03/09/2004
MINISTÉRIO PÚBLICO - V O T O – V I S T A MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO

Na explícita redação da Constituição Federal de 1988, uma das três
finalidades do Ministério Público é a defesa da Ordem Jurídica (art. 127, cabeça).
Ordem Jurídica, esclareça-se, como expressão rigorosamente sinônima de Direito
Positivo, ou simplesmente “Direito”.
2. Pois bem, essa defesa do Direito é uma das razões pelas quais o
Ministério Público recebe do mesmo dispositivo constitucional (art. 127, caput) o
qualificativo de “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do
Estado”. Isto porque a jurisdição consiste no poder-dever que têm os órgãos
judiciários de dizer qual o Direito aplicável a uma dada relação processual (inciso
XXXV do art. 5º da nossa Lei Magna Lei).
3. Daqui se deduz que Poder Judiciário e Ministério Público são órgãos
distintos, é certo, porém a serviço de uma mesma função estatal, que é a
jurisdição. Atividade pela qual a primeira instituição aplica o Direito, enquanto a
segunda pede e fiscaliza tal aplicação.
4. Acontece que o Poder Judiciário tem por característica central a estática
ou o não agir por impulso próprio (ne procedat iudex ex-officio). Ele age por
provocação das partes. Do que decorre ser próprio do Direito este ponto de
fragilidade: quem diz o Direito, não diz o Direito senão a partir da voz de
terceiros.
5. Não é isso o que se dá com o Ministério Público. Este age de ofício e
assim confere ao Direito um elemento de dinamismo que compensa aquele
primeiro ponto jurisdicional de fragilidade. Daí os antiqüíssimos nomes de
“promotor de justiça” e “promotoria de justiça”, que põem em evidência o caráter
comissivo ou a atuação de ofício dos órgãos ministeriais públicos.
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6. Duas das competências constitucionais do Ministério Público são
particularmente expressivas dessa índole ativa que estamos a realçar. A primeira
reside no inciso II do art. 129 e consiste no “zelar pelo efetivo respeito dos
poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados
nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”
(negritos à parte). A segunda está no inciso VII do mesmo art. 129 e traduz-se
no exercício do “(...) controle externo atividade policial (...)”.
7. Explico. Ambas as funções ditas “institucionais” são as que melhor
tipificam o Ministério Público enquanto instituição que bem pode tomar a
dianteira das coisas, se assim preferir, pois o fato é que:
I - o inciso II do art. 129 deixa até literalmente posto que é próprio dos
agentes ministeriais públicos promover os meios ou as medidas que se fizerem
necessárias ao seu mister de zelar pela integridade dos direitos (todos eles)
assegurados pela Constituição, perante, justamente, os Poderes Públicos e as
entidades encarregadas da prestação dos serviços de relevância pública (entre os
quais figuram a educação e a saúde pública);
II - já no inciso VII desse mesmo art. 129, a Constituição faz uso do
vocábulo “controle externo” como o fez a propósito da atuação do Poder
Legislativo e do Tribunal de Contas da União (arts. 74 a 75): atividade estatal
que se desempenha mediante ação de ver, diligenciar, pesquisar, fiscalizar,
examinar, enfim, sem o quê não se forma um livre convencimento. Não se atua
com plena consciência das coisas.
8. Investigar fatos, documentos e pessoas, assim, é da natureza do
Ministério Público. É o seu modo de estar em permanente atuação de custos
legis ou de defesa da lei. De custos iuris ou de de defesa do Direito. Seja para
lavrar um parecer, seja para oferecer uma denúncia, ou não oferecer, ou seja
ainda para pedir até mesmo a absolvição de quem já foi denunciado.
9. Privar o Ministério Público dessa peculiaríssima atividade de defensor
do Direito e promotor da Justiça é apartá-lo de si mesmo. É desnaturá-lo.
Dessubstanciá-lo até não restar pedra sobre pedra ou, pior ainda, reduzi-lo à
infamante condição de bobo da Corte. Sem que sua inafastável capacidade de
investigação criminal por conta própria venha a significar, todavia, o poder de
abrir e presidir inquérito policial.
10. Com efeito, é preciso distinguir as coisas. Se todo inquérito policial
implica uma investigação criminal, nem toda investigação criminal implica um
inquérito policial. Mas o que não se tolera, sob o pálio da Lex Maxima de 1988,
é condicionar ao exclusivo impulso da Polícia a propositura das ações penais
públicas. Ações que só o Ministério Público pode ajuizar (inciso I do art. 129 da
Lei das Leis) e que têm na livre formação do convencimento dos promotores e
procuradores de justiça a razão de ser da sua institucionalização como figura de
Direito.
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