07/09/2008
Receita Federal autua GM pela venda eletrônica do Celta

Domingo, 7 de Setembro de 2008.
Receita Federal autua GM pela venda eletrônica do Celta
Fonte: Valor Econômico


Marta Watanabe
Em setembro de 2000 a General Motors (GM) lançou no Brasil o Celta, veículo que se tornou um "case" de sucesso da montadora. O modelo foi o primeiro a ser vendido no país por meio eletrônico e chegou a tornar-se, na época, o veículo mais comercializado no mundo pela internet. As vendas pela rede chegaram a 80% das unidades comercializadas. Em dois anos, o modelo atingiu a marca de 200 mil automóveis vendidos.

A iniciativa da fabricante lhe rendeu uma série de conquistas na área de e-business. No ano seguinte ao lançamento do modelo, em 2001, a GM obteve oito prêmios. Cinco deles para o site do Celta, em decorrência do desempenho de vendas do veículo pela rede. Publicações especializadas colocaram o Celta entre os dez melhores "web sites" de venda direta de produtos e serviços ao consumidor final.

Quase oito anos depois do lançamento, o sucesso comercial tornou-se alvo de uma discussão tributária na qual a montadora acaba de perder a primeira batalha. Em 2006, a Receita Federal autuou a GM alegando que, na realidade, as vendas, ao menos para fins tributários, não eram efetivamente realizadas pela internet. Isso porque o consumidor muitas vezes ia até a concessionária para fazer o pedido do veículo e sempre retirava o carro no revendedor.

A interpretação do Fisco resultou numa cobrança de 3,65% de PIS e Cofins sobre as vendas eletrônicas do Celta desde o lançamento do modelo, em 2000, até 2002. Nos dois primeiros anos de venda do veículo, foram comercializados cerca de 200 mil unidades. Considerando que 70% da comercialização foi via internet e usando um valor de R$ 15 mil por veículo, o PIS e Cofins seriam de cerca de R$ 76 milhões, fora multa ou atualização monetária do período. Um julgamento do Segundo Conselho de Contribuintes manteve a cobrança, dividida em duas autuações fiscais, uma de PIS e outra de Cofins. A montadora conseguiu apenas reduzir o período de exigência do PIS, que tinha alíquota de 0,65%, sob o argumento de que o prazo de autuação se esgota após decorridos cinco anos da venda dos veículos. Na Cofins, cobrada a alíquota maior, de 3%, foi mantido todo o período da cobrança.

Procurada, a GM informou que não foi oficialmente notificada sobre a decisão e que vai propor todos os recursos cabíveis. A montadora está sendo defendida pelo jurista Tércio Sampaio Ferraz Júnior, ex-procurador geral da Fazenda Nacional, e pelo Pinheiro Neto, um dos maiores escritórios do país. "A autuação é descabida e será integralmente invalidada na instância superior", diz o tributarista Tércio Chiavassa, sócio do Pinheiro Neto.

A autuação se deu porque à época o PIS e a Cofins ainda eram pagos de forma cumulativa sobre a venda de veículos. Num sistema de substituição tributária, porém, a fabricante pagava os 3,65% sobre a sua venda à concessionária e também estava obrigada a recolher antecipadamente os 3,65% devidos pelo revendedor na venda ao consumidor final. Nos casos dos carros vendidos por meio eletrônico, porém, a nota era faturada diretamente da montadora para o consumidor, eliminando uma das etapas de tributação do PIS e da Cofins. Pela fiscalização, as contribuições que deixaram de ser pagas seriam, portanto, devidas pelas concessionárias. O Fisco cobra atualmente as duas contribuições da GM porque eram as fabricantes de automóveis as responsáveis tributárias pelo recolhimento do PIS/Cofins supostamente devido pelas revendedoras. A montada não respondeu se pretende cobrar o valor das concessionárias caso não consiga derrubar a autuação fiscal.

Paulo Roberto Riscado Júnior, procurador da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), órgão responsável por defender a União nas discussões tributárias, diz que houve um planejamento com o fim específico de afastar o pagamento de PIS e Cofins sobre as vendas das concessionárias. Segundo ele, ficou demonstrado que as operações, embora formalizadas via internet, eram na verdade efetivadas por meio da concessionária, com a ida do comprador à loja no momento da compra, do pagamento ou da retirada do veículo.

A GM chegou a divulgar aos consumidores algumas vantagens da venda pela rede. A montadora dizia que a internet propiciava o faturamento direto, com nota fiscal emitida pela fabricante do Celta em nome do comprador. "É dessa forma que os impostos que são normalmente recolhidos nas operações convencionais de vendas são reduzidos, resultando em preço menor para o consumidor", explicou a empresa em divulgação da época. A montadora dizia que o sistema tornava a entrega mais rápida e alterava o seu custo, "porque o faturamento é direto da fábrica para o consumidor, o que diminui impostos sobre a operação tradicional, como o PIS e a Cofins, com redução no preço final do veículo que pode ficar entre 5% e 7%".

Tércio Chiavassa, que representa a GM no processo, diz que, nos casos em que houve faturamento direto da montadora para o comprador, o veículo sempre foi vendido pelo site da General Motors, independentemente da ida do consumidor final para fazer o pedido do veículo ou para sua retirada. "Ficamos espantados com essa autuação fiscal. O PIS e Cofins devidos foram pagos em todas as operações próprias da montadora e em todas as operações próprias da concessionária."

A vantagem tributária anunciada pela montadora não durou muito tempo. Em novembro de 2002, o sistema de pagamento do PIS e Cofins sobre veículos foi alterado. Em vez da aplicação da substituição tributária e do recolhimento cumulativo das duas contribuições, o PIS e Cofins passaram a ser pagos no sistema monofásico. A montadora passou a calcular o PIS e Cofins devidos por toda a cadeia produtiva a 8,26% sobre seu faturamento. A nova forma de recolhimento tirou a grande vantagem tributária da venda direta ao consumidor final pelas indústrias de veículos, já que, de qualquer forma, seriam cobrados 8,26% de PIS e Cofins sobre o faturamento das montadoras.

Coincidentemente, as vendas pela internet, concentradas à época no Celta, deixaram de ser, gradativamente, uma aposta da GM. Atualmente, informa a assessoria de imprensa, a companhia não efetua mais vendas por meio eletrônico. O consumidor interessado no Celta ou em qualquer outro modelo da montadora usa a internet apenas para montar um veículo virtual e verificar os equipamentos opcionais disponíveis, por exemplo. O potencial comprador também pode consultar na web as possibilidades de financiamento do veículo. Para fechar negócio, porém, o consumidor precisa ir à concessionária.


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