JORNAL DO COMMERCIO - DIREITO & JUSTIÇA
Previdência excluída das ações coletivas
Ada Pellegrini Grinover, professora e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual, criticou as modificações realizadas pela Casa Civil da Presidência da República no anteprojeto de lei sobre ações coletivas, elaborado por comissão instituída pelo Ministério da Justiça, no âmbito da Secretaria da Reforma do Judiciário. Uma das alterações é que visa a impedir a proposição de ações para assuntos ligados à Previdência. "Isso é uma calamidade. Praticamente acaba com as ações coletivas na Justiça Federal", disse a professora, em palestra na Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.
O anteprojeto da comissão foi encaminhado para a Casa Civil no fim de março. A professora explicou que a mudança mais prejudicial ocorreu em relação no parágrafo primeiro do artigo primeiro do texto. "Introduzido por medida provisória, dizia não ser cabível ação civil pública para vincular pretensões que envolvessem tributos. Tínhamos tirado isso. A casa civil o re-inseriu. E ainda excluiu a concessão, revisão ou reajuste de benefício previdenciário ou assistencial, contribuições previdenciárias, fundo de garantia por tempo de serviço e outros fundos de natureza previdenciária", afirmou.
De acordo com Ada Pellegrini, essa exclusão inviabiliza as ações coletivas na Justiça Federal, onde até 90% das ações em curso versam sobre questões ligadas ao Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). "O que a comissão espera, já que a Casa Civil foi irrecorrível em alguns pontos, é trabalhar junto ao Congresso para que sejam expurgados esses entulhos fazendários postos no projeto. Vamos ter que trabalhar para derrubar completamente esse parágrafo único. Entendo que, mesmo para as ações tributárias, não se justifica a retirada do projeto da ação civil pública. No entanto, se não conseguirmos em relação a isso, trabalharemos sem dúvida com relação aos benefícios previdenciários e assistenciais", afirmou.
Ada Pellegrini fez parte da comissão do Ministério da Justiça. Ela explicou que o principal objetivo era preparar um projeto de leis sobre as ações coletivas que reformulasse ou revisse a lei de ação civil pública, que data de 1985, além das regras previstas em legislações esparsas, como o Código de Defesa do Consumidor. "Desde 1990, não houve nenhuma alteração estrutural no sistema brasileiro. Houve algumas via Medida Provisória. O Código de Processo Civil foi pensado com vistas à solução de conflitos individuais. A aplicação dele em ações coletivas tem gerado sérios problemas", disse a especialista, destacando alguns exemplos.
Entre os quais, os resultados conflitantes decorrente dos julgamentos das demandas coletivas que pipocam em todo o País, a falta de esclarecimentos sobre mecanismos tais com o Termo de Ajustamento de Condutas e a grande variedade de leis que tratam de forma diferente as ações coletivas. "Era preciso, efetivamente, pensar em uma nova legislação que pudesse suprir algumas lacunas e problemas", disse.
Um dos pontos considerados importantes pela professora e que está previsto no projeto é o que cria o cadastro nacional de processos coletivos junto ao Conselho Nacional de Justiça. "Isso poderá ser um remédio para as ações idênticas corram em foros diferentes. Vamos evitar que diversos processos corram em separado", afirmou a professora, explicando como o cadastro funcionará.
"A inicial deverá ser instruída com comprovante de consulta do cadastro demonstrando a inexistência de ação sobre o bem jurídico em questão, para que não haja duplicidade de ação", explicou a professora, destacando que o objetivo é evitar o ajuizado de demandas judiciais, mesmo que diferentes, sobre o mesmo tema. "Não importa o tipo de ação, mas o bem jurídico em questão", acrescentou.
Projeto privilegia reparação
No projeto, buscou-se privilegiar "a obrigação de fazer", explicou Ada Pellegrini. "Tenta-se evitar a execução, mesmo que de quantia certa. A condenação se constituirá na obrigação de fazer. No caso de um desmatamento, por exemplo, a condenação não será no sentido de ressarcir, indenizar. Será para reflorestar. A preferência é pela obrigação específica, destinada justamente à reconstituição dos bens lesados", explicou.
A indenização, por sua vez, não está descartada. Nesse sentido, Ada Pellegrini citou como exemplo as lesões cometidas a patrimônio histórico, para os quais não é possível a reparação. "Mesmo na condenação em dinheiro, a execução virá com medidas de indução", afirmou a professora. "Demos aos juízes a incumbência de fazer com que o pagamento em dinheiro chegue por meio da obrigação de fazer", acrescentou.
Outro aspecto importante do projeto de ações coletivas é o que permite as partes transacionarem. Nesse caso, a parte que não concordar com o que foi acertado, poderá entrar com ação individual após o trânsito em julgado. A proposta também regulamenta as regras em relação às perícias.
Pode ocorrer de uma associação, instituição competente para impetrar esse tipo de ação, não ter como custear a prova técnica necessária ao processo. Nesse caso, deverá ser nomeado um perito do serviço público. Se isso não for possível, competirá ao Poder Judiciário arcar com os custos.
A professora reclamou da falta de mecanismos que permitam o cidadão comum ingressar com esse tipo de demanda. "Propus que também fosse legitimada a pessoa física, desde que houvesse aferição de representante. Esse é um tema que se liga diretamente à democracia participativa", afirmou.
GISELLE SOUZA
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