27/08/2004
CONTRIBUIÇÃO DOS INATIVOS - VOTO DA MINISTRA ELLEN GRACIE

26/05/2004 TRIBUNAL PLENO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.105-8 DISTRITO FEDERAL
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
REQUERENTE(S): ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO
PÚBLICO - CONAMP
ADVOGADO(A/S): ARISTIDES JUNQUEIRA ALVARENGA E OUTRO(A/S)
REQUERIDO(A/S): CONGRESSO NACIONAL
R E L A T Ó R I O
A Senhora Ministra Ellen Gracie: A Associação Nacional
dos Membros do Ministério Público – CONAMP propôs ação direta de
inconstitucionalidade em face do artigo 4º da Emenda Constitucional nº 41, de
19.12.03, que possui o seguinte teor:
“Art. 4º Os servidores inativos e os
pensionistas da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, em
gozo de benefícios na data de publicação desta Emenda,
bem como os alcançados pelo disposto no seu art. 3º,1
contribuirão para o custeio do regime de que trata o art. 40
da Constituição Federal com percentual igual ao
estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos.
Parágrafo único. A contribuição
previdenciária a que se refere o caput incidirá apenas sobre
a parcela dos proventos e das pensões que supere:
I - cinqüenta por cento do limite máximo
estabelecido para os benefícios do regime geral de
previdência social de que trata o art. 201 da Constituição
Federal, para os servidores inativos e os pensionistas dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
II - sessenta por cento do limite máximo
estabelecido para os benefícios do regime geral de
previdência social de que trata o art. 201 da Constituição
1Art. 3º, caput da EC nº 41/03: “É assegurada a concessão, a qualquer tempo, de
aposentadoria aos servidores públicos, bem como pensão aos seus dependentes, que, até a data de publicação desta
Emenda, tenham cumprido todos os requisitos para obtenção desses benefícios, com base nos critérios da legislação
então vigente.”
Federal, para os servidores inativos e os pensionistas da
União.”
Alega a autora que “os servidores públicos aposentados e os
que preenchiam as exigências de aposentação antes da vigência da nova
norma constitucional estavam submetidos, quando das suas aposentadorias
ou do momento em que poderiam se aposentar, a regime previdenciário que
não tinha caráter contributivo ou solidário (antes da Emenda Constitucional
nº 20, de 15 de dezembro de 1998), ou apenas tinha caráter contributivo
(depois dessa mesma Emenda Constitucional nº 20, de 1998).” Assim,
conclui, os referidos servidores, depois de aposentados conforme o sistema
previdenciário então estabelecido pela Constituição, exerceram ou
incorporaram ao seu patrimônio jurídico o direito de não mais pagarem
contribuição previdenciária.
Afirma que tal ilação está em conformidade com o pacífico
entendimento firmado nesta Corte (Enunciado nº 359 da Súmula do STF,
alterado após o julgamento do RE nº 72.509 ED-EDv, DJ 30.03.73) segundo o
qual o servidor público aposentado ou que já reuniu os requisitos para se
aposentar tem o direito de que seja aplicada, ao período de sua inatividade, a
lei vigente à época em que se aposentou ou que poderia se aposentar.
Assevera que se os servidores aposentados até 19.12.03, bem
como os que detinham as condições para sê-lo, possuem o direito de não pagar
contribuição previdenciária, a obrigação imposta pelo dispositivo impugnado
prejudica este mesmo direito, impondo situação jurídica mais gravosa ao seu
titular. Aponta, assim, violação à garantia individual do direito adquirido (o
que não foi exercido, apesar de já estar incorporado ao patrimônio jurídico de
seu titular) e do ato jurídico perfeito (direito subjetivo exercido que se torna,
por ato do Poder Público, situação definitivamente constituída), prevista no
artigo 5º, XXXVI da CF. Afirma ter sido desrespeitada, por conseguinte, a
cláusula pétrea insculpida no art. 60, § 4º, IV da Carta Magna, segundo a qual
“não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os
direitos e garantias individuais”.
