04/09/2008
Novo modelo de negócio expõe brecha na lei

VALOR ECONÔMICO - INVESTIMENTOS
Novo modelo de negócio expõe brecha na lei

A discussão sobre "aquisição originária", alvo de debate acalorado na aquisição da Construtora Tenda pela Gafisa, traz para o mercado um conceito já usado no meio jurídico. São os negócios em que há assunção de uma companhia por um novo controlador sem que o dono anterior tenha vendido a empresa. A expectativa é que esse formato seja cada vez mais usado nas transações brasileiras, fruto da própria sofisticação do mercado nacional.

Esse modelo de negócio expõe uma fragilidade da Lei das Sociedades por Ações. A legislação não garante a oferta aos minoritários de ações ordinárias em caso de troca de controle, mas sim de venda - direito conhecido como "tag along". E, no caso da Tenda, os donos não venderão seus papéis. Eles perderão o controle pela diluição que sofrem no aumento de capital para incorporação da Fit, a companhia da Gafisa voltada à baixa renda. A fatia deles cairá de 51% para 20%. A Gafisa será a dona com 60% dos papéis da companhia.

Fora do universo societário, o conceito de aquisição originária está presente no debate da propriedade de imóveis e terras. Exemplo clássico é o "usucapião", em que uma pessoa adquire a propriedade do bem sem que essa lhe seja transferida. O oposto disso é a aquisição derivada, em que ocorre a transmissão de um bem por venda ou doação, entre outros.

Para Luiz Leonardo Cantidiano, ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o investidor brasileiro ainda não se adaptou ao novo cenário. "O acionista minoritário está acostumado à troca de controle com venda de ações e pagamento de 'tag along'. E gosta disso porque é um ganho fácil." Na opinião do especialista, acostumado em atuar em fusões e aquisições, o uso desse modelo deve aumentar.

Cantidiano lembrou ainda que o "tag along" é um direito que visa alinhar o tratamento dado aos minoritários ao mesmo dispensado aos controladores. No caso da Tenda, os antigos donos estão sofrendo a mesma diluição que os demais acionistas.

Alexandre Di Miceli, professor da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e coordenador executivo do Centro de Estudos em Governança (CEG), destaca que o foco de debate, nesse novo cenário, deve se modificar. Na opinião dele, os acionistas deveriam se concentrar nas condições das operações. "Os administradores têm o dever fiduciário de aprovar uma operação justa."

No caso da Tenda, a enorme diluição que os minoritários sofrerão é um dos pontos preocupantes, abordada durante a teleconferência de ontem para explicar o negócio. A fatia deles será reduzida de 49% para 19%. A companhia emitirá mais ações do que é composto seu capital atualmente. Hoje, a empresa possui 160 milhões de ações e lançará 240 milhões novos papéis para absorver a Fit.

Em valores financeiros, a Tenda fará um aumento de capital da ordem de R$ 1,3 bilhão - pelo preço médio dos dez últimos dias de negociação - para ficar com ativos de R$ 420 milhões. Por isso, os laudos de avaliação que justificarão a transação serão importantes. Na prática, é como se a Gafisa estivesse pagando R$ 1,75 por ação num aumento de capital que será honrado com a Fit, e não em dinheiro. Depois de caírem 15% ontem, os papéis fecharam em R$ 3,90.

A Tenda vendeu, no segundo trimestre, 5,6 mil unidades, enquanto a Fit negociou apenas 936. Em lançamentos, a disparidade também é grande. Enquanto a Tenda colocou no mercado 6,8 mil novas unidades, a Gafisa pôs somente 1,9 mil no segmento de baixa renda.

No mesmo dia que o negócio entre as construtoras foi anunciado, a CVM emitiu um parecer de orientação que visa ampliar as responsabilidades dos administradores de companhias abertas em operações de incorporação de companhias de um mesmo grupo.

Embora a transação em questão não seja entre empresas do mesmo grupo, os atuais controladores da Tenda votarão em benefício da Gafisa. Essa decisão consta, inclusive, de um novo acordo de acionistas divulgado ontem. A incorporação depende de aprovação em assembléia. Embora os minoritários possam votar, as ações dos controladores são suficientes para aprovar o negócio, com 51% dos papéis. É isso que a Gafisa garantiu com o novo acordo de Tenda.

Por Graziella Valenti, de São Paulo

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