MED. CAUT. EM MANDADO DE SEGURANÇA 27.807-2 DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. MENEZES DIREITO
IMPETRANTE(S) : MESA DO SENADO FEDERAL
ADVOGADO(A/S) : LUIZ FERNANDO BANDEIRA DE MELLO
IMPETRADO(A/S) : PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
DESPACHO DO SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Este despacho
é por mim proferido em face da ausência eventual, nesta Suprema
Corte, do eminente Relator da presente causa (fls. 46), justificando-se,
em conseqüência, a aplicação da norma inscrita no art. 38, I, do
RISTF.
Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar,
impetrado contra a Mesa da Câmara dos Deputados, que teria incidido
em grave transgressão ao ordenamento constitucional, pela recusa de
seus membros (exceto o Senhor 1º Vice-Presidente) em assinar os
autógrafos concernentes à PEC nº 20, de 2008, assim obstando, com
esse comportamento, a própria promulgação de nova emenda à
Constituição, o que lesaria segundo sustentado nesta sede
mandamental direito líquido e certo alegadamente titularizado pela
Mesa do Senado Federal.
Eis como o autor desta ação de mandado de segurança
descreve o comportamento por ele qualificado como inconstitucional -
que imputa à Mesa da Câmara dos Deputados (fls. 03/04):
Na madrugada do dia dezoito de dezembro do corrente, o
Senado Federal aprovou, por ampla maioria, a Proposta de
Emenda à Constituição nº 20, de 2008, que altera a redação
do inciso IV do caput do art. 29 da Constituição Federal,
tratando das disposições relativas à recomposição das
Câmaras Municipais.
A referida proposição já havia sido aprovada na Câmara
dos Deputados, onde recebera o nº 333, de 2004, e fora
encaminhada ao Senado Federal em 03 de junho do ano
corrente (...).
Ao apreciar a referida PEC, o Senado Federal entendeu
por bem, nos termos do voto de seu relator (doc. 03), o
Exmo. Sr. Senador César Borges, destacar o art. 2º da
proposição para que constituísse proposição autônoma, nos
termos do art. 235, inciso III, alínea d, item 6, do
Regimento Interno do Senado Federal:
.......................................................
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Com o destaque do art. 2º para constituição de
proposição autônoma, o restante do texto da PEC nº 20,
de 2008, foi aprovado em primeiro e segundo turnos de
votação no Senado Federal e enviado para constituir
autógrafos a fim de ser promulgado em sessão solene,
juntamente com o texto da PEC nº 12-A, de 2004, que
acrescenta artigo ao Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias para convalidar os atos de criação, fusão,
incorporação e desmembramento de Municípios.
Ocorre que, ao receber os referidos autógrafos das
Propostas de Emendas Constitucionais aprovadas pelo Senado,
a Mesa da Câmara dos Deputados, que se encontrava
reunida, somente assinou aquele referente à ratificação da
criação de Municípios (já numerado como Emenda
Constitucional nº 57 - doc. 04), devolvendo em branco o da
Proposta de Emenda Constitucional nº 20, de 2008, e
anunciando, pela imprensa, que decidira opor-se à
promulgação daquela PEC na forma em que fora aprovada pelo
Senado Federal (...).
Tal fato configura, como será demonstrado adiante, ato
ilegal que merece repreensão por esta Corte Suprema.
(grifei)
A parte ora impetrante pretende ver reconhecida, na
presente causa, (...) a possibilidade de, no processo legislativo
de emendas constitucionais, a fim de viabilizar os consensos
políticos ao menos parciais ao redor de determinados temas, dividir
a proposição aprovada em uma Casa em duas partes: uma, que obteve a
concordância da segunda Casa e que por isso irá à promulgação, e
outra, que justamente por não ter tido a mesma sorte, retornará à
Casa iniciadora (fls. 07 - grifei), assim justificando, no ponto, a
postulação mandamental que deduziu perante esta Suprema Corte
(fls. 09/11):
Em outras palavras, entende esta Corte que, uma vez
que os dispositivos constantes das partes separadas possuam
relativa autonomia, ou seja, quando não sejam
interdependentes a ponto de prejudicar a compreensão e
aplicação da própria norma por eles veiculada, não haverá
afronta ao art. 60, § 2º, da Carta Magna.