Defende a requerente a tese de que o vocábulo “lei”
constante do citado art. 5º, XXXVI da CF (“a lei não prejudicará o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”) possui um significado
amplo, a representar qualquer ato normativo editado ou expedido pelos
Poderes e agentes estatais, incluindo, neste conceito, a espécie normativa
emenda constitucional.
Assevera, outrossim, que a norma atacada afronta o
princípio da isonomia tributária, previsto no art. 150, II da Lei Fundamental,
por ter instituído tratamento diferenciado entre os servidores que se
aposentarem após a promulgação da EC nº 41/03, que contribuirão apenas
sobre o montante do provento que exceda a R$ 2.400,00 (valor máximo de
benefício do regime geral de previdência social), e os que já estão
aposentados, que deverão contribuir sobre o que superar apenas 60% (sessenta
por cento) dos referidos R$ 2.400,00, se servidor inativo da União, e sobre
50% (cinqüenta por cento) da mesma importância, se servidor aposentado dos
Estados, Distrito Federal ou Municípios.
Para embasar esta alegação de ofensa ao primado da
isonomia, vale-se a requerente de trecho de parecer do eminente jurista José
Afonso da Silva, para o qual o aspecto essencial tomado pelo legislador
constituinte derivado para impor, ao grupo destinatário da norma, o ônus em
exame, são os proventos de aposentadoria. Assim, conclui, as pessoas
atingidas encontram-se em situações idênticas por serem titulares de proventos
de aposentadoria, sendo ofensivo à regra da igualdade a discriminação
estipulada pela norma contestada. Sustenta, por fim, o ilustre doutrinador, que
sendo a igualdade de tratamento de situações iguais garantia individual,
também o poder reformador não pode discriminar, por força do art. 60, § 4º,
IV da CF.
Por último, sustenta a Associação autora ofensa ao princípio
da irredutibilidade de vencimentos e proventos, “princípio geral que protege
todas as formas de estipêndios decorrentes das relações privadas e públicas
de trabalho”. Requer, liminarmente, a suspensão do preceito impugnado e, no
mérito, a procedência do pedido para que seja declarada a
inconstitucionalidade do art. 4º da EC nº 41/03.
Determinado o procedimento estabelecido no art. 12 da Lei
9.868/99, foram solicitadas informações ao Congresso Nacional que as
prestou por meio de peça elaborada pela Advocacia-Geral do Senado Federal.
Nesta, apontou-se, preliminarmente, a ilegitimidade ativa da Associação
Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP, conclusão que teria
sido alcançada por esta Corte no julgamento da ADI nº 1.402-MC. No mérito,
alega que o Congresso Nacional, por meio da escolha de uma nova política
previdenciária, aprovou um regime mais adequado que pudesse reduzir as
desigualdades entre as previdências pública e privada.
Concluindo pretenderem os autores a imutabilidade de um
certo regime jurídico, afirma que a eleição por um novo modelo,
implementado por emenda constitucional, implicou na alteração do regime
jurídico previdenciário, contra o qual não pode ser invocado direito adquirido,
segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Neste sentido, cita
precedentes da Corte.
Quanto à alegação de afronta ao princípio da irredutibilidade
de vencimentos, sustenta o requerido ter este Tribunal decidido, na ADI nº
1.441, que os vencimentos e os proventos não são imunes à incidência de
tributos. Requer a improcedência do pedido.
Em sua manifestação, a Advocacia-Geral da União assevera
que a “contribuição previdenciária tem natureza de tributo, não havendo que
se falar em direito adquirido a não ser tributado”. Valendo-se de trabalho do
festejado jurista Luís Roberto Barroso, conclui a AGU, neste aspecto, que
“nenhum contribuinte tem o direito de não vir a ser tributado no futuro ou de
não ter a sua tributação majorada. Reconhecer-se direito adquirido aos
inativos de não sofrerem tributação importaria em instituir uma imunidade
tributária sem previsão constitucional”.
