JORNAL DO COMMERCIO - DIREITO & JUSTIÇA - 10/4/09
Definida regra para prescrição
A interrupção da prescrição judicial se dá a partir do momento da apresentação da ação e não do despacho do juiz para citação das partes. Qualquer dúvida que havia nesse sentido foi eliminada na última quarta-feira, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado. O órgão aprovou o Projeto de Lei nº 88/2004. A proposta altera o artigo 1º, inciso 1º, do Código de Processo Civil para tornar a regra mais clara, por apresentar divergência entre as disposições do Código Civil e do Código de Processo Civil.
O autor do projeto, senador Demóstenes Torres (DEM-GO) explicou que o código processual atribuiu à citação o efeito de interromper a prescrição, antecipando esse efeito à data em que foi proposta a ação. De acordo com ele, o efeito da interrupção da prescrição só seria produzido se a parte interessada diligenciasse no sentido de promover a citação no prazo de l0 dias, a contar do despacho que a ordenou, prorrogáveis por até o máximo de 90 dias, caso não se realize no primeiro prazo.
"Daí que, tal como estava redigido o Código de Processo Civil, a prescrição seria considerada interrompida na data da propositura da ação, sob a condição de ser efetuada a citação dentro de dez dias do despacho que a ordenasse", explicou o senador, a necessidade de maior esclarecimento. Segundo afirmou, o Supremo Tribunal Federal havia definido que o tempo de prescrição pára de correr no momento da apresentação da ação. Havia, portanto, necessidade de corrigir a legislação.
Advogados comentam a proposta. A advogada Laís Pontes Oliveira, do escritório Celso Botelho de Moraes, afirmou que "o projeto de lei vem apaziguar o conflito que há entre a doutrina civilista e a processualista, quanto ao momento da interrupção do prazo prescricional".
"A redação em vigor no Código Civil de que a interrupção da prescrição ocorre por despacho do juiz que ordenar a citação é incompatível com a dinâmica forense. Assim, é benéfica a alteração deste artigo, se harmonizando com que dispõe o Código de Processo Civil, de que a interrupção da prescrição ocorre com a citação, retroagindo seus efeitos à data da propositura da ação judicial", disse a advogada.
Para o advogado Eduardo Correa, a aprovação do projeto de lei favorece o credor, uma vez que antecipa a interrupção da prescrição ao momento do ajuizamento da ação e, dessa forma, evita manobra do devedor para se ver concretizada a prescrição pela inércia jurisdicional. "No campo tributário essa alteração não terá quaisquer reflexos, de modo que a interrupção da prescrição continuará sendo o momento do despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal, conforme determina a atual redação do artigo 174, parágrafo único, inciso I, do Código Tributário Nacional", disse.
Prescrição
Regis Coppini Meireles de Lima, do escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha e Lopes Advogados, explicou que a prescrição é a perda da ação judicial que poderia ser intentada para assegurar os direitos de seu titular, em razão de sua inércia em um determinado período de tempo. Ele explicou que, atualmente, a prescrição é interrompida com o despacho de juiz, quando do ato da citação. Ele lembrou também que os direitos não são extintos com a prescrição, mas apenas a possibilidade de exigi-los mediante a propositura de ação judicial.
"Com a aprovação do projeto de lei que institui modificações no Código Civil de 2002, assim como no Código de Processo Civil, bastará o protocolo da ação judicial, desde que a citação seja promovida pelo interessado, para a interrupção da prescrição. Com isto, independentemente da organização do Poder Judiciário, assim como de fatores externos ou alheios à vontade dos interessados, o cidadão passa a assegurar seus direitos, dentro dos prazos estabelecidos em lei. Consequentemente, evita a interposição de recursos que geralmente são ocasionados pelo inconformismo com a situação de fato, que não espelhava em razão do Código Civil de 2002 o espírito do instituto da prescrição, ou seja, extinção dos direitos do cidadão inerte, objetivando, em ultima instancia a segurança jurídica", afirmou.
Para Daniel Gustavo Magnane Sanfins, advogado do Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados, "o projeto, se efetivamente for convertido em lei, trará mais segurança jurídica aos envolvidos em processos judiciais, graças à eliminação de normas que, apesar de semelhantes, instituíam atos diferentes como interruptores da prescrição, com reflexos importantíssimos no exercício dos direitos, uma vez que eliminada a incerteza sobre qual a regra aplicável ao caso".
