Reforma cria brecha para Estados
Com objetivo de superar as resistências dos governadores, a nova versão da reforma tributária que segue agora ao plenário da Câmara dos Deputados cria uma brecha para a redução das despesas obrigatórias em saúde e em educação.
Depois de um duelo com a oposição que se arrastou pela madrugada, o governo conseguiu aprovar, perto das 6h de ontem, o texto negociado pelo relator Sandro Mabel (PR-GO) na comissão especial encarregada de examinar a reforma, apresentada em março pelo Palácio do Planalto.
Em meio aos embates que se concentravam na possibilidade de aumento da carga tributária com as novas regras criadas, passou quase despercebido o parágrafo que ressuscita uma proposta controversa derrubada na tentativa de reforma de cinco anos atrás: a permissão para que Estados destinem à saúde e à educação montantes inferiores a, respectivamente, 12% e 25% de suas receitas.
Trata-se, no jargão da tecnocracia, da DRE (Desvinculação das Receitas Estaduais), um mecanismo similar à DRU, que desde 1994 permite à União driblar os percentuais mínimos de gasto na área social fixados pela Constituição. No primeiro ano do primeiro governo Lula, a medida foi defendida pelos governadores e atacada pelas bancadas parlamentares ligadas ao ensino e à seguridade.
Na nova reforma tributária, a desvinculação foi incluída no texto como uma compensação aos Estados, especialmente os mais pobres, que ficarão formalmente impedidos de oferecer benefícios do ICMS para atrair empresas.
13 ESTADOS
O projeto autoriza, porém, que parte da arrecadação do ICMS seja destinada a fundos estaduais de incentivo ao desenvolvimento econômico - e esse dinheiro não entra no cálculo dos gastos sociais.
Para metade dos Estados, a regra permitirá a redução de até 12% no ICMS destinado à saúde e à educação. Esse percentual, o mais alto dos seis possibilitados pelo projeto, vale para os 13 Estados que representam menos de 1,5% do Produto Interno Bruto brasileiro. Para Estados com mais de 25% do PIB, caso único de São Paulo (34%), apenas 0,5% da receita pode ser desvinculada.
Segundo cálculos da Confederação Nacional de Municípios, a regra, se aprovada, reduziria em R$3 bilhões as verbas estaduais para saúde e educação. O valor é reduzido se considerado o total nacional de R$103 bilhões, mas o impacto, em termos relativos, é mais elevado justamente nas regiões mais pobres do país.
Proposta é simplificar regras tributárias, mas lobbies e minúcias ameaçam objetivo
Como suas antecessoras, a atual proposta de reforma tributária foi concebida para simplificar o sistema nacional de impostos e contribuições, mas, para se viabilizar politicamente, passou a incluir demandas de lobbies regionais e empresariais, minúcias impróprias para o texto da Constituição, casuísmos e improvisos que ameaçam o objetivo inicial.
Em essência, a reforma tem uma meta aparentemente simples: fixar uma única lei para o ICMS, principal fonte de receita dos Estados, e transferir a maior parte da arrecadação do imposto da origem para o destino final das mercadorias.
A medida visa reduzir a burocracia para as empresas, que hoje têm de lidar com legislações e alíquotas diferentes em cada Estado, e eliminar a guerra pela atração de investimentos privados por meio de benefícios fiscais. Não se encontra um economista, empresário ou governante que discorde em voz alta de tais propósitos.
Trata-se, porém, de convencer 27 governadores a abrir mão de legislar sobre suas receitas, sem nenhuma perda; também é preciso convencer o mundo político e empresarial de que não haverá aumento da carga tributária. A reforma, portanto, tem de reformular todo o sistema de alíquotas e destinação do ICMS, mas sem mudar nada para ninguém - a não ser para melhor.
Na vida legislativa, esse desafio à aritmética significa acrescer algumas dezenas de artigos ao já prolixo texto constitucional. São criados novos fundos estaduais, regionais e nacionais de desenvolvimento, com dotações renegociadas a cada votação; o prazo de transição, originalmente de 8 anos, já chegou a 12; ainda está em negociação a parcela do imposto que ficará com os Estados produtores.
O acúmulo de normas não se limita ao tema central da reforma. O novo texto chega a incluir na Constituição as alíquotas da contribuição patronal ao INSS, que deverão cair dos atuais 20% para 14%.
Fonte:
Folha de S.Paulo
Associação Paulista de Estudos Tributários, 21/11/2008 16:07:49
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