Assim, afirma inserir-se a contribuição impugnada num
contexto de solidariedade, peculiar à seguridade social, sistema em que todos
os participantes, sejam eles servidores ativos, inativos ou pensionistas, devam
concorrer, não havendo motivo para a exclusão de alguns em prejuízo dos
demais.
Realçando a superioridade hierárquica das emendas
constitucionais, assevera a AGU que a garantia individual do respeito ao
direito adquirido destina-se aos atos normativos infraconstitucionais, pois, em
momento algum dispôs a Carta de 1988 que emenda constitucional não
prejudicará direito adquirido, aludindo, ao contrário, à expressão lei, contida
em seu art, 5º, XXXVI, que teria, segundo defende, a noção de norma
infraconstitucional da espécie ordinária.
Alega que emenda constitucional possui eficácia imediata,
incidindo sobre as situações presentes e futuras, bem como sobre os efeitos
futuros de situações consolidadas no passado, sendo, portanto, “elemento
idôneo a instituir a contribuição previdenciária de inativos e pensionistas,
sujeitando, inclusive, pessoas que adquiriram tal status em momento que lhe é
anterior”.
Expõe que no julgamento cautelar da ADI 2.010, rel. Min.
Celso de Mello, esta Corte constatou a ausência, na época, de uma
indispensável base constitucional para a cobrança de inativos e pensionistas.
Assim, argumenta, a EC nº 41/03 veio exatamente dar o suporte constitucional
necessário para a cobrança da exação sob análise.
Além de enfatizar a necessidade da observância de outras
regras e princípios que informam o sistema constitucional, como os princípios
da solidariedade, da dignidade da pessoa humana e da isonomia, enfatiza a
AGU que a transgressão ao campo das cláusulas pétreas ocorreria caso fosse
promulgada “emenda que suprimisse ou fosse tendente a abolir a previsão
geral, no rol dos direitos e garantias fundamentais, da garantia do direito
adquirido”, ou seja, caso alterado o disposto no art. 5º, XXXVI da CF.
No que diz respeito ao princípio da isonomia tributária,
alega a AGU que a instituição de contribuição previdenciária para inativos e
pensionistas passou a conferir um mesmo tratamento a indivíduos situados sob
uma mesma conjuntura, “já que estes, na realidade, não se encontram em
situação distinta pelo mero fato de estarem aposentados”, pois integram
igualmente o sistema, devendo todos, solidariamente, resguardar as gerações
atuais e futuras de eventual estado de pobreza, como também da perda da
dignidade.
Quanto à diferença de tratamento entre os atuais aposentados
e os que vierem a se aposentar após a promulgação da EC nº 41/03, argumenta
que tal discrímen se justifica pelo fato dos servidores já aposentados terem
adquirido seus benefícios mediante regras mais flexíveis e com um tempo
menor de contribuição, enquanto os servidores que ainda não se aposentaram
estarão sujeitos a regramento mais rígido, que os obrigará a passar mais tempo
na atividade, na carreira e no cargo em que pretendam se aposentar. Em
resumo: a contribuição incidirá num grau maior para aqueles que se
submeteram a um regime menos gravoso, enquanto haverá uma incidência
contributiva menor para os que estão atrelados a um regime mais rígido.
Segundo alega, está-se tratando os desiguais de forma desigual, o que não
importa violação ao apontado art. 150, II da CF.
Sobre a alegação de desrespeito ao princípio da
irredutibilidade de vencimentos e proventos, afirma a Advocacia-Geral da
União que “inexiste direito adquirido à não-exação tributária, e a incidência
de tributos pode se dar sobre vencimentos, bem como sobre proventos, sem
que, com isso, reste prejudicado o princípio da irredutibilidade”. Alega que
esta conclusão já foi alcançada por este Supremo Tribunal no julgamento da
ADI 1.441-MC, rel. Min. Octavio Gallotti. Requer a declaração da
constitucionalidade do art. 4º da EC nº 41/03.
