Auditores do fisco Federal violam sigilo de seis mil pessoas
Fonte: Folha de São Paulo | Data: 29/3/2006
O caseiro Francenildo dos Santos Costa está longe de ser a única vítima de violação criminosa de dados sigilosos sob proteção do Estado. A Corregedoria da Receita Federal investiga um caso envolvendo o acesso irregular aos dados fiscais de cerca de 6.000 pessoas físicas e jurídicas. A lista de vítimas inclui juízes, desembargadores, jornalistas, empresários e autoridades do governo.
A investigação foi aberta há cerca de 20 dias. Os primeiros resultados revelam que a lista de contribuintes que tiveram os seus sigilos violados inclui o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles; o deputado federal e ex-ministro das Comunicações Eunício Oliveira (PMDB-CE); e duas empresas de Marcos Valério de Souza, as agências de publicidade SMP&B e a DNA.
A relação inclui também pelo menos onze juízes da Justiça Federal de Brasília e o procurador-geral adjunto da Fazenda Nacional Tadeu Alencar. Anota ainda os nomes do ex-secretário da Receita Everardo Maciel, de sua empresa (Logus Consultoria) e de pessoas de sua família (mãe, filha e ex-mulher).
Há quatro processos disciplinares abertos na Corregedoria da Receita. Em todos eles figuram como acusados das violações três auditores da Receita: Washington Afonso Rodrigues, Marco Antonio Macedo Pessoa, Cid Carlos Costa de Freitas. São os mesmos que, conforme noticiado aqui, foram destituídos no final de fevereiro da comissão de sindicância que investigava, desde 2003, supostas irregularidades praticadas na cúpula do Receita.
Washington, Marco Antonio e Cid, como os acusados são conhecidos, estão lotados na Corregedoria da Receita Federal. Trata-se de uma repartição que não tem poderes para conduzir ações fiscais. Realiza apenas correições funcionais, para apurar delitos praticados por funcionários da própria Receita. Mesmo nos casos que envolvem investigações de servidores do fisco, o acesso aos dados fiscais precisa ser justificado.
Quanto contribuintes que nada têm a ver com a estrutura funcional da Receita, os agentes da Corregedoria não tinham poderes para pescar-lhes os dados fiscais no sistema da Receita. A bisbilhotice é expressamente desautorizada por lei. Deparando-se com alguma irregularidade praticada por um desses contribuintes, os auditores poderiam, no máximo, comunicar à Receita, a quem caberia investigar.
De acordo com os primeiros resultados da investigação, verificou-se que, em pelo menos um caso, além de recolher as informações no sistema do fisco, os auditores sob suspeição vazaram as informações para a imprensa. Trata-se do caso envolvendo as empresas de Marcos Valério, que representou contra os vazamentos junto à Corregedoria. Suspeita-se que o mesmo tenha ocorrido em relação aos dados sigilosos de Henrique Meirelles, o presidente do Banco Central.
Chegou-se aos autores da violação por meio das senhas que dão acesso aos computadores da Receita. Elas ficam gravadas no sistema. Os três acusados ainda não foram ouvidos nos processos. Alegando problemas de saúde, pediram licença médica. Sabe-se que um deles, Marco Antônio, sofreu infarto. Quanto aos outros dois, Washington e Cid, suas dificuldades médicas são, por ora, desconhecidas.
O blog tentou ouvir os três auditores. Mas não os encontrou. A pena para o acesso imotivado aos computadores da Receita é a demissão por justa causa, a bem do serviço público. Para os em que ficar comprovado o vazamento dos dados, os responsáveis estão sujeitos a processos civis e criminais que podem levar à pena de prisão de um a quatro anos.
A Corregedoria da Receita será obrigada a informar aos 6.000 contribuintes bisbilhotados que os seus dados foram violados indevidamente. A União estará sujeita a eventuais ações de reparação por danos morais. Espera-se concluir as investigações em 120 dias.
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