Oportuno
Carlos Jorge Sampaio Costa, do Instituto dos Advogados Brasileiros, avaliou o projeto como oportuno. Ele explicou que os prazos prescricionais foram muito reduzidos com o decorrer do tempo. O Código Civil de 2002, por exemplo, diminuiu o tempo para a pretensão de receber pensões alimentícias de cinco para dois anos. "O legislador do novo Código Civil de 2002, consciente dos problemas que existem hoje em dia para que se obtenha rapidamente uma citação, dispõe no artigo 202 que o simples despacho do juiz ordenando a citação interrompe a prescrição. Entretanto, muitas vezes, devido ao acúmulo de processos, os juízes demoram semanas e até meses para despachar uma inicial. O projeto corrige em boa hora este defeito da legislação vigente. A mera apresentação do credor da ação pertinente passaria a interromper o termo prescricional", afirmou.
O advogado Alessandro Temporim Calaf, do escritório Gaia, Silva, Gaede & Associados, disse que a proposta, se aprovada, adiantará o momento de interrupção da prescrição, pois em vez do despacho que ordena a citação, a mera distribuição da petição inicial terá o condão de interromper o prazo prescricional. Na avaliação dele, o conflito permanecerá em relação ao Código de Processo Civil e o Código Tributário Nacional, já que ambos prevêem causas distintas de interrupção da prescrição. "E nas execuções fiscais, a citação é interrompida não pelo ajuizamento da inicial, mas, sim, pelo despacho que ordena a citação", explicou.
Alexandre Catramby, do CBSG, afirmou que a alteração é bem-vinda na medida em que põe fim à situação de insegurança jurídica que resulta desse conflito aparente entre normas do Código Civil e do Código de Processo Civil. "Enquanto aquele prevê que a interrupção da prescrição ocorre com o despacho do juiz, o Código de Processo Civil estabelece, em resumo, que a interrupção se dá com a propositura da ação. Esta última regra, a que prevalecerá caso seja aprovada a mudança proposta pelo Demóstenes Torres, é muito mais lógica, pois, algumas vezes, o despacho do juiz demora dias para ser proferido, podendo até ocorrer após já encerrado o prazo prescricional. Essa situação é insustentável, pois, em se tratando de prescrição, talvez uma das matérias mais sensíveis no mundo jurídico, o legislador deve ser o mais claro possível, reduzindo, ao máximo, o espaço para interpretações divergentes, pelos juízes", afirmou.
Bernardo José Drumond Gonçalves, do Homero Costa Advogados, disse que "essa proposta de alteração legal é válida e tende a consolidar a segurança jurídica. Isso porque o lapso temporal entre a distribuição da ação e o despacho inicial, determinando a citação, pode ser extenso, em virtude do excessivo volume de ações, comparado ao reduzido número de servidores. Ou seja, ao se admitir a interrupção do prazo prescricional apenas mediante ordem de citação, há risco de perecimento da pretensão, em função do vínculo jurídico, em que pese o entendimento jurisprudencial favorável".
OAB
Na avaliação do vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Lauro Schuch, o projeto, não altera a regra hoje existente, "na verdade, nada se altera, pois que os efeitos que a citação produz, inclusive no que tange à interrupção da prescrição, são retroativos ao ajuizamento da ação. Portanto, a alteração serve apenas para tornar mais claro e direto o momento em que, efetivamente, a prescrição se considera interrompida".
Opinião semelhante tem Felisberto Brant, advogado do escritório Campos Mello, Pontes, Vinci & Schiller Advogados. De acordo com ele, "a modificação pretendida pelo projeto de lei nº 88/04 possibilita a ocorrência de abusos, inclusive a interrupção da prescrição pela simples propositura de uma ação evidentemente incabível. Por outro lado, é somente por meio da citação que o réu toma ciência inequívoca de que a prescrição que corria a seu favor foi interrompida. A prescrição visa a promover a segurança das relações jurídicas, e a alteração proposta no PLS 88/04 pode gerar insegurança, constituindo, em minha opinião, um retrocesso".
GISELLE SOUZA
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