A douta Procuradoria-Geral da República, por meio de
parecer da lavra do Senhor Vice Procurador-Geral da República, Dr. Antônio
Fernando Barros e Silva de Souza, aprovado pelo ilustre Procurador-Geral da
República, Dr. Cláudio Fonteles, manifestou-se favoravelmente à tese das
requerentes por entender ferir a garantia constitucional da inalterabilidade do
ato jurídico perfeito e do direito adquirido a instituição de contribuição
previdenciária sobre os proventos daqueles que, anteriormente à EC nº 41/03,
já ostentavam a condição de servidores inativos, pensionistas ou detentores
dos requisitos para a aposentadoria, “ainda que o novo tributo tenha sido
previsto em emenda constitucional”.
Alega que o poder de emenda à Constituição é subalterno
aos limites impostos pela própria Carta e que esta impõe, em seu art. 60, § 4º,
IV a proteção dos direitos e garantias individuais, dentre os quais, o respeito
ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido.
Afirma ser irrelevante a questão atinente à amplitude
semântica da expressão “lei”, contida no art. 5º, XXXVI da CF, uma vez que
os fundamentos da intocabilidade do direito adquirido, como garantia
individual que é, encontram-se na vedação constante do citado art. 60, § 4º, IV
da CF. Apóia-se o órgão ministerial, quanto a este entendimento de que as
emendas não podem ofender o direito adquirido, em Raul Machado Horta e
em José Afonso da Silva que, no trecho transcrito de seu parecer, ainda cita
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Carlos Ayres Brito, Valmir Pontes Filho,
Hugo Nigro Mazzilli e Elival da Silva Ramos.
De qualquer modo, acrescenta, “o legislador constituinte ao
utilizar a palavra lei se referiu, na realidade, a qualquer veículo introdutor de
normas, ou seja, a qualquer das espécies legislativas elencadas no artigo 59
da Constituição Federal, dentre elas a emenda Constitucional”. Alega que
este entendimento é consonante com o sentido constitucional de preservação
do que validamente está consolidado (segurança jurídica), e que, por isso,
somente o constituinte originário pode tudo desfazer. Já a emenda, como
manifestação de um poder constituído, expõe, submete-se aos limites impostos
no texto constitucional.
Refuta o Ministério Público Federal, outrossim, a alegação
de que a Constituição proibiria a edição de emenda tendente a abolir a
previsão geral e abstrata da proteção ao direito adquirido, contida no rol dos
direitos e garantias individuais, mas permitiria a supressão destes mesmos
direitos individualmente considerados. Defende ser “totalmente desprovida de
consistência a interpretação atribuída ao preceito sob análise”, pois “sem a
proteção dos direitos singularmente considerados, o preceito constitucional
restaria inócuo e sem aplicação”. E questiona, conclusivamente, a utilidade
de uma proteção genérica dos direitos adquiridos “se o conteúdo de cada
direito adquirido, individualmente considerado pudesse ser diretamente
atingido por emendas ao texto constitucional”.
No mais, manifesta-se o Parquet federal pela
inconstitucionalidade da cobrança de contribuição previdenciária dos inativos,
asseverando que se o Poder Público deseja impor uma nova contribuição
deverá criar um novo benefício que a justifique, dado o caráter retributivo do
sistema contributivo, segundo o qual sem causa suficiente não se justifica a
majoração ou a instituição da contribuição de seguridade social.
Por último, sustenta que a solidariedade, valor que se
manifesta legitimamente, por exemplo, na verificação da capacidade
contributiva, não tem o condão de afastar os limites a serem respeitados pelo
legislador no momento da imposição de um tributo, como o princípio da
legalidade e o da isonomia, este último, segundo afirma, diretamente
afrontado pelas diferenciações impostas pela Emenda em exame entre os
servidores já aposentados e aqueles que passarão à inatividade sob a vigência
da EC nº 41/03.
Opina a PGR, assim, pela procedência do pedido formulado.
É o relatório. Distribuam-se cópias aos Senhores Ministros.
V O T O
A Senhora Ministra Ellen Gracie - (Relatora): 1 -
Legitimidade ativa das autoras.