A Corte entende, portanto, que será imprescindível o
retorno à outra Casa Legislativa quando houver alterações
em ao menos um dos âmbitos de aplicação do texto emendado:
material, pessoal, temporal ou espacial. Esse entendimento
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foi ratificado por ocasião do julgamento da ADC nº 3 e das
ADIns nº 2.666 e 3.472, dentre outras.
Saliente-se, aliás, que esse entendimento foi
rigorosamente o adotado por ocasião da tramitação das
Reformas do Judiciário (Emenda Constitucional nº 45) e
da Previdência (Emendas Constitucionais nº 20 e 41),
ambas tendo gerado a criação de PECs Paralelas.
Foi exatamente o que aconteceu no caso em tela. Numa
mesma proposição, havia duas propostas absolutamente
distintas: uma atinente a aumentar o número de vereadores
nas Câmaras Legislativas Municipais e outra cujo desiderato
era reduzir seu financiamento, através da diminuição de
seus percentuais de repasse.
Ora, não há como afirmar que uma disposição depende da
outra, até mesmo porque beiram a contradição: se por um
lado aumenta-se o limite de vereadores por município, é
contraditório reduzir a verba daquele órgão legislativo. O
Senado concordou com o aumento do número de vereadores, mas
preferiu, por falta de melhor consenso, deixar inalterada a
norma constitucional que regula o valor dos repasses às
Câmaras Municipais.
Essa independência entre as disposições é tão clara que
a Proposta de Emenda à Constituição nº 20, de 2008, visa a
alterar dois artigos distintos da Constituição, um dos
quais (art. 29-A) nem se quer constava da Constituição
originária somente vindo a ser-lhe acrescido doze anos
depois.
Na mesma linha, o próprio Tribunal Superior Eleitoral,
quando reduziu o número de vereadores de diversos
municípios, não cogitou de realizar qualquer diminuição no
repasse de verbas para as respectivas câmaras municipais.
Não há, pois, como sustentar, juridicamente, que uma
norma é dependente da outra: são absolutamente autônomas e
imediatamente aplicáveis. O que pretende fazer a Mesa da
Câmara, ao buscar colher louros políticos defendendo uma
vinculação juridicamente descabida, não é admissível sob a
ótica da jurisprudência desta Colenda Corte.
Admitir que, a seu exclusivo arbítrio, a Mesa da Câmara
dos Deputados possa limitar o poder decisório do Senado
Federal é desequilibrar o sistema bicameral do Legislativo
federal brasileiro. (...).
.......................................................
Se nem ao Presidente da República, que tem o poder de
veto sobre a produção legislativa ordinária e complementar,
é dado vetar Proposta de Emenda à Constituição, não seria a
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Mesa de uma das Casas que teria essa prerrogativa
constitucional, mormente porque a referida Proposta foi
aprovada pelas duas casas do Congresso Nacional em dois
turnos de votação. (grifei)
Sendo esse o contexto, passo a examinar questão prévia
concernente à cognoscibilidade desta ação mandamental.
Entendo, preliminarmente, salvo melhor juízo, que a
presente causa revela-se suscetível de conhecimento por esta Suprema
Corte, considerada a existência, no caso, de litígio constitucional
instaurado entre as Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados
referente à promulgação de emenda à Constituição que a parte ora
impetrante sustenta haver resultado de regular tramitação, com
integral observância do regime da bicameralidade, da PEC nº 20/2008.
Esse particular aspecto da controvérsia parece afastar o
caráter interna corporis do procedimento em questão, legitimando-se,
desse modo, o exercício, pelo Supremo Tribunal Federal, da jurisdição
que lhe é inerente, em face da natureza jurídico-constitucional do
litígio em causa, tal como tem sido reconhecido pela jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal (RTJ 173/805-810, 806 RTJ 175/253
RTJ 176/718, v.g.).
Vê-se, portanto, que a existência de controvérsia
jurídica, impregnada de relevo constitucional, legitima o exercício,
por esta Suprema Corte, de sua atividade de controle, que se revela
ínsita ao âmbito de competência que a própria Carta Política lhe
outorgou.
