27/03/2009
CÂMARA CRIA MAIS UM "REFIS" PARA BENEFICIAR CALOTEIROS

Notícias > Valor Econômico | REFIS | 26/03/2009
CÂMARA CRIA MAIS UM "REFIS" PARA BENEFICIAR CALOTEIROS
Logo faltarão nomes para batizar os sucessivos programas de parcelamento de dívidas para empresas patrocinados pelo Executivo e pelo Congresso. É uma tradição já: há enorme risco em enviar projetos tributários ao Legislativo, que raramente perde a chance de incluir vantagens para grupos de interesse. A Medida Provisória 499 teve esse destino. Concebida para perdoar dívidas de até R$ 10 mil vencidas até 2002, transformou-se rapidamente em um novo programa amplo, geral e irrestrito de refinanciamento de débitos, no estilo dos três anteriores, o Programa de Recuperação Fiscal (Refis), de 2000, o Parcelamento Fiscal (Paes), de 2003 e o Parcelamento Excepcional (Paex), de 2006. Provavelmente o projeto aprovado pela Câmara criará agora o Parcelamento Ordinário, para fazer jus ao que tem ocorrido sistematicamente nos últimos anos - a concessão de benefícios indevidos a uma minoria acostumada a não pagar impostos.

Não é possível a olho nu descobrir os membros e a extensão da "bancada dos caloteiros" formada no Congresso. Sabe-se, porém, que ela é muito eficaz, tem apoio em todos os partidos, trabalha em silêncio e de forma rápida. O PMDB espetou a nova conta nos cofres públicos, mas a votação do projeto foi feita simbolicamente, sem contagem nominal de votos ("Folha de S. Paulo", 25 de março). Coisa semelhante aconteceu com o Paex, aprovado em setembro de 2006. Em um ano eleitoral em que trabalharam ainda menos do que estão habituados, os congressistas aprovaram em uma única sessão mais de 40 projetos e medidas provisórias, sem qualquer discussão relevante. E, quando o assunto do projeto ou MP não é tributário, isso não significa absolutamente que não se possa enfiar nele alguma emenda estranha a seu objeto. Isso já aconteceu inúmeras vezes e é difícil que este comportamento mude.

Os deputados agora aprovaram o parcelamento das dívidas vencidas até 30 de novembro de Imposto de Renda, IOF, IPI, CSLL, PIS, contribuições previdenciárias e impostos de importação por um período de 15 anos. Desta vez houve uma inovação mais nociva. O projeto modificado pelos parlamentares prevê que os juros da operação serão equivalentes a 60% da taxa Selic ou à TJLP, hoje em 6,5%. Em suma, ao deixar de cumprir suas obrigações legais, as empresas em dívida com o Fisco conseguem escapar do pesadelo das taxas de juros de mercado. Isso não é tudo. Há descontos nas multas e nos juros sobre elas incidentes de acordo com o prazo de parcelamento. O valor da prestação mínima para pessoas jurídicas é sublime: R$ 100. No quesito facilidades, talvez só ganhe do atual projeto o Refis original, aprovado no governo de Fernando Henrique, em que os prazos de parcelamento poderiam superar 500 meses.

O Executivo deveria vetar as espertezas do Congresso em benefício de poucos. Este, porém, já é o terceiro programa de refinanciamento do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Agora, mais do que nunca, é improvável que o presidente bloqueie a nova iniciativa para favorecer caloteiros contumazes. Sua prioridade atual é eleger seu sucessor e é para isso que existe a base aliada, em especial o PMDB, que nunca cobra barato seu apoio.

A história já mostrou que esses programas servem, na maioria dos casos, para livrar empresas de punições fiscais e legais. A maioria dos inscritos deixa de pagar o refinanciamento depois de ingressar no programa. Das mais de 200 mil empresas que aderiram ao Paex, só 83 mil ainda se encontram adimplentes. No caso do Refis, para o mesmo universo de inscritos, restaram pouco mais de 20 mil. Além disso, existe um núcleo não muito grande de caloteiros que são beneficiados. No Refis, 652 grandes devedores detinham 76% do valor total dos débitos. No Paes, 435 deles tinham débitos equivalentes a 51% do total.

Os efeitos econômicos e morais dos programas são nefastos, e a arrecadação decorrentes deles, pequena. "A arrecadação cai antes desses grandes parcelamentos", diz a secretária da Receita Lina Vieira (Valor, 23 de março). Sua conclusão é perfeita: "O bom contribuinte se sente um otário". Com tantos programas em tão pouco tempo, tornou-se quase regulamentar o socorro a devedores - um estímulo despudorado ao calote. >


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