A legitimidade ativa da Associação Nacional dos Membros
do Ministério Público – CONAMP foi questionada nas informações prestadas
pelo Congresso Nacional. Referiu o ilustre Advogado-Geral do Senado
precedente contido na ADIMC 1.402, DJ de 29.02.96, em que rejeitada a
participação da autora no pólo passivo de ação direta de inconstitucionalidade,
por tratar-se de associação de associações que também tem como membros
pessoas físicas, o que, segundo aquele julgado desfiguraria sua natureza
confederativa.
Essa orientação, adotada por maioria, em 29/02/96, sendo
relator para o acórdão o Min. Maurício Corrêa foi revertida na ADIMC 1.303,
Maurício, DJ de 01.09.00, relativamente à Associação dos Magistrados
Brasileiros – AMB, e na ADI 2.874, Marco Aurélio, DJ de 28.08.03,
relativamente à CONAMP, para que prevalecesse o entendimento esposado no
voto vencido do relator da ADIMC 1.402, o Min. Carlos Velloso, que assim se
expressara: “Penso que quando a Constituição estabelece ou confere
legitimidade a uma entidade de classe de âmbito nacional para a propositura
da ação, não seria possível distinguir entidades que são formadas por
membros da classe – como, no caso, a Confederação Nacional do Ministério
Público – e por entidades representativas desta mesma classe. As entidade
que compõem a CONAMP (Confederação Nacional do Ministério Público) –
confederação apenas no nome, porque se trata de uma entidade de classe –
são entidades representativas de representantes de ministérios públicos. Além
dessas entidades representativas, repete-se, a CONAMP, que se classifica
expressamente como sociedade civil, é integrada por membros do Ministério
Público da União e dos Estados, em exercício ou aposentados. O fato de a
entidade de classe se compor de sociedades civis representativas da classe
por pessoas físicas da mesma classe, não desvirtua, ao que penso, o caráter
de entidade representativa de classe, tal como posto no inciso IX do artigo
103 da Constituição. Inegavelmente a CONAMP é uma entidade de classe,
representativa da classe do Ministério Público, de âmbito nacional.”
Reconheço, ainda, a legitimidade ad causam da Associação
Nacional dos Procuradores da República – ANPR por esta representar
integrantes de uma carreira cuja identidade é decorrente da própria
Constituição (art. 128, I, a), dotada de atribuições que foram elevadas à
qualidade de essenciais à Justiça. Este tratamento constitucional específico
conferido a certas carreiras do serviço público tem servido, de acordo com a
jurisprudência iniciada a partir do julgamento das ADIns nº 159, rel. Min.
Octavio Gallotti e nº 809, rel. Min. Marco Aurélio, como critério de aferição
da legitimidade de organismos associativos tais como a Associação Nacional
dos Procuradores de Estado – ANAPE (ADI nº 159 e 1.557) e a Associação
Nacional dos Advogados da União – ANAUNI (ADI nº 2.713).
2 - Pertinência temática.
Tenho por demonstrada a pertinência temática, uma vez que
dentre as finalidades de ambas as associações está a de defender os interesses
de seus associados ativos ou inativos e de seus pensionistas e a norma atacada
estabelece regramento que permite a cobrança de contribuição previdenciária
dos servidores inativos e pensionistas (Art. 4º da EC nº 41/03).
3 - Submissão das Emendas Constitucionais ao controle
de constitucionalidade.
O texto que ora é submetido ao controle concentrado de
constitucionalidade corresponde a uma emenda constitucional, que tramitou
regularmente perante o Congresso Nacional e contra a qual não se apontam
vícios nesse iter legislativo.
A questão principal que se nos depara é a de definir os
limites do poder de emenda ao texto constitucional básico e se, no caso, tais
limites foram ultrapassados. Pedem-nos as autoras que contrastemos o texto
da EC nº 41/03 (especificamente, seu art. 4º), com as garantias fundamentais
inseridas no texto originário de 1988, às quais este mesmo texto deu status de
núcleo intocável.