Isso significa reconhecer, considerados os fundamentos que
dão suporte a esta impetração, que a prática do judicial review -
ao contrário do que muitos erroneamente supõem e afirmam não pode
ser considerada um gesto de indevida interferência jurisdicional na
esfera orgânica do Poder Legislativo.
É que a jurisdição constitucional qualifica-se como
importante fator de contenção de eventuais excessos, abusos ou
omissões alegadamente transgressores do texto da Constituição da
República, não importando a condição institucional que ostente o
órgão estatal por mais elevada que seja sua posição na estrutura
institucional do Estado - de que emanem tais condutas.
Não custa rememorar, neste ponto, que tal entendimento
plenamente legitimado pelos princípios que informam o Estado
Democrático de Direito e que regem, em nosso sistema institucional,
as relações entre os Poderes da República nada mais representa
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senão um expressivo reflexo histórico da prática jurisprudencial do
Supremo Tribunal Federal (RTJ 142/88-89 - RTJ 167/792-793
RTJ 175/253 RTJ 176/718, v.g.).
Essa visão é também compartilhada pelo magistério da
doutrina (PEDRO LESSA, Do Poder Judiciário, p. 65/66, 1915,
Livraria Francisco Alves; RUI BARBOSA, Obras Completas de Rui
Barbosa, vol. XLI, tomo III, p. 255/261, Fundação Casa de
Rui Barbosa; CASTRO NUNES, Do Mandado de Segurança, p. 223,
item n. 103, 5ª ed., 1956, Forense; PONTES DE MIRANDA, Comentários
à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1, de 1969, tomo III/644,
3ª ed., 1987, Forense; JOSÉ ELAERES MARQUES TEIXEIRA, A Doutrina
das Questões Políticas no Supremo Tribunal Federal, 2005, Fabris
Editor; DERLY BARRETO E SILVA FILHO, Controle dos Atos
Parlamentares pelo Poder Judiciário, 2003, Malheiros; OSCAR VILHENA
VIEIRA, Supremo Tribunal Federal: Jurisprudência Política, 2ª ed.,
2002, Malheiros, v.g.), cuja orientação, no tema, tem sempre
ressaltado, na linha de diversas decisões desta Corte, que O Poder
Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias
constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da
Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as
atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República
(RTJ 173/806, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Entendo cognoscível, desse modo, salvo melhor juízo, o
presente mandado de segurança, eis que inocorrentes, na espécie, as
situações verificadas, p. ex., no contexto do MS 20.247/DF, Rel.
Min. MOREIRA ALVES, e do MS 20.464/DF, Rel. Min. SOARES MUÑOZ.
Caberia, agora, proceder ao exame da pretensão cautelar
deduzida pela Mesa do Senado Federal.
Tenho para mim, no entanto, em juízo de prudência, que a
análise do tema, de um lado, e a natureza da matéria, de outro,
consideradas as implicações resultantes de um conflito
constitucional no âmbito do Poder Legislativo, tornam altamente
recomendável que se ouça, previamente, por intermédio de seu ilustre
Presidente, a Mesa da Câmara dos Deputados, órgão apontado como
coator.
Registro, neste ponto, tendo em vista o conteúdo deste
despacho, que o imediato atendimento do pleito cautelar implicaria o
esgotamento do próprio objeto da pretensão mandamental deduzida
nesta causa, pois a concessão do provimento liminar revestir-se-ia
de índole eminentemente satisfativa.
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Nem se diga que o retardamento na apreciação da liminar
mandamental ora postulada comprometeria o resultado final deste
processo de mandado de segurança.
É que a própria denegação da medida liminar não implicaria
frustração nem perda de eficácia do writ mandamental, caso
eventualmente deferido.
Por isso, determino que se adote, no caso, a providência a
que se refere o art. 7º, inciso I, da Lei nº 1.533/51, c/c o
art. 1º, a, da Lei nº 4.348/64.
Brasília, 19 de dezembro de 2008 (23:55h).
Ministro CELSO DE MELLO
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