder ao governo para, entre outras mudanças, penhorar bens dos inadimplentes. "O devedor tem de saber que, perdendo disputa judicial ou protelando pagamentos, vai sofrer as conseqüências", avisa. Segundo levantamento da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), 80% da dívida ativa, estimada em R$ 1,3 trilhão, está concentrada em apenas 12 mil contribuintes.

Adams também argumenta que o Brasil é uma espécie de "exceção" no conjunto de países desenvolvidos que já adotaram, há muito tempo, a penhora administrativa. Ele cita, entre outros, Espanha, Portugal, Alemanha, Estados Unidos e Argentina. Ressalta que, na Espanha, em alguns casos, a lei não permite aos devedores recorrer ao Judiciário. Para o procurador, apesar de polêmica no Brasil, a penhora administrativa vai garantir rapidez e efetividade para o processo de execução fiscal. "No Brasil, ela é necessária também porque o tempo do juiz é diferente do tempo da cobrança. O juiz tem como missão resolver conflitos, não cobrar dívidas tributárias", admite.

O constrangimento enfrentado pelo devedor quando tem bens penhorados pelas autoridades tributárias é, na visão do procurador-geral, permitido pela Constituição e, além disso, compreendido pela sociedade. Outras medidas semelhantes do setor privado, segundo ele, já são aceitas há muito tempo, tais como a inscrição do nome do devedor em listas da Serasa e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC).

Adams também afirma que a pretendida mudança na execução fiscal tem o mesmo espírito da nova lei de execução de título extrajudicial - letra de câmbio, nota promissória, duplicata, debênture e cheque - que aperfeiçoou e simplificou, a partir de 2007, parte do Código de Processo Civil. Essa evolução permite que o credor leve ao cartório de registro de imóveis ou ao Detran uma cópia do pedido que levou à Justiça. É o primeiro passo para configurar fraude à execução, porque se o devedor procurar vender um bem para evitar penhoras, será responsabilizado.

Na avaliação do procurador, se as mudanças forem aprovadas, será bastante aperfeiçoada a relação entre fisco e contribuintes, mas elas não vão acabar com as recorrentes demandas do Congresso por parcelamentos especiais, como o Refis. Essas leis, acredita, decorrem de "ondas" específicas, como, por exemplo, as do crédito rural, do Simples, das dívidas de clubes de futebol e as das entidades filantrópicas, entre outras.

Se o governo quer mais poder para os procuradores da Fazenda Nacional penhorarem bens dos devedores, por outro lado, também pretende mudar a lei para poder negociar com os que, de boa-fé, provarem que não têm dinheiro para suportar uma cobrança de tributos que pode se prolongar por quase 20 anos. Nesse sentido, um dos projetos estabelece a transação em matéria tributária. Mantega já disse que, para o governo, não interessa ter R$ 1,3 trilhão inscrito na dívida ativa se a maior parte desse bolo jamais vai entrar nos cofres federais.

Adams avalia que uma autorização da lei para negociar com devedores não é prêmio para inadimplentes. Ele reconhece que muitos dos conflitos tributários são criados por demandas judiciais que se arrastam por muito tempo. O banco de dados da PGFN mostra que 70% da dívida ativa correspondem a multas, juros e correção monetária. Portanto, defende que a maior rapidez na execução fiscal, antecipando medidas que atualmente dependem de ordem judicial, é vantagem para todos.

Outra medida prevista pelo pacote do governo, positiva para os devedores, é a unificação dos procedimentos da Receita e da PGFN nos reparcelamentos. Atualmente, a Receita não admite que um contribuinte que deixou de pagar as parcelas de tributos em atraso volte a algum programa de refinanciamento. Mas isso é admitido pela PGFN, sob algumas condições. O projeto prevê que ambas as instituições deverão aceitar pedidos de reparcelamento.

Os números do estoque da dívida ativa da PGFN revelam o colapso do atual sistema. Do total de R$ 1,3 trilhão, R$ 624 bilhões estão inscritos. Em 2007, somente R$ 3 bilhões foram recuperados em cobranças judiciais e R$ 10 bilhões foram depositados em juízo. Pouco mais de 3 mil procuradores, em todo o país, têm de cuidar de 11,6 milhões de processos.

Arnaldo Galvão

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