Este Supremo Tribunal Federal já reconheceu o cabimento
do controle de constitucionalidade das normas oriundas do exercício do poder
reformador, ou seja, das emendas constitucionais. Canotilho leciona que os
poderes constituídos “movem-se dentro do quadro constitucional criado pelo
poder constituinte”. Acrescenta o eminente jurista que “o poder de revisão
constitucional é, conseqüentemente, um poder constituído tal como o poder
legislativo”, e que “o poder de revisão só em sentido impróprio se poderá
considerar constituinte; será, quando muito, uma paródia do poder
constituinte verdadeiro”.2 Para o Prof. Alexandre de Moraes, “O Poder
Constituinte derivado está inserido na própria Constituição, pois decorre de
uma regra jurídica de autenticidade constitucional, portanto, conhece
limitações constitucionais expressas e implícitas e é passível de controle de
constitucionalidade.”3 O mesmo autor, citando Gilmar Ferreira Mendes
afirma, com relação às chamadas cláusulas pétreas e a possibilidade de
controle de constitucionalidade das emendas constitucionais que “tais
cláusulas de garantia traduzem, em verdade, um esforço do constituinte para
assegurar a integridade da Constituição, obstando a que eventuais reformas
provoquem a destruição, o enfraquecimento ou impliquem profunda mudança
de identidade, pois a Constituição contribui para a continuidade da ordem
jurídica fundamental, à medida que impede a efetivação do término do Estado
de Direito democrático sob a forma da legalidade, evitando-se que o
constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a própria constituição.”4
O mesmo autor, buscando respaldo na autoridade de Canotilho refere “certas
garantias que pretendem assegurar a efetividade das cláusulas pétreas como
limites tácitos para aduzir que, às vezes, ‘as Constituições não contêm
quaisquer preceitos limitativos do poder de revisão. Esses limites podem
ainda desdobrar-se em limites textuais implícitos, deduzidos do próprio texto
constitucional, e limites tácitos imanentes numa ordem de valores prépositiva,
vinculativa da ordem constitucional concreta’ (Direito...Op. cit. P.
1.135). A existência de limitação explícita e implícita que controla o poder
constituinte derivado-reformador é reconhecida pela doutrina, que salienta
ser implicitamente irreformável a norma constitucional que prevê as
limitações expressas (Constituição Federal, art. 60), pois, se diferente fosse, a
proibição expressa poderia desaparecer, para, só posteriormente,
desaparecer, por exemplo, as cláusulas pétreas. Além disso, observa-se a
inalterabilidade do titular do Poder Constituinte derivado-reformador, sob
pena de também afrontar a Separação dos Poderes da República.” 5
Vale, também, lembrar a lição da Profa. Carmen Lúcia
Antunes Rocha, em seu “Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos”,
2 CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito Constitucional, Almedina, Coimbra, 6ª ed., 1993, p. 95.
3 MORAES, Alexandre, Constituição do Brasil Interpretada, Editora Atlas, São Paulo, 2003, 2ª ed., p. 91.
4 MORAES, Alexandre, Constituição do Brasil Interpretada, Editora Atlas, São Paulo, 2003, 2ª ed., p. 1091.
5 Idem, ibidem, p. 1093
São Paulo, Saraiva, 1999, p. 109, que, ao extremar o âmbito de atuação dos
poderes constituintes originário e reformador, assim se expressa:
“Somente pela ação do poder constituinte
originário - cujo processo não é deflagrado apenas pela
eventual vontade de um governante ou de um grupo que
chegue ao poder - se podem desfazer situações constituídas,
solapar direitos anteriormente aceitos como coerentes com
os princípios e valores antes acatados. Somente pela
atuação do poder constituinte originário se podem
desconstituir o direito adquirido, a coisa julgada e o ato
jurídico perfeito, nos termos do sistema constitucional
vigente (art. 5º, XXXVI, da Lei Fundamental da República).
O mais, é fraude à Constituição, é destruição da
Constituição em seus esteios-mestres. Quando, por meio de
uma reforma constitucional, se investem contra situações
firmadas em condições jurídicas pretéritas sobre as quais
retroagem as novas normas, não se tem como prejudicado
apenas o princípio do direito adquirido, mas também o ato
jurídico perfeito e a coisa julgada.”
