JORNAL DO COMMERCIO - DIREITO & JUSTIÇA
Quebra de sigilo desagrada advogados
Conversas entre advogado e cliente não poderão mais ser divulgadas ou utilizadas no processo penal de acordo com substitutivo ao projeto de lei que altera as regras para a quebra do sigilo telefônico, aprovado ontem pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, em caráter teminativo. O texto proíbe a utilização de informações que resultarem da interceptação entre o investigado e seu defensor durante o exercício da profissão. A mudança, no entanto, não agradou representantes da categoria.
A redação original, de autoria do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), prevê como requisito da autorização da interceptação telefônica que o crime a ser investigado seja punido com privação da liberdade por no mínimo um ano de reclusão ou detenção. Atualmente, a interceptação só é possível para os crimes punidos com reclusão. A proposta estabelece também que o pedido deve constar a relação dos números de telefones a serem interceptados, inclusive com a indicação do titular e da data de ativação da linha, e o nome da autoridade policial responsável pela execução da diligência.
O projeto restringe a possibilidade de pedido de interceptação feito verbalmente à hipótese em que a vida da vítima esteja em perigo. Além disso, obriga a autoridade responsável pelo grampo a informar a todas as pessoas que tiveram suas ligações interceptadas, ao final da instrução processual. Por fim, cria tipo penal específico para o crime de interceptação ilícita e aumenta as penas previstas para os casos em que o delito é praticado por funcionário público no exercício da função.
Sem modificar esses fundamentos, o relator Demóstenes Torres (DEM-GO) apresentou o substitutivo para aperfeiçoar a proposta e estabelecer, entre outros pontos, que "em nenhuma hipótese poderão ser utilizadas as informações resultantes da quebra de sigilo das comunicações entre o investigado ou acusado e seu defensor, quando este estiver no exercício da atividade profissional".
O diretor do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e Professor de Direito Penal da PUC de São Paulo, Alberto Zacharias Toron, não aprovou a nova redação. Segundo afirmou, a proposição não impede o principal: a interceptação da conversa entre o profissional e o cliente. "Em última análise, permite a quebra do sigilo entre o investigado e seu defensor, apenas proibindo a divulgação desses fatos. O correto seria não permitir o grampo em hipótese alguma", reclamou o especialista.
De acordo com o advogado, mesmo o registro das conversas do advogado e cliente é suficiente para ruir a estratégia de defesa do investigado. "A partir do momento em que a há interceptação, a autoridade policial poderá se valer dos elementos que colher para direcionar as investigações. Isso contrária a Constituição, que estabelece o sigilo absoluto", afirmou.
centralização. O substitutivo autoriza o Executivo a instituir, para fins exclusivamente estatísticos e de planejamento de ações policiais, sistema centralizado de informações sobre quebra de sigilo de comunicações telefônicas de qualquer natureza, na forma do regulamento.
Em relação ao pedido para a interceptação, fixa que este deverá ser formulado ao juiz do caso pelo policial e ou Ministério Público. O documento deverá constar a descrição precisa dos fatos investigados; a indicação da existência de indícios suficientes da prática do crime objeto da investigação; e a qualificação do investigado ou acusado, ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, salvo impossibilidade manifesta devidamente justificada. O pedido também deverá demonstrar a inviabilidade de a prova ser obtida por outros meios senão a interceptação.
De acordo com a lei, o juiz terá 24h para analisar a solicitação, que será autuada em separado, na forma de incidente processual e sob segredo de justiça. De acordo com a lei, a escuta também poderá ser solicitada verbalmente, porém somente para o caso em que a vida da pessoa estiver sob risco. O projeto estabelece o prazo de 60 dias para a interceptação, período que pode ser prorrogado por igual período, por até um ano.
O relator defendeu a medida. "Hoje a interceptação é feita de forma indiscriminada. Esse prazo vai obrigar o juiz, a cada sessenta dias, a ter acesso à investigação para ver se os objetivos estão sendo cumpridos", afirmou Demostenes Torres, que manteve a pena de reclusão de dois a quatro anos e multa na proposta.
Mesmo assim, a proposta continua desagradando a advocacia. "Tem duas coisas importantes que me parecem que devam ser objetos da nossa atenção. O parágrafo 1º, artigo 4º, que define o prazo para a interceptação, é um dispositivo altamente questionável. Embora afirme que o prazo não possa exceder 60 dias, ele permite a prorrogação até o máximo um ano. Isso me parece excessivo. Ressalvados os crimes de caráter permanente, tipo seqüestro e tráfico, um ano é muito tempo. No máximo, acho que poderia se permitir 180 dias", disse Toron, acrescentando:
- A polícia fez a interceptação, deflagrou a operação e prendeu várias pessoas. O investigado vai ser interrogado. É imperioso que a lei estipulasse um prazo para que a defesa pudesse ouvir essa conversação. Como posso orientar meu cliente se não conheço o material contra ele? Essa me parece uma lacuna imperdoável.
GISELLE SOUZA
DO JORNAL DO COMMERCIO
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