Na presente hipótese, o controle de constitucionalidade é
invocado para garantia da manutenção do núcleo imodificável da
Constituição, que, na Constituição Federal de 1988, revela-se, explicitamente,
em seu art. 60, § 4º. Esta Corte, ao julgar procedentes as ações diretas que
impugnaram a instituição do IPMF, autorizada pela EC nº 3/93, declarou que
“uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada,
incidindo em violação à Constituição originária, pode ser declarada
inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua é de
guarda da Constituição (art. 102, I, a, da C.F.)”. (ADI nº 939, rel. Min.
Sydney Sanches, DJ 18.03.94). No julgamento do pedido de Medida Cautelar
respectivo, assim se manifestou o eminente Min. Celso de Mello:
‘É preciso não perder de perspectiva que as
emendas constitucionais podem revelar-se incompatíveis,
também elas, com o texto da Constituição a que aderem.
Daí a sua plena sindicabilidade jurisdicional, especialmente
em face do núcleo temático protegido pela cláusula de
imutabilidade inscrita no art. 60, parágrafo 4º, da Carta
Federal.
As denominadas cláusulas pétreas
representam, na realidade, categorias normativas
subordinantes que, achando-se pré-excluídas, por decisão
da Assembléia Nacional Constituinte, do poder de reforma
do Congresso Nacional, evidenciam-se como temas
insuscetíveis de modificação pela via do poder constituinte
derivado.
Emendas à Constituição podem, assim, incidir,
também elas, no vício da inconstitucionalidade, configurado
este pela inobservância de limitações jurídicas
superiormente estabelecidas no texto constitucional por
deliberação do órgão exercente das funções constituintes
primárias ou originárias, (OTTO BACHOF, “Normas
Constitucionais Inconstitucionais?”, p. 52/54, 1977,
Atlântida Editora, Coimbra; JORGE MIRANDA, “Manual de
Direito Constitucional”, tomo II/287-294, item n. 72, 2ª ed.
1988, Coimbra Editora; MARIA HELENA DINIZ, “Norma
Constitucional e seus efeitos”, p. 97, 1989, Saraiva; J.J.
GOMES CANOTILHO, “Direito Constitucional, p. 756-758, 4ª
ed. , 1987, Almedina; JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de
Direito Constitucional Positivo”, p. 58/60, 5ª ed., 1989, RT,
entre outros).”
É, portanto, nesta linha, de ser admitida para exame a
argüição de ofensa ao texto constitucional pelo texto que veio a emendá-lo.
4 - Evolução do Sistema de Aposentadorias no Setor
Público.
Sem pretender a uma total abrangência e focando apenas o
sistema de aposentadorias dos servidores da administração pública federal,
pareceu-me útil, para a formação de meu próprio convencimento, traçar um
breve histórico dessa evolução.
A evolução do sistema de aposentadorias no setor público6
parte de sua caracterização inicial como garantia ou mesmo prêmio,
assegurado ao servidor, em razão da natureza de seu vínculo com a atividade
estatal. A partir do Estatuto do Servidor Público de 1952, assume o caráter de
pro-labore facto, ou seja, desdobramento de um pacto laboral onde a
aposentadoria correspondia a uma extensão da remuneração da atividade.
Antes disso, são três os marcos relevantes do sistema previdenciário do
servidor público federal: (1) a Constituição de 1934, que deferiu a concessão
de benefício integral a quem se tornasse inválido e contasse 30 anos de serviço
ou, compulsoriamente aos 68 anos de idade; (2) a criação do IPASE, em 1938,
que reconheceu os funcionários públicos como categoria sócio-profissional
com direito a tratamento à parte no sistema previdenciário e (3) o estatuto de
1939, que previa a hipótese de aposentadoria por tempo de serviço.
É importante verificar que, com a criação do Instituto de
Previdência e Assistência dos Servidores do Estado – IPASE, pelo Decreto-lei
nº 288, de 23 de fevereiro de 1938, tornaram-se contribuintes obrigatórios os
funcionários civis efetivos, interinos, ou em comissão (art. 3º, a), aos quais se
assegurou proventos de aposentadoria (art. 5º). A contribuição correspectiva,
escalonada por faixas salariais, variava entre 4 e 7% (art. 22, a, b, c e d), e
incidia sobre os vencimentos (art. 22, parágrafo único).
Por isso, é errônea a afirmativa de que os servidores públicos
federais nunca contribuíram ou pouco contribuíram para o sistema
previdenciário próprio. Concorreram eles, de fato, para a formação de seu
fundo de aposentadoria conforme as alíquotas estabelecidas pelo legislador e
incidentes sobre o valor total de seus vencimentos. E, quando se diz que
concorreram apenas para as pensões, tal argumento não tem o valor de
infirmar o fato de que aposentadorias e pensões nunca são benefícios
contemporâneos, extinguindo-se uma, quando a outra tem início.
Perpassa as Constituições de 1946, 1967 e 1969, uma
estrutura de sistema de aposentadorias que, basicamente, garante a percepção
de tal benefício, por motivo de invalidez, implemento de idade e voluntária,
atendido o requisito de tempo de serviço, para efeito de deferimento de
proventos integrais. Não foram diversas as disposições da Constituição de
6 Dados extraídos basicamente da Avaliação da situação financeira e patrimonial do sistema de previdência social dos servidores públicos
da União, realizada pelo Tribunal de Contas da União, mediante provocação do Sr. Procurador-Geral junto àquele órgão, Dr. Lucas
Furtado, e disponível no sítio Internet da Corte de Contas. Igualmente esclarecedor, o trabalho publicado pela Desembargadora Assusete
Magalhães, “Mudança do Modelo de Estado e as Reformas Administrativa e da Previdência”, in “Cartilha Jurídica”, ano 12, n. 85 ,
Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
1988. As normas relativas ao Regime Jurídico Único, especialmente os
artigos 183 e 231 definiram a criação do Plano de Seguridade do Servidor,
cujo custeio ocorreria por meio do produto da arrecadação de contribuições
sociais obrigatórias dos servidores, cabendo ao Tesouro Nacional
complementar as necessidades financeiras de tal plano. Enquanto não editada
lei que fixasse a alíquota de contribuição, foi mantida a de 6% então vigente
para custeio do benefício de pensão. A Lei nº 8.162/91 (art. 9º) estabelecia
alíquotas de contribuição que variavam entre 9% e 12%. Tal norma,
submetida ao controle de constitucionalidade, foi afastada do ordenamento
jurídico, conforme decisão na ADI nº 790, Rel. Min. Marco Aurélio, ao
argumento básico da inexistência de regulamentação do Plano de Seguridade
do Servidor.
Mas, é com a Emenda Constitucional nº 3/93 que o direito
previdenciário do servidor público perdeu, definitivamente, o caráter até então
reconhecido de direito devido em razão do exercício do cargo. Com a
expressa natureza contributiva que lhe foi conferida, justificou-se a
instituição por lei de alíquota destinada ao custeio deste benefício, o que foi
feito através da Lei nº 8.688/93, que alterou o artigo 231 do Regime Jurídico
Único. As alíquotas estabelecidas foram as mesmas antes previstas pela Lei nº
8.162/91 que deveriam incidir sobre a totalidade da remuneração e fixou-se
prazo de noventa dias para o encaminhamento ao Congresso Nacional de
projeto de lei dispondo sobre o Plano de Seguridade do Servidor e sobre as
alíquotas a serem observadas a partir de 1º de junho de 1994. Fixou-se
também a obrigação de a União participar com recursos oriundos do
orçamento fiscal em valor idêntico ao da contribuição de cada servidor e, com
recursos adicionais, quando necessários, em montante igual à diferença entre
despesas e receitas. Posteriormente, a Medida Provisória nº 560/94,
convertida na Lei nº 9.630/98, manteve até